Bolsonaro presidente: o Brasil que eleito vai herdar em 10 gráficos
Quem comandar o país nos próximos quatro anos terá incontáveis desafios; confira quais são eles - e o que o próximo presidente deve priorizar.
Jair Bolsonaro (PSL), eleito presidente após derrotar Fernando Haddad (PT), vai receber um país de contrastes - e incontáveis desafios.
A BBC News Brasil fez um raio-X de cinco áreas e elencou, em cada uma delas quais devem ser suas prioridades nos próximos quatro anos, com a ajuda de especialistas.
Confira.
EDUCAÇÃO
O Brasil investe, proporcionalmente, mais do que os países desenvolvidos em educação, mas ocupa as últimas posições em avaliações internacionais de desempenho.
Segundo dados oficiais, o governo brasileiro gasta cerca de 6% do PIB (Produto Interno Bruto, ou a soma de todas as riquezas produzidas pelo país) contra 5,5% da média dos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Também desembolsa mais do que Argentina (5,3%), Colômbia (4,7%), Chile (4,8%), México (5,3%) e Estados Unidos (5,4%).
Por outro lado, a qualidade da educação brasileira continua muito precária. No Pisa, principal avaliação educacional internacional, o Brasil ficou na 63ª posição em ciências, na 59ª em leitura e na 66ª colocação em matemática entre 70 países em 2015. De toda a América Latina, o Brasil só vai melhor do que a República Dominicana.
Em entrevista à BBC News Brasil, Claudia Costin, ex-diretora sênior para Educação no Banco Mundial e atualmente professora da FGV-RJ, opina quais são as prioridades de quem vai ocupar a Presidência.
"Em primeiro lugar, temos que investir na profissionalização da carreira e na formação de professores. Ninguém quer mais ser professor. Além disso, o que se ensina na faculdade de educação está muito distante do chão da escola. Eles não aprendem a dar aulas", diz.
"Em segundo, temos que avançar na implementação da base nacional curricular. Muitos alunos acabam abandonando a escola no Ensino Médio".
"Por último, temos que pensar numa escola mais adequada aos jovens. Isso significa usar a tecnologia como recurso para o aprendizado", conclui.
Depois de conseguir aumentar o número de crianças matriculadas na escola, o Brasil tem patinado em oferecer educação pública de qualidade e com igualdade no território total.
Os dados mais recentes do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), divulgados em setembro, apontam que nenhum Estado conseguiu atingir as metas previstas para o ensino médio, a etapa considerada mais problemática da educação brasileira. Em uma escala de zero a 10, a meta era uma média de 4,7 no ano passado. A nota alcançada, no entanto, foi de 3,8.
Além disso, cinco Estados - Amazonas, Roraima, Amapá, Bahia e Rio de Janeiro - viram suas notas recuarem no ensino médio.
Os problemas começam já na etapa anterior: 8 em cada 10 alunos brasileiros terminam o ensino fundamental sem o aprendizado adequado em matemática, por exemplo, carregando essa deficiência adiante.
Para Patricia Mota Guedes, gerente de pesquisa e desenvolvimento do Itaú Social, "o Brasil melhorou muito nos anos iniciais do ensino fundamental (1ª à 5ª série), e a grande maioria das redes alcança suas metas nessa etapa. (Mas) a gente nota um grande gargalo nos anos finais do fundamental e uma grande estagnação no ensino médio".
"Por trás disso temos não só dificuldades de desempenho dos alunos, mas aumentos nas taxas de repetência, na defasagem entre a idade e a série do aluno e (consequentemente) no risco de abandono escolar", diz Guedes.
ECONOMIA
Após dois anos de recessão, a economia brasileira voltou a crescer no ano passado, quando registrou alta de 1%. Daqui para frente, a previsão é mais alentadora.
Segundo o FMI, o Brasil deve crescer 1,4% neste ano e 2,5% em 2019.
Mesmo que as previsões se confirmem, será o terceiro pior crescimento da América Latina, atrás apenas da Argentina e da Venezuela, que vivem crises econômicas profundas.
E a frágil retomada da economia brasileira não está isenta de riscos.
Ainda que a taxa de juros tenha atingido a mínima histórica (6,5%), em parte pela queda na inflação (4,19% no acumulado dos últimos 12 meses), o Brasil ainda gasta mais do que arrecada.
