Moraes recua da retirada de VPNs do Brasil, mas mantém multa de R$ 50 mil para quem acessar rede de Elon Musk
Decisão acontece em meio a disputa judicial envolvendo o funcionamento da rede social no Brasil e após X não indicar representante legal no país.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, determinou nesta sexta-feira (30/08) a suspensão imediata do funcionamento da rede X (antigo Twitter) no Brasil. Mas a decisão não afetou apenas usuários da rede social controlada pelo bilionário sul-africano Elon Musk.
A decisão também impôs uma série de medidas contra usuários de um mecanismo de proteção ou burla de barreiras na internet chamado VPN. Entre elas está a aplicação de multas a quem usar VPN para acessar o X no Brasil.
Moraes também havia determinado que Google e Apple retirassem de suas lojas de aplicativos aqueles que oferecem esse serviço, mas após uma série de críticas em redes sociais, o ministro recuou deste ponto de sua decisão.
A decisão pela suspensão do X no Brasil veio após o esgotamento do prazo de 24 horas dado pela Corte na quarta-feira (28/8) para que a empresa comandada pelo bilionário sul-africano Elon Musk indicasse um novo representante legal da companhia no Brasil.
A decisão de Moraes nesta sexta-feira determinou que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tome as medidas necessárias para a suspensão do X.
Após a decisão, em sua conta no X, Elon Musk disse que "a liberdade de expressão é a base da democracia e um pseudo-juiz não eleito no Brasil está destruindo-a para fins políticos".
A suspensão já era esperada, mas o conjunto de medidas em relação aos serviços de VPN não.
De acordo com a decisão de Moraes, a ofensiva contra os serviços de VPN é uma tentativa de evitar ao máximo que o X seja acessado a partir de conexões originadas no Brasil.
Os dois principais conjuntos de medidas em relação ao uso de VPN foram:
- Moraes determinou que Apple e Google, responsáveis pelos sistemas operacionais de smartphones mais comuns no mundo, retirassem de suas lojas virtuais os aplicativos que realizam o serviço de VPN
- Moraes também estipulou uma multa de R$ 50 mil para pessoas físicas ou jurídicas que utilizem VPN para burlar o bloqueio determinado por ele e acessar a o X a partir do Brasil
A decisão de obrigar as principais lojas de aplicativos de impedirem o acesso a serviços de VPN foi duramente criticada em redes sociais após a divulgação do teor do despacho do ministro.
Parte do argumento era de que redes VPN são amplamente utilizadas para diversos fins não relacionados ao acesso a plataformas como o X.
Por volta das 20h, o STF divulgou uma nova decisão suspendendo a determinação para a retirada dos aplicativos de VPN das lojas virtuais da Apple e do Google.
Moraes disse que o recuo tinha o objetivo de evitar danos a empresas além do X e "eventuais transtornos desnecessários e reversíveis à terceiras empresas".
O advogado constitucionalista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, afirmou à BBC News Brasil que a multa é "totalmente ilegal".
"Dentro de um processo, as punições que um juiz tem à sua disposição são para as partes, você não pode punir terceiros. O usuário é um terceiro, ele não pode ser punido ou vinculado a um processo que não é dele."
O que é uma VPN
VPN é sigla em inglês para Virtual Private Network, que em português significa rede privada virtual.
Trata-se de um mecanismo que funciona por meio da criação de uma ligação criptografada segura entre o dispositivo do usuário e o servidor remoto.
O VPN blinda as informações pessoais, como senhas e dados, e "esconde" o IP original, criando uma camuflagem na atividade online do usuário.
As redes VPN são amplamente usados para acessar uma conexão de internet diferente, conectar-se a servidores de outros países e desbloquear conteúdos não disponíveis na região onde o dispositivo está localizado.
No passado, decisões judiciais já barraram também o uso de VPN.
Em maio de 2023, Alexandre de Moraes publicou um despacho em que ameaçava retirar o Telegram do ar por causa de uma mensagem enviada aos usuários contra o projeto de lei que ficou conhecido como PL das Fake News.
O bloqueio nunca aconteceu de fato, mas no documento o ministro do STF proibiu o uso de VPN para acessar o aplicativo caso isso acontecesse.
A ferramenta é bastante utilizada em países onde plataformas como o X, Google ou Facebook são banidos. Na China, por exemplo, para acessar alguns serviços do Google ou o X é preciso utilizar aplicativos que criam uma VPN.
No Brasil, o uso de VPNs é popularizado entre usuários de streaming que utilizam essas redes para ter acesso a catálogos de filmes e séries disponíveis em outros países. Na prática, é como se o usuário estivesse navegando pela internet a partir de outros países ou continentes.
Longa batalha entre Musk e Moraes
A decisão de hoje é o mais recente episódio de um conflito entre o STF e o bilionário Elon Musk.
Os embates tiveram início pouco depois de 8 de janeiro de 2023, quando uma multidão de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), invadiu o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e STF em protesto contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Após esse episódio, o STF intensificou as investigações sobre a disseminação de conteúdos falsos e o possível financiamento de grupos que ameaçam a democracia brasileira.
O ministro Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos que apuram a disseminação de fake news, milícias digitais e atos golpistas, ordenou o bloqueio de diversos perfis em redes sociais administrados por usuários acusados de atentar contra a democracia brasileira e o processo eleitoral.
As ordens do ministro geraram repercussão negativa entre parte dos apoiadores de Bolsonaro e eleitores da ala direitista da política brasileira, que alegavam que as medidas violavam o direito à liberdade de expressão.
Enquanto isso, Moraes contou com o apoio dos demais ministros do STF, que ressaltaram que a liberdade de expressão não deve ser confundida com a permissão para desrespeitar leis ou promover ideais antidemocráticos.
Como proprietário da rede social X, Elon Musk, que tem ligações com grupos de direita em todo o mundo, acusou o ministro brasileiro de censura. A plataforma não retirou do ar os perfis, desrespeitando as decisões do STF.