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Bolsonaro abre assembleia da ONU: Brasil deve R$ 1 bilhão à organização

Especialistas afirmam que dívida é influenciada por contexto político atual, mas se avolumou no governo Dilma.

20 set 2022 - 05h47
(atualizado às 07h37)
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Como de praxe, Bolsonaro será o primeiro a discursar na sessão de debates da Assembleia-Geral da ONU nesta terça-feira
Como de praxe, Bolsonaro será o primeiro a discursar na sessão de debates da Assembleia-Geral da ONU nesta terça-feira
Foto: JOHANNES EISELE/AFP via Getty Images / BBC News Brasil

O presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL) fará nesta terça-feira (20/09) o discurso de abertura debate geral da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. O Brasil chega ao evento com uma dívida junto à ONU de US$ 306 milhões, o equivalente a R$ 1,5 bilhão. Os dados foram levantados pela entidade a pedido da BBC News Brasil. O valor não inclui eventuais dívidas do Brasil com outros organismos internacionais.

Pelas regras da ONU, se um país acumular uma dívida equivalente a dois anos ou mais em relação às suas contribuições regulares, ele pode perder o direito ao voto. O Brasil tem feito alguns pagamentos da dívida para evitar esse cenário.

A perda ao direito de voto nunca aconteceu ao Brasil desde que a organização foi criada, em 1945. Segundo a assessoria de imprensa da ONU, não há indicação de qualquer mudança no direito de voto do Brasil no momento.

Procurado, o governo brasileiro apresentou números diferentes sobre a dívida e disse que "não tem poupado esforços" para quitar a dívida do Brasil com a ONU, mas afirmou que depende de suplementação orçamentária, que depende do Executivo e do Legislativo, para sanar os débitos.

Detalhes da dívida

Pelas regras da ONU, todo estado-membro deve pagar contribuições para o funcionamento regular da entidade. Esses valores são calculados com base em critérios como o tamanho do produto interno bruto (PIB) de cada país.

O Brasil é responsável por 2% do orçamento regular da entidade. Os Estados Unidos são o país responsável pelo maior percentual: 22%.

Pelas regras da ONU, um país pode perder o direito ao voto se acumular uma dívida equivalente a dois anos ou mais
Pelas regras da ONU, um país pode perder o direito ao voto se acumular uma dívida equivalente a dois anos ou mais
Foto: Anna Moneymaker/Getty Images / BBC News Brasil

Além das contribuições regulares, os países também precisam contribuir para as missões de paz desenvolvidas pela ONU. Desde a criação da ONU, o Brasil é um dos países mais atuantes em missões de paz ao redor do mundo. Em 2004, por exemplo, ele liderou a Missão das Nações Unidas de Estabilização do Haiti (Minustah).

Segundo o levantamento feito pela ONU, dos US$ 306,7 milhões que o Brasil deve para entidade, US$ 249 milhões são relativos a dívidas do Brasil com as missões de paz da organização acumuladas em outros anos.

Outros US$ 56,4 milhões são relativos ao valor que o Brasil deveria pagar a título de contribuições regulares ao orçamento da ONU.

O resto, em torno de US$ 1 milhão, é relativo dívidas do Brasil com tribunais internacionais como os que foram criados para julgar crimes de guerra nos Balcãs e no continente africano.

A BBC News Brasil pediu à ONU a lista completa dos países devedores, mas não obteve resposta. A entidade informou, apenas, que dos 193 países-membros, 125 já teriam quitado suas contribuições regulares até setembro deste ano.

Ainda de acordo com a ONU, o valor do débito já contempla pagamentos parciais feitos pelo governo brasileiro entre os meses de maio, junho e julho deste ano.

Diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil em caráter reservado afirmam que esses pagamentos têm sido feitos há alguns anos como uma forma de evitar que o Brasil perca o direito de voto junto à Assembleia Geral da ONU.

Eles comparam essas quitações como o pagamento do crédito rotativo de um cartão de crédito no qual paga-se apenas um percentual da dívida para evitar a inadimplência.