O país deve fechar novamente no vermelho pelo quarto ano consecutivo. O déficit deve ser de 2,3% do PIB. Segundo o FMI, o Brasil só voltará a ter superávit (economia para pagar os juros da dívida) em 2022.
Como resultado, a dívida pública brasileira cresce a um ritmo acelerado: foi de 62,2% do PIB em 2012 para 87,3% neste ano. E, se nada for feito, deve chegar a 96,3% em 2023, de acordo com estimativas do FMI.
O problema que atormenta grande parte dos brasileiros é o desemprego, que continua alto (12,4%), apesar de ter desacelerado nos últimos meses.
No ano passado, o Brasil teve a segunda maior taxa de desemprego da América Latina, após o Haiti, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), com base em informações da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O contingente fora da força de trabalho - ou seja, brasileiros que não estão trabalhando nem procurando trabalho - chegou a 65,5 milhões, o mais alto da série histórica do IBGE, iniciada em 2012.
Gargalos estruturais, como a deficiência na infraestrutura, também dificultam a retomada do crescimento.
"Temos que resolver emergencialmente nosso conflito distributivo. Ou seja, um Estado que estruturalmente gasta mais do que arrecada", diz Samuel Pessôa, professor da pós-graduação em economia (EPGE) da FGV-RJ.
"O presidente precisa usar o poder do voto para funcionar como um maestro e reger o Congresso, a quem cabe a responsabilidade de desenhar o ajuste fiscal. Se não resolvermos isso, não sairemos do lugar. Não teremos futuro", acrescenta.
Pobreza atinge um quarto da população brasileira
Além disso, o Brasil tem cerca de 50 milhões de pessoas - um quarto de sua população - vivendo na linha de pobreza, com renda inferior a R$ 387, segundo levantamento de dezembro de 2017 do IBGE, com base em dados de 2016.
A renda domiciliar mensal per capita de R$ 387 equivalia, à época, a US$ 5,5 por dia, critério adotado pelo Banco Mundial para definir pobreza.
"A situação é mais grave entre os 7,4 milhões de moradores de domicílios onde vivem mulheres pretas ou pardas sem cônjuge com filhos até 14 anos. Desses, 64% estavam abaixo dessa faixa de renda", dizia comunicado do IBGE.
Um levantamento da Consultoria Tendências com base nos dados do IBGE identificou um aumento também na pobreza extrema (ou seja, em famílias com até R$ 85 de renda mensal per capita) em praticamente todos os Estados do país, alcançando o maior patamar em pelo menos sete anos.
Entre 2014 e 2017, período da maior recessão da história do país, a pobreza extrema aumentou em média 1,7 ponto percentual no Brasil - esse aumento chegou a 5 pontos percentuais na Bahia, 5,6 no Acre e 4,8 em Sergipe, segundo o levantamento.
SAÚDE
O Brasil nunca teve tantos médicos quanto no ano passado. São 451.777 atuando pelo país, segundo a 4ª edição do levantamento Demografia Médica no Brasil 2018, feita pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) com apoio do Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp).
Mas a média por mil habitantes (2,18) está abaixo da dos países que formam a OCDE (3,4). O Brasil tem, proporcionalmente, menos médicos do que México, Coreia do Sul e Estados Unidos.
Além disso, eles estão mal distribuídos pelo país: se no Sudeste e no Sul, as taxas chegam a 2,81 e 2,31, no Nordeste, são apenas 1,41 por mil habitantes. No Norte, o cenário é ainda pior (1,16).
Além disso, longas filas e falta de leitos são problemas onipresentes na saúde brasileira.
Para se ter uma ideia, desde 2010, o Brasil perdeu 34 mil leitos de internação da rede pública, ou 12 fechados por dia. Somente nos últimos dois anos, mais de 8 mil unidades foram desativadas. O levantamento foi feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) a partir de dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do Ministério da Saúde.
Neste ano, apenas 3,6% do orçamento do governo federal foi destinado à saúde. A proporção está bem abaixo da média mundial, de 11,7%, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), e não deve mudar nos próximos anos, devido à aprovação da emenda do teto dos gastos.
Segundo um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), esse congelamento dos gastos vai representar perdas de R$ 743 bilhões para o SUS no período.
