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Brasil tem 'democracia imperfeita' 30 anos após ditadura

País tem processo eleitoral confiável, mas população tem poder limitado para monitorar e influenciar decisões do governo

14 mar 2015 - 17h20
(atualizado às 19h43)
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<p>"Nossa democracia ainda é muito pouco democrática", diz professor</p>
"Nossa democracia ainda é muito pouco democrática", diz professor
Foto: BBC Mundo / Copyright

O Brasil completa neste domingo 30 anos de democracia. Os avanços acumulados nesse período são evidentes: o processo eleitoral é confiável, a liberdade de expressão e manifestação aumentou, a economia hoje tem mais estabilidade do que no passado e a pobreza vem recuando.

No entanto, cientistas políticos apontam diferentes fatores que reduzem a qualidade do regime democrático brasileiro, como o poder limitado da população de monitorar e influenciar as decisões do governo, a corrupção elevada e a desigualdade social ainda alta, que limita os direitos de parte da população.

"A nossa democracia ainda é muito pouco democrática", afirma Marcos Nobre, professor de filosofia da Unicamp. "Uma coisa é você falar de instituições formais da democracia. Há um Judiciário relativamente independente, todos têm direito ao voto, etc. Mas democracia não é só isso. Não são só instituições democráticas em funcionamento formal", ressalta.

A consutoria britânica Economist Intelligence Unit (EIU) produz um índice que classifica os países de acordo com a qualidade da sua democracia. O ranking coloca o Brasil como o 44º país mais democrático entre 167 nações analisadas. Noruega, a mais democrática, e Coreia do Norte, a menos, ocupam as pontas do ranking.

Com essa posição, o Brasil está no grupo das "democracias imperfeitas". Segundo a EIU, nos países que recebem essa classificação há eleições livres e justas e as liberdades civis básicas são respeitadas (como liberdade de expressão e religiosa). Por outro lado, costuma haver problemas de governança (como corrupção e pouca transparência em órgãos públicos) e baixos níveis de participação política.

Democracias 'completas'

Há 24 democracias com notas superior a 8 e por isso consideradas "completas" pela consultoria. Vale notar que os países que ocupam as melhores posições geralmente têm uma história mais longa de democracia continuada do que o Brasil, como Dinamarca, Austrália, Reino Unido e Estados Unidos.

Mas há também casos como o do Uruguai (17º lugar), cuja ditadura também acabou em 1985, e da África do Sul (30º), onde o regime de segregação racial (apartheid) terminou em 1994.

Ao subir uma posição em 2014, o Brasil foi o único país da América Latina a melhorar sua classificação no ranking. A nota brasileira - que desde 2010 estava estagnada em 7,12 - subiu no ano passado para 7,38 (a avaliação vai de zero a dez).

No caso do Brasil, o país tem melhor performance nos critérios eleitorais (9,58) e de liberdades civis (9,12), e vai pior em participação política (4,44). Já o funcionamento do governo recebeu 7,5.

O que puxou a melhora em 2014 foi o aumento da nota em cultura política (de 5,63 para 6,25), quesito que mede, por exemplo, qual apoio da população ao sistema democrático ou militar, a tolerância com a impunidade e a separação entre Estado e religião.

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Para o cientista político Sérgio Praça, professor da Universidade Federal do ABC, o fato de hoje a ideia de golpe militar ter apoio "irrisório" da população é um sinal de que a democracia avançou mais do que o esperado em três décadas.

"Ninguém sério fala mais nisso. Antes, qualquer coisa era motivo de golpe no Brasil. Hoje, discute-se impeachment em vez de golpe. Há uma crise política no país, é verdade, mas a democracia não está em risco", disse, ressaltando que não considera correto o impedimento da presidente Dilma Rousseff sem que haja provas de que ela cometeu algum crime.

Por outro lado, o professor aponta a enorme dimensão da corrupção no país, que atinge diversos partidos, como um grave problema do nosso sistema político. Na sua opinião, "a operação Lava Jato (que investiga desvios na Petrobras) será um enorme teste para nossa democracia".

Qualidade

Professor da USP e coordenador do portal Qualidade da Democracia, José Álvaro Moisés detalha os critérios utilizados para medir quão bom é um regime democrático.

Segundo ele, é importante analisar se as normas são produzidas por representantes eleitos e valem para todos, garantindo direitos iguais.

Outro fator é o alcance dos direitos políticos (poder votar e ser voltado), sociais (salário mínimo, por exemplo) e civis (liberdade de expressão, de ir e vir). Além disso, avalia-se a qualidade da resposta do governo às demandas da população e como se dá a responsabilização dos governos por seus atos.

"São três dimensões fundamentais, que incluem a escolha de governantes, o funcionamento dos poderes e, principalmente, a capacidade de fiscalização e controle da sociedade sobre quem exerce o poder", explica.

Moisés nota que hoje há grande confiabilidade no sistema eleitoral brasileiro, mas que isso não basta para uma democracia de qualidade. Ele cita a população de comunidades pobres, nas periferias, que está mais vulnerável à violência e a ter seus direitos desrespeitados.

"Essas pessoas não estão totalmente excluídas da democracia, pois podem votar e podem recorrer ao Ministério Público. Mas, por causa da desigualdade educacional, muitos não têm nem pleno conhecimento de quais são seus direitos".

O professor acredita que "há uma série de outras deficiências que tornam a qualidade da nossa democracia baixa". Ele nota, por exemplo, que a população tem pouco poder de monitorar e influenciar as decisões do governo.

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"Não há dúvida de que houve uma evolução nesses 30 anos. Não há repressão como na ditadura, não há proibição de sindicatos. A questão é como incorporar as pessoas nos seus direitos", destaca.

'O debate é um lixo'

O filósofo Marcos Nobre classifica o processo de transição após a ditadura como "lento e conservador", o que resultou numa "democracia muito pouco democrática".

Segundo ele, isso aconteceu porque, após os traumas com o fracasso do regime democrático iniciado com a Constituição de 1946 (pós ditadura Getúlio Vargas) e do golpe de 1964, as lideranças políticas tentaram de toda forma evitar conflitos.

A redemocratização, observa ele, foi liderada pelo PMDB, que passou a abarcar uma gama muito variada de visões políticas, desde opositores ao regime militar até apoiadores, como José Sarney.

"O diagnóstico era: todo mundo tem que ficar no mesmo barco, por isso que o PMDB era um pouco o emblema disso - aquele partido que carrega todo mundo, não importa se você é comunista, se você é democrata cristão, se você é um conservador de direita quase autoritário".

"Então, você cria a idéia de que todo mundo tem que fazer todas as concessões possíveis para evitar o confronto, porque o confronto leva à dissensão", destaca.

Isso é um problema, na avaliação de Nobre, porque o confronto aberto está na raiz da democracia. E o que ocorre no Brasil, diz, é que as decisões acabam sendo tomadas em "acordos de gabinete", sem envolvimento da população.

O filósofo defende, por exemplo, que questões como o casamento gay deveriam ser alvo de consultas por meio de plebiscito ou referendo, e não legalizadas por uma decisão do Supremo Tribunal Federal.

"Não é uma lei que vai convencer as pessoas que elas devem reconhecer e aceitar um projeto de vida homossexual como algo valioso. Isso depende de uma parte da sociedade tentar convencer o conjunto da sociedade de que isso (direitos iguais) é uma maneira de conviver que é superior a todas as outras. E isso faz a democracia uma forma superior a todas as outras", argumenta.

"Mas hoje o debate público no Brasil é um lixo. É meramente formal, retórico, vazio", critica.

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