Bolsonaro barra nova CPMF: entenda por que imposto é polêmico
Paulo Guedes queria recriar imposto similar à antiga CPMF, contrariando promessa de campanha do presidente.
A reação negativa a declarações da equipe econômica sobre a intenção de criar um imposto sobre transações financeiras similar a antiga CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), mas com caráter permanente, derrubou o chefe da Receita Federal, Marcos Cintra, nesta quarta-feira.
O presidente Jair Bolsonaro, que se recupera de uma cirurgia em São Paulo, disse, por meio do Twitter, que está descartada a ideia de voltar a taxar transações bancárias.
"TENTATIVA DE RECRIAR CPMF DERRUBA CHEFE DA RECEITA. Paulo Guedes (ministro da Economia) exonerou, a pedido, o chefe da Receita Federal por divergências no projeto da reforma tributária. A recriação da CPMF ou aumento da carga tributária estão fora da reforma tributária por determinação do Presidente", postou o presidente em sua conta oficial.
Cintra era o maior entusiasta da volta do impostos, que foi extinto no país em 2007. Ontem, o secretário especial adjunto da Receita Federal, Marcelo de Sousa Silva, disse que a ideia era cobrar um taxa de 0,4% sobre todos os saques e depósitos realizados no país. Durante o Fórum Nacional Tributário, realizado em Brasília, ele também detalhou que a alíquota seria a mesma em operações de débito e crédito, mas nessa caso a cobrança se daria em duas partes - 0,2% sobre quem está fazendo o pagamento e 0,2% sobre quem está recebendo.
Paulo Guedes, por sua vez, havia dito, em entrevista ao jornal Valor Econômico divulgada na segunda-feira, que a nova CPMF teria alíquota de 0,2% a 1% e poderia arrecadar até R$ 150 bilhões por ano. A cobrança seria chamada de ITF (Imposto Sobre Transações Financeiras).
A intenção, segundo o ministro, era que o novo imposto compensasse a redução de tributos cobrados na folha de pagamento das empresas, barateando a contratação de funcionários.
A proposta estaria dentro de uma reforma tributária mais ampla para simplificar a cobrança de impostos no Brasil que o governo pretende enviar ao Congresso. A Câmara e o Senado, porém, já estão debatendo suas próprias propostas de simplificação tributária e têm rejeitado a ideia de uma nova CPMF.
O próprio Bolsonaro deu declarações enfáticas contra a CPMF ne eleição de 2018, mas Guedes tentou convecê-lo sob o argumento de que o novo tributo compensaria a redução de outras taxas.
Para economistas contrários a volta do imposto, a alíquota necessária para desonerar toda folha de pagamento seria alta e traria efeitos negativos para a economia.
"A CPMF tem muito pouco apoio entre os que conhecem da questão tributária. Não sei se esse é o melhor caminho para resolver o custo da contratação da mão-de-obra", disse na terça o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Histórico do imposto gera antipatia
A CPMF foi criada em 1994 como um imposto provisório que iria financiar a saúde pública. A cobrança incidia sobre todas as movimentações bancárias - exceto nas negociações de ações na Bolsa, saques de aposentadorias, seguro-desemprego, salários e transferências entre contas correntes de mesma titularidade.
O tributo, porém, foi prorrogado algumas vezes e teve sua finalidade modificada. A alíquota subiu de 0,2% para 0,38% e passou a cobrir também gastos com previdência, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, e foi usada até para pagar os juros da dívida. Em 2007, ela acabou sendo extinta, após ter arrecadado R$ 223 bilhões durante sua vigência.
Para o economista e advogado tributarista Eduardo Fleury, esse histórico é o que explica a grande antipatia que a população tem com esse imposto. Em julho de 2016, pesquisa realizada pelo Ibope para a Confederação Nacional da Indústria indicou que 73% dos brasileiros são contra a volta da CPMF.
"O recurso era pra saúde e acabou indo para outras áreas. Era para ser uma cobrança provisória, mas acabava sempre prorrogada. Isso criou uma percepção negativa", acredita.
Embora a proposta de Guedes fosse de compensar a volta da CPMF com redução de outros impostos, na prática o que sobressai para a população é a ideia de uma nova cobrança, inclusive porque o imposto sobre transações financeiras incide sobre um número maior de pessoas do que a cobrança sobre a folha de pagamento das empresas, nota o economista do Ipea (Insituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Rodrigo Orair.