Queda na vacinação
O Brasil havia comemorado, em 2016, quando a Organização Mundial da Saúde considerou o sarampo uma doença erradicada no país, após um ano sem registros de casos. O vírus, porém, está de volta: até 22 de outubro, o Ministério da Saúde confirmou 2.425 casos da doença, com ao menos 12 mortes. Outros quase 8 mil casos suspeitos estão sob investigação, concentrados na Amazônia e em Roraima e atribuídos ao surto de sarampo que afeta a vizinha Venezuela.
Também preocupa o Ministério da Saúde uma possível volta de outras graves doenças já erradicadas no país, como a poliomielite e a rubéola. E essa preocupação se deve, sobretudo, a uma queda na vacinação da população brasileira nos últimos dois anos.
Dados preliminares do ministério apontam que, até agosto de 2018, as crianças com até dois anos de idade tiveram cobertura vacinal de 50% a 70%, a depender da vacina - o ideal, porém, é que a cobertura fique entre 90% e 95%, para garantir que os vírus não consigam circular.
"Precisamos reverter esse cenário e não entrar no terceiro ano de baixas coberturas vacinais", disse em comunicado Carla Domingues, coordenadora do Programa Nacional de Imunizações da pasta.
A campanha mais recente de vacinação, concluída em setembro, conseguiu imunizar 10,7 milhões de crianças contra polio e sarampo, mas diversas vacinas têm cobertura abaixo do desejado - menos de 60% das crianças de até dois anos tomaram a pentavalente, por exemplo, que protege contra coqueluche, difteria, tétano e hepatite B, e menos de 54% tomaram a tetra viral, contra sarampo, caxumba, rubéola e catapora.
Segundo diagnóstico do próprio ministério, os problemas a serem enfrentados são a ideia equivocada de que não é preciso vacinar contra doenças que têm baixa ou nenhuma circulação; a dificuldade de muitas famílias de comparecer aos postos de saúde no horário de funcionamento; e a desinformação causada por boatos que associam vacinas a efeitos colaterais.
"Muitas pessoas não têm noção do risco (...) e passam a se preocupar mais com possíveis efeitos adversos do que com a prevenção de doenças consideradas graves", afirma Domingues.
Risco de aumento da mortalidade materna e infantil
Um aumento ainda pequeno na mortalidade materna entre 2015 e 2016 tem preocupado os especialistas em saúde coletiva do país.
Entre 1990 e 2015, a razão mortalidade materna, indicador que mede os óbitos em relação a cada 100 mil nascidos vivos, caiu 57%, passando de 143 para 62 mortes. No ano seguinte, porém, subiu para 64,4 (embora o número absoluto de mortes tenha caído).
A morte materna é a que ocorre durante a gestação, o parto ou até 42 dias após o parto, se relacionada ou agravada pela gravidez. Cerca de 92% das mortes maternas são evitáveis e suas principais causas, no Brasil, são hipertensão na gestação, hemorragias, infecções pós-parto e complicações de abortos.
O Ministério da Saúde destaca, em nota, que o "repique não caracteriza um aumento significativo quando analisada a série histórica".
Mas médicos especializados no tema temem que seja um prenúncio de reversão da tendência de queda observada desde os anos 1990.
"É preocupante caso se confirme como aumento porque a mortalidade materna e a infantil não são indicadores apenas desses segmentos específicos, mas do estado de toda a sociedade e do acirramento de desigualdade social no Brasil", diz Greice Menezes, médica e pesquisadora do Programa Integrado em Gênero e Saúde do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia.
"É um reflexo de políticas recentes de ajuste fiscal e da pobreza, da exclusão social, do desfianciamento do SUS, da falta de insumos (médicos), das distâncias enormes que mulheres (no interior) têm de percorrer em caso de complicação obstetrícia e da desestruturação das redes de serviço de pré-natal."
Dados levantados pela Fundação Abrinq confirmam que programas federais de atenção a gestantes e a crianças pequenas foram encerrados ou tiveram seus orçamentos drasticamente reduzidos.
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) destaca preocupação semelhante com a mortalidade infantil, que, embora tenha caído em números absolutos - de 37,5 mil em 2015 para 36,3 mil em 2016 -, aumentou em proporção aos nascidos vivos em grande parte do país.
O Ministério da Saúde destaca, porém, que isso se deve à redução na natalidade da população brasileira.
