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Brasil pode ver explosão do caos no trânsito

5 jun 2019 - 13h28
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No país em que em média 35 mil pessoas morrem por ano no trânsito, Bolsonaro definiu um projeto como essencial em sua gestão: flexibilizar os controles sobre motoristas. Para especialistas, ele vai na contramão.O governo Jair Bolsonaro entregou à Câmara, na terça-feira (05/06), um projeto de lei que considera essencial: com o argumento da "desburocratização", ele quer ampliar a validade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de cinco para dez anos e dobrar de 20 para 40 a pontuação de um motorista para que o direito de dirigir seja suspenso. Em paralelo, Bolsonaro busca reduzir o número de radares de velocidade nas rodovias federais. As medidas causam preocupação pois o Brasil tem hoje um alto número de mortes no trânsito, atualmente na casa das 35 mil por ano.

Foto: DW / Deutsche Welle

O projeto de lei está pronto desde abril. A ampliação da validade da CNH foi justificada pelo Planalto diante do aumento da expectativa de vida da população, o que tornaria "sem sentido" impor exames médicos a cada cinco anos. O texto também amplia o número de multas que um motorista pode ter antes de perder a CNH.

A intenção de Bolsonaro é justamente reduzir o número de condutores que têm o direito de dirigir suspenso. "Dois terços das penalidades no Código de Trânsito são graves ou gravíssimas, então acaba sendo muito fácil o cidadão atingir a pontuação", afirmou o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas.

Dois dias antes de apresentar o projeto à Câmara, Bolsonaro voltou a defender uma medida também ligada ao trânsito: a de engavetar a instalação de radares eletrônicos de velocidade nas estradas federais. A medida foi anunciada em abril, mas está suspensa por decisão da justiça federal.

"Não quero mais 'multagem' eletrônica no Brasil, nas rodovias federais", disse Bolsonaro, relatando diálogo com o ministro da Infraestrutura. "Tinha na mesa dele 8 mil processos para radar, com custo ao longo de quatro anos de R$ 1 bilhão, [mas, ao parar a instalação] não gastamos um bilhão e demos um golpe na indústria da multa no Brasil", afirmou. O governo deve recorrer da decisão que sustou a medida. A juíza responsável pelo caso, por sua vez, recebeu ameaças de morte.

Violência no trânsito é alarmante

As propostas do governo mexem com um grave problema brasileiro. Entre as causas externas de morte, o trânsito é a segunda maior. De acordo com as estatísticas oficiais do Ministério da Saúde, acidentes de trânsito provocaram, do início da década (2011) até 2017, o último ano com dados disponíveis, mais de 285 mil mortes no Brasil.

Entre 2011 e 2014, o país teve uma média de 43,5 mil mortes por ano. Desde então, seguiram-se três anos seguidos de queda, para 38,6 mil em 2015, 37,3 mil em 2016 e 35,3 mil em 2017. Além disso, há anualmente centenas de milhares de internações provocadas pela violência no trânsito. Também segundo o Ministério da Saúde, 2016 registrou 180 mil internações motivadas por acidentes automobilísticos.

José Aurélio Ramalho, presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), uma organização dedicada ao tema, diz que a queda verificada nos últimos anos é multifatorial. Segundo ele, campanhas de conscientização, multas mais altas para comportamentos de alto risco como falar ao celular no volante ou dirigir em alta velocidade, além da crise econômica, que reduziu o número de viagens urbanas e rodoviárias nos últimos anos, são parte da explicação.

Ramalho vê com ressalvas a argumentação de que existe uma "indústria da multa". Ele diz concordar com as reclamações, inclusive do presidente, de que há rodovias com radares que provocam reduções bruscas de velocidade. "Mas isso decorre justamente da incompetência do poder público que não consegue fazer uma adequação de infraestrutura para deixar o local mais seguro e coloca um radar naquele ponto perigoso", diz.