O que o governo diz

Procurado, tanto o Itamaraty quanto o Ministério da Economia apresentaram dados diferentes sobre o valor da dívida brasileira junto à ONU.

O Itamaraty disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que o débito do Brasil com a organização é de US$ 296 milhões, cerca de US$ 10 milhões a menos que o valor apresentado pela ONU.

A pasta disse que os repasses para o pagamento das dívidas são responsabilidade do Ministério da Economia.

Brasil é responsável por 2% do orçamento regular da ONU
Brasil é responsável por 2% do orçamento regular da ONU
Foto: Anna Moneymaker/Getty Images / BBC News Brasil

Procurado, o Ministério da Economia apresentou um número ainda menor: US$ 232,6 milhões.

Com base nos dados enviados pela pasta, a dívida do Brasil apontada pela ONU seria maior que a registrada em setembro de 2021, que totalizava US$ 255,8 milhões. O valor, porém, seria menor que as dívidas registradas nos anos anteriores.

Em 2020, a dívida do Brasil, segundo o ministério, foi de US$ 352,1 milhões. Em 2019, foi de US$ 411,6 milhões. Em 2018, o débito era de US$ 352,1 milhões.

Dívida remonta período Dilma, apontam especialistas

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que os débitos do Brasil com a ONU começaram a se agravar durante o segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), mas dizem que a gestão da dívida é reflexo da política internacional comandada pelo presidente Bolsonaro.

"Se formos ver os dados, a gente vê que, já no final do governo Dilma, a coisa 'desandou'. Há uma descontinuação nos pagamentos e isso foi se avolumando", afirmou o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dawisson Belém Lopes.

Para a doutora em Relações Internacionais e professora da Escola Superior de Guerra (ESG) do Ministério da Defesa Mariana Kalil, apesar de não ser a primeira vez que o Brasil fica devendo à ONU, a atual dívida do país com a entidade precisa levar em consideração o contexto político do país.

"A diferença é o contexto. Há, sem dúvidas, a questão da pandemia, que impactou diversos países financeiramente, mas há, também, uma retórica 'anti-globalista' do Brasil que, ao lado da questão do atraso na contribuição financeira, coloca o compromisso do país com a ordem multilateral do pós-Segunda Guerra Mundial em xeque", disse a professora.

O "anti-globalismo" é uma corrente ideológica marcada pelo questionamento à ordem multilateral na qual os países atuariam de forma coordenada por meio de organismos como a própria ONU. No Brasil, um dos principais defensores dessa ideologia foi o ex-ministro das Relações Exteriores do governo Bolsonaro, Ernesto Araújo.

De acordo com o Portal da Transparência, o governo reservou US$ 211 milhões para o pagamento de contribuições à ONU. Até agora, apenas US$ 33 milhões desse total havia sido gasto.

Em nota, o Ministério da Economia disse que a causa da dívida do Brasil com a ONU foi a "insuficiência de dotação orçamentária".

Questionado sobre qual a previsão para a quitação da dívida, a pasta disse que é preciso haver "previsão suplementar à LOA (Lei Orçamentária Anual) para o equacionamento das dívidas". O Itamaraty, por sua vez, atribuiu a dívida a "restrições fiscais" do orçamento federal.

"As dívidas incluem valores em várias moedas, e seu pagamento, assim como as demais ações orçamentárias, está sujeito às restrições fiscais que se impõem ao orçamento federal, dentro dos montantes previstos na Lei orçamentária Anual", disse a pasta em nota enviada à BBC News Brasil.

Ainda segundo o Itamaraty, o governo tem tentado "equacionar" a dívida junto à ONU. "O governo brasileiro não tem poupado esforços para equacionar a situação da dívida perante as Nações Unidas, em linha com o compromisso histórico do país com o sistema multilateral e a Carta da ONU", disse o órgão.

Bolsonaro deverá fazer o primeiro discurso de chefes de Estado do debate geral da Assembleia Geral da ONU na manhã desta terça-feira (20/9). O discurso está previsto para começar por volta das 9h. A previsão é que ele volte ao Brasil no final da tarde.

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