Bolsonaro é principal ameaça ao combate do coronavírus no Brasil, diz revista científica Lancet
O presidente Jair Bolsonaro, com seu discurso e ações contrários ao isolamento social, é a principal ameaça aos esforços de combate à pandemia de Covid-19, doença respiratória provocada pelo novo coronavírus, disse a revista científica Lancet, uma das mais prestigiadas do mundo, em editorial divulgado nesta sexta-feira.
A publicação científica criticou o "E daí?" que Bolsonaro usou para responder na terça-feira da semana passada a jornalistas quando perguntado sobre o fato de o Brasil ter superado a China em número de mortes provocadas pela Covid-19. Na ocasião, o Brasil registrava 5.017 vítimas fatais da doença. Segundo dados do Ministério da Saúde divulgados na quinta-feira --nove dia após aquela fala do presidente-- o país tem 9.146 mortes causadas pelo coronavírus, com 135.106 casos confirmados.
"Neste momento, cidades grandes como São Paulo e o Rio de Janeiro são os principais focos, mas há sinais de que a infecção está se deslocando para o interior dos Estados, onde estão localizadas cidades menores, sem provisões adequadas de leitos com cuidados intensivos e ventiladores. Ainda assim, talvez a maior ameaça à resposta ao Covid-19 para o Brasil seja o seu presidente Jair Bolsonaro", disse a revista no editorial intitulado "Covid-19 no Brasil: E daí?"
Para a Lancet, Bolsonaro "continua semeando confusão, desprezando e desencorajando abertamente as sensatas medidas de distanciamento físico e confinamento introduzidas pelos governadores de Estado e pelos prefeitos das cidades".
O presidente já se referiu por mais de uma vez à Covid-19 como uma "gripezinha" e tem criticado governadores e prefeitos que adotaram medidas de isolamento social, ferramenta preconizada pela maioria da comunidade científica e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para frear a disseminação do vírus.
Além disso, Bolsonaro frequentemente estimula aglomerações, indo a lugares públicos em Brasília e no entorno no fim de semana, e participando de manifestações que têm entre suas bandeiras, além do apoio a seu governo, pautas antidemocráticas como o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.
Também na semana passada, após o episódio do "E daí?", Bolsonaro disse que ele não é responsável pelas mortes provocadas pela Covid-19 no Brasil e tentou responsabilizar os governadores pelos óbitos.
No editorial, a Lancet lembra que, em meio à pandemia, Bolsonaro ficou sem dois ministros populares -- Luiz Henrique Mandetta, que foi demitido da Saúde pelo presidente, e Sergio Moro, que pediu demissão da Justiça e, ao sair, fez acusações contra Bolsonaro.
"Esta desorganização no centro da administração do governo é não só uma distração com consequências fatais no meio de uma situação de emergência de saúde pública, mas também um forte sinal de que a liderança no Brasil perdeu o seu compasso moral, se é que alguma vez teve um", dispara a revista que em nenhum momento cita o atual ministro da Saúde, Nelson Teich.
"O Brasil como país deve unir-se para dar uma resposta clara ao 'E daí?' do Presidente. Bolsonaro precisa mudar drasticamente o seu rumo ou terá de ser o próximo a sair", disse a revista.
O Palácio do Planalto não respondeu a um e-mail da Reuters com pedido de comentário sobre o editorial da Lancet.