"Há uma aversão a novos impostos. A população sente que já esta já está cheia de imposto", afirma.
Para além da percepção mais leiga da população, boa parte dos economistas se opõe à volta da CPMF por considerar que é um imposto ruim, que traz efeitos negativos para a economia e tem peso maior sobre os mais pobres.
A única vantagem do imposto, na avaliação de Orair, é que ele tem alta "produtividade tributária" - ou seja, é fácil de cobrar e gera uma resposta rápida em termos de arrecadação.
Ao defender a criação do ITF, Guedes disse ao jornal Valor Econômico que o imposto enquadraria a todos, incluindo sonegadores e traficantes de droga. Segundo o ministro, a proposta conterá uma cláusula para que transações só tenham validade jurídica com o recolhimento do imposto.
"Traficante pegou dinheiro em espécie e pôs tudo no caminhão, foi lá e comprou apartamento em Ipanema, pagou em dinheiro. Você pode tomar o apartamento dele, porque ele não pagou imposto", defendeu.
Possíveis efeitos negativos da volta da CPMF
Economistas contrários a CPMF, porém, destacam que o imposto sobre transações financeiras incentiva as pessoas a aumentar as transações em dinheiro vivo, provocando desbancarização. Isso corrói a própria base de cobrança do imposto, exigindo aumento da alíquota.
"Por exemplo, se eu vou fazer um churrasco com meus amigos, vou pedir que todos façam sua contribuição em dinheiro e depois vou pagar o churrasqueiro, e comprar as comidas e bebidas com dinheiro, em vez de fazer transferência bancária ou usar o cartão", exemplifica Orair.
"Por isso, é uma aventura querer usar esse tipo de imposto para substituir a contribuição das empresas para a previdência (um dos tributos que incidem sobre a folha de pagamento). Os gastos com previdência, mesmo com a reforma, vão continuar crescendo no país, o que vai exigir um imposto cada vez maior", acrescenta o economista do Ipea.
Segundo simulação feita por Eduardo Fleury, que já foi servidor da Receita Federal, seria necessário uma alíquota de 0,7% para arrecadar os R$ 150 bilhões sugeridos por Guedes. "Mas, com o encolhimento da base de arrecadação, depois subiria para 1%. As propostas desse governo são muito mal estudadas", critica
Fleury lembra que os juros no país eram mais altos entre 1997 e 2007, quando a CPMF vigorou. Isso era um estímulo para manter aplicações financeiras, mesmo com o imposto. Hoje, porém, a taxa Selic está em patamar bem menor.
Para o economista José Oreiro, professor da UnB, a volta da CPMF incentivaria as pessoas a manter em casa ou andar com quantias maiores de dinheiro vivo, aumentando a insegurança.
Outro efeito, segundo ele, ocorreria em setores da economia com cadeia de produção mais longa, já que o tributo é cumulativo (vai sendo cobrado seguidamente sobre todas as transações). Isso incentiva as empresas a buscar mais verticalização (concentrar todas as etapas da produção dentro do mesmo grupo) em vez de contratar fornecedores externos, o que tende a gerar ineficiência.
"É um imposto fatal para a indústria", afirma Oreiro.
Além disso, o custo dessas transações tende a ser repassado ao preço final cobrado de consumidores, afetando em maior proporção os grupos de menor renda. Esse efeito acontece porque pessoas mais pobres não têm capacidade de poupança, usando toda sua renda com consumo.
"É um imposto regressivo (com maior peso sobre os mais pobres). Nenhum país desenvolvido tem", ressalta Rodrigo Orair, do Ipea.
Levantamento realizado por Isaías Coelho, ex-chefe das divisões de Administração e Política Tributária do Fundo Monetário Internacional (FMI) e ex-secretário-adjunto da Receita Federal, indica que hoje apenas a Venezuela tem um imposto permanente com finalidade arrecadatória, cuja alíquota está em 2%.
Já Argentina, Bolívia, Colômbia, Honduras e Hungria estão com taxas provisórias - a mais alta é a cobrada na Argentina, de 1,2%.
Texto atualizado às 21h05 do dia 11/09/2019.