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Atropelamento em Copacabana: quais as restrições para que pessoas com epilepsia dirijam?

Antonio de Almeida Anaquim negou ter histórico de convulsões ou epilepsia ao renovar sua CNH em 2015.

19 jan 2018 - 18h56
(atualizado às 18h59)
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A polícia investiga o que aconteceu dentro do carro que atropelou pelo menos 17 pessoas em Copacabana
A polícia investiga o que aconteceu dentro do carro que atropelou pelo menos 17 pessoas em Copacabana
Foto: EPA / BBC News Brasil

Ao deixar o carro que dirigia, logo após atropelar pelo menos 17 pessoas no calçadão de Copacabana - incidente que causou a morte de um bebê de oito meses -, o motorista Antonio de Almeida Anaquim, de 41 anos, alegou ter sofrido um ataque epiléptico. A crise teria causado a perda de controle do veículo na noite da última quinta-feira.

A polícia ainda investiga o que efetivamente aconteceu dentro do carro, mas as alegações de Anaquim geraram dúvidas nas redes sociais sobre se pessoas que sofrem de epilepsia podem dirigir veículos. A resposta é sim, mas desde que cumpridas algumas condições estabelecidas pelo Conselho Nacional do Trânsito (Conatran). Se Anaquim, de fato, sofrer da doença, o caso indica que o sistema de controle para concessão da carteira é falho.

De acordo com o Conatran, portadores de epilepsia podem obter autorização para dirigir, desde que não tenham tido crises convulsivas ao longo do último ano e apresentem laudo de um neurologista que tenha acompanhado seu caso no período - além de uma série de outras especificações. O entendimento é de que o laudo deve atestar que a situação está controlada e que o paciente toma seus medicamentos regularmente.

A resolução do órgão diz ainda que o motorista deve declarar de próprio punho se sofre de epilepsia, diabetes, hipertensão ou outras doenças.

Porém, Anaquim negou ter histórico de convulsões ou epilepsia ao renovar sua CNH em dezembro de 2015, marcando um "não" nas perguntas correspondentes no formulário que preencheu ao fazer sua avaliação médica.

De acordo com o advogado criminalista Raphael Hage, do escritório Tiago Lins e Silva, além dos crimes de homicídio e lesão corporal no calçadão, a omissão pode fazer, em tese, com que Anaquim seja enquadrado também pelo crime de falsidade ideológica.

Formulário do Detran preenchido por Antonio de Almeida Anaquim, onde ele nega ter histórico de convulsões ou epilepsia
Formulário do Detran preenchido por Antonio de Almeida Anaquim, onde ele nega ter histórico de convulsões ou epilepsia
Foto: BBC News Brasil

"Ele está alegando a epilepsia para se defender, mas com isso acabou se complicando nessa outra questão", considera.

A BBC Brasil tentou contato com o advogado de Anaquim, mas não obteve resposta.

Cassação aberta só após o acidente

Após o atropelamento, o Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro (Detran-RJ) afirmou que Anaquim possuía 62 pontos acumulados na carteira por infrações e que teve processo de suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) aberto em maio de 2014.

Porém, o Detran só instaurou o processo de cassação da CNH de Anaquim, como determina a legislação de trânsito, nesta sexta-feira, porque foi a primeira vez em que ele foi flagrado após a ordem de suspensão da carteira - ou seja, ilegalmente - e devido à gravidade do acidente provocado, justifica o órgão.

O caso está sendo investigado pelo 12º DP de Copacabana. Anaquim estava acompanhado de uma mulher na hora do acidente, que confirmou que ele teria desmaiado após ter o ataque.

De acordo com a neurologista Isabella D'Andrea Meira, professora do Hospital Universitário Antônio Pedro, na Universidade Federal Fluminense (UFF), a epilepsia é uma doença em que o cérebro desenvolve crises convulsivas de forma espontânea, sem relação com elementos externos. Elas são detonadas por falhas na coordenação das descargas elétricas emitidas pelos neurônios. E podem ser raras ou ocorrer até dez vezes por dia, dependendo da gravidade do caso.

"Muitas vezes a pessoa não tem uma convulsão. Ela sai do ar, perde a consciência. Ela pode até não cair e continuar falando, mas está inconsciente, e depois volta como se nada tivesse acontecido, ou um pouco confusa depois da crise", diz Meira.