SEGURANÇA PÚBLICA
Nunca se matou tanto no Brasil. No ano passado, foram 63.880 homicídios, segundo o Fórum de Segurança Pública.
Isso faz com que o país seja um dos mais violentos do mundo, com uma média de 30,8 homicídios a cada 100 mil habitantes, ou 175 mortos por dia.
Também foram assassinados 367 policiais, ou um por dia. Já os mortos em intervenções policiais subiram 20%, para 5.144 (ou 14 por dia).
A notificação da violência contra a mulher também vem aumentando significativamente no Brasil. No ano passado, foram contabilizados 60.018 estupros, alta de 8,4% em relação a 2016.
Já os casos de violência doméstica chegaram a 606 por dia (221.238 no total).
O Brasil tem, ainda, a terceira maior população carcerária do mundo, após Estados Unidos e China - e as penintenciárias estão cada vez mais superlotadas.
São 729.463 detentos, dos quais 37% estão presos em situação provisória, ou seja, ainda não foram julgados. Porém o sistema só possui oficialmente 367.217 vagas.
O setor é outro que sofre com poucos recursos - em relação ao total gasto pelo governo, as despesas com segurança pública respondem por 2,5% do PIB, contra 4,5% da média de países da OCDE.
"Temos um quadro muito desafiador. As pessoas estão com muito medo. (Mas) segurança pública não se faz com ódio, na base da truculência", opina à BBC News Brasil Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
"Em primeiro lugar, precisamos mudar essa retórica do medo. Em segundo, usar diagnóstico, planejamento e método. Em terceiro, implementar ações de prevenção social, de modo a evitar que os jovens entrem no crime", acrescenta.
Para Cerqueira, o próximo presidente tem que "se comprometer pessoalmente com a vida das pessoas, usando de seu cargo para articular políticas intersetoriais".
"Embora a segurança pública seja incumbência dos governadores, o presidente tem que chamar essa responsabilidade para si também. Ele tem que se basear em um tripé: indução, financiamento e capacitação", diz.
"O governo federal pode, por exemplo, oferecer mais recursos a Estados que comprovem uma gestão eficiente da segurança pública com estatísticas confiáveis. Hoje, boas experiências no combate ao crime não são compartilhadas nem replicadas", completa.
CORRUPÇÃO
À esteira das denúncias e prisões decorrentes da Operação Lava Jato, corrupção foi um dos temas centrais da campanha presidencial. Nos últimos quatro anos, o Brasil assistiu aos principais partidos e políticos serem implicados no esquema de desvios de recursos públicos da Petrobras.
De acordo com a pesquisa Retratos da Sociedade Brasileira — Problemas e Prioridades, divulgada em fevereiro pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a corrupção é a segunda maior preocupação dos brasileiros, citada por 55% dos entrevistados. Em primeiro lugar ficou o desemprego, com 56% citações.
E o Brasil caiu 17 posições no ranking de 2017 do Índice de Percepção da Corrupção, que mede o quanto a população encara o próprio país como corrupto.
Ou seja, aumentou a percepção, entre a população, de que existe muita corrupção no Brasil. Nosso país aparece na posição 96 de uma lista de 180 países, sendo visto como mais corrupto que países como Timor Leste, Senegal e Marrocos.
"O próximo presidente tem o desafio de lidar com a Lava Jato e essa nova agenda que é o combate à corrupção. Não tem como retroceder nessa agenda. Até porque as pessoas começaram a sentir a relação de que o dinheiro que é desviado com o que falta no sistema de saúde, educação", opina a professora de ciência política da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Luciana Veiga.
Segundo ela, o grande desafio é garantir "governabilidade" num sistema de fragmentação partidária no Congresso Nacional. Para formar maioria nas votações do Legislativo e aprovar projetos, o presidente República precisa fazer alianças com diversos partidos políticos- existem 25 siglas com representação na Câmara dos Deputados.
Tanto o mensalão quanto o escândalo de corrupção na Petrobras investigado pela Operação Lava Jato foram, segundo as denúncias do Ministério Público, esquemas criados para arregimentar o apoio de partidos políticos ao governo federal.
"A questão é saber como continuar a avançar a agenda de combate à corrupção e, ao mesmo tempo, garantir a governabilidade e fazer com que o Brasil retorne a uma agenda positiva, de desenvolvimento econômico, de olhar para saúde e educação."