Para o presidente do ONSV, o governo deveria resolver esses problemas pontualmente e não simplesmente tentar acabar com os radares, que em geral têm como efeito aumentar a segurança das estradas. "A multa é um acidente que não aconteceu, pois em vez de estar sendo multado por excesso de velocidade, você poderia estar matando alguém", afirma Ramalho.

Ele destaca ainda que a argumentação do governo de que a não instalação de radares economizou R$ 1 bilhão não faz sentido. "A assessoria deveria informá-lo que o Estado gasta 52 bilhões por ano com acidentes", diz, citando estudo do ONSV em parceria com a Universidade Federal do Paraná.

Ramalho é particularmente crítico da proposta feita por Bolsonaro de ampliar o número de pontos que um motorista pode ter antes de perder a licença. "O aumento de pontos vai na contramão do que deveria ser feito, porque ao fazer isso o Estado encoraja uma minoria de cerca de 5% de condutores que são infratores contumazes, são mais agressivos e cometem mais de duas ou três infrações por ano", afirma.

Ele defende que a educação no trânsito seja ensinada nas escolas, como prevê o Código Brasileiro de Trânsito. "Nós não formamos condutores, mas adestramos as pessoas a decorar placa", diz. "É preciso formar os motoristas a identificar riscos, pois se você não perceber o risco, você não muda seu comportamento".

O projeto de Bolsonaro também modifica as regras para o transporte de crianças nos carros. Antonio Meira, diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), elogia o projeto por colocar este tema na lei, fortalecendo a regra, que hoje é apenas uma resolução. Por outro lado, o médico se diz "estarrecido" com o fato de o projeto prever a substituição da multa para transporte de crianças sem cadeirinhas por advertências. "É um absurdo você não penalizar quem não utiliza um equipamento que em 70% dos casos pode salvar as crianças", afirma.

Meira critica também a ampliação da validade da CNH de cinco para dez anos. "A argumentação do governo, de que a expectativa de vida aumentou, é muito frágil", afirma. "Por meio desse exame é possível verificar inaptidão temporária ou definitiva, física ou mental, de quem tem doenças que podem interferir na segurança do trânsito", diz.

Para o diretor da Abramet, a retirada da obrigatoriedade do exame toxicológico para motoristas profissionais, também prevista no projeto de Bolsonaro, é menos danosa. Segundo ele, o exame atual comprova se caminhoneiros, por exemplo, fizeram uso de drogas durante a vida e não enquanto estavam dirigindo. Segundo Meira, é imprescindível tirar das estradas motoristas que utilizam entorpecentes, mas o Brasil deveria caminhar para um modelo que fosse capaz de verificar o uso durante a condução do veículo, como no caso do álcool.

Tramitação

O projeto foi apresentado após a redução da tensão entre o governo e o Legislativo que marcou o mês de maio, mas não deve ter tramitação rápida na Câmara. Isso é visto com bons olhos por Ramalho, da ONSV. "O grande ponto positivo é que não é uma canetada, mas sim um projeto que será debatido no Congresso, e aí poderemos rever pontos que estão equivocadamente colocados", diz.

Meira concorda. "É bom que haja discussão e que os especialistas sejam ouvidos. Na medicina, e na medicina do tráfego, trabalhamos com evidências científicas e não com achismos", diz. "Se esse projeto for aprovado do jeito que está, podemos ter uma tragédia".

Além das questões de mérito do projeto, aspectos políticos podem influenciar a tramitação. A oposição acusa o presidente da República de estar buscando benefício pessoal com o texto, uma vez que Bolsonaro, a mulher, Michelle, e os três filhos políticos têm juntos 44 multas de trânsito nos últimos cinco anos, segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo. "Legislando em causa própria?", questionou o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) ao comentar as propostas no Twitter.

Possíveis aliados, como o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), presidente da Comissão Especial da Previdência, também reclamaram da apresentação do texto. "Enquanto estamos num seminário sobre reforma da previdência ele está vindo pra Câmara apresentar projeto de lei que trata de aumentar pontos na carteira de maus motoristas", afirmou Ramos. Para o deputado, Bolsonaro "não tem noção de prioridade."

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