Após a crise, não há como detectar se ela aconteceu ou não - o que pode dificultar as investigações da polícia em um caso como esse. "É preciso considerar os outros fatores, como o histórico de epilepsia e o uso de medicamentos", avalia a neurologista. Após o atropelamento, peritos encontraram frascos com três medicamentos de controle a epilepsia dentro do carro de Anaquim.

Anaquim estava acompanhado da mulher na hora do acidente, que confirmou que ele teria desmaiado após ter o ataque
Anaquim estava acompanhado da mulher na hora do acidente, que confirmou que ele teria desmaiado após ter o ataque
Foto: AFP / BBC News Brasil

Casos sem controle

O neurologista Eduardo Faveret, coordenador do Centro de Epilepsia do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, no Rio, diz que os laudos atestando a capacidade de um portador de epilepsia de dirigir devem considerar não apenas a ausência de surtos no último ano, mas também a disciplina do paciente no tratamento - se está usando os remédios com regularidade e da forma correta, seguindo restrições à bebida alcóolica, por exemplo.

Ele explica, entretanto, que cerca de 30% dos casos de epilepsia não podem ser controlados com remédios. São os casos conhecidos como fármaco-resistentes ou refratários.

Com uma estimativa de que 1,5% da população tenha epilepsia, Faveret calcula que apenas no Estado do Rio 250 mil pessoas tenham a doença - e cerca de 80 mil estejam no grupo refratário aos medicamentos, universo no qual não é possível obter a permissão para dirigir, afirma.

"Entre os jovens que têm epilepsia, as restrições a dirigir são uma das principais queixas quando eles falam sobre como sua qualidade de vida é comprometida, além do descontrole causado pelas crises e dos quadros psiquiátricos associados. Muitas vezes as pessoas sofrem de depressão, não conseguem trabalhar, manter relacionamentos", exemplifica.

Nesse cenário, a má qualidade do transporte público também é um fator que dificulta a vida dos pacientes e pode acabar levando a um comportamento de risco. "Infelizmente, em uma cidade como o Rio, muita gente depende de carro", diz. "Algumas pessoas acabam colocando em risco suas próprias vidas e as vidas dos outros."

Conscientização

Isabella D'Andrea Meira espera que a atenção despertada pelo caso ajude a alertar para o problema e conscientizar portadores de epilepsia que achem que algo assim nunca vai acontecer com eles e que podem dirigir a despeito de ordens médicas - o que diz não ser raro.

"Esse caso serve para chamar atenção de pessoas que têm epilepsia e não estão agindo da forma que deveriam, e mostrar que (dirigir sem a devida autorização) pode ter consequências muito graves e sérias."

Ao mesmo tempo, Meira se preocupa com o estigma sobre quem tem a doença. "Muita gente não sabe o que é, e o preconceito impacta muito a vida dessas pessoas."

Estima-se que 1,5% da população tenha epilepsia
Estima-se que 1,5% da população tenha epilepsia
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

No formulário preenchido de próprio punho em dezembro de 2015, Anaquim respondeu não às perguntas "você já sofreu de tonturas, desmaios, convulsões ou vertigens?" e "você tem hipertensão arterial, diabetes, epilepsia, doença cardíaca, neurológica, pulmonar, etc?".

Assinou seu nome no fim do formulário, sobre o campo "Assinatura do candidato sob pena de responsabilidade", e logo acima da firma do médico perito responsável.

Informação voluntária

Diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Dirceu Rodrigues Alves considera que essa é uma grande fragilidade do sistema.

"O candidato à carteira sempre nega a patologia que possui. Nunca temos a informação de um paciente. Eles negam peremptoriamente ser portadores de determinadas doenças", afirma ele, especialista em medicina de tráfego. "Quando a gente quer conquistar alguma coisa, a gente nega tudo."

Ele ressalta a dificuldade de se fazer o diagnóstico de epilepsia e considera que exames psiquiátricos deveriam fazer parte da avaliação para tirar a carteira de habilitação.

"Quando detectamos alterações no exame clínico, pedimos informações a um neurologista. Mas dificilmente vamos detectar a epilepsia em um exame clínico, a não ser que o candidato venha a ter uma crise no meio do exame", diz.

Outro problema, afirma, é que as avaliações médicas feitas para tirar a carteira de motorista não são satisfatórias.

"Temos que melhorar em muito o nosso desempenho junto aos nossos pacientes e entender que estamos em uma missão muito séria para proteger indivíduos por meio de um exame bem feito, detectando patologias", diz.

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