Brasil tem vírus em descontrole e vacinação lenta um ano depois de 1º caso de Covid-19
Um ano depois do primeiro caso de Covid-19 registrado no país, o Brasil tem 250 mil mortes e uma doença fora de controle, e vários Estados vivem uma segunda onda pior do que a primeira mediante o avanço do vírus por cidades do interior e com a disseminação de uma nova variante mais transmissível.
Os mapas de contágio mostram um país que desde o início de dezembro entrou em uma espiral crescente de contágios e mortes sem ter, até agora, tomado medidas efetivas para conter o avanço do vírus e com um cronograma de vacinação muito abaixo do necessário.
Como resultado, as duas últimas semanas registraram a maior média diária de mortes por Covid-19 desde o início da pandemia, com mais de 1,08 mil, superando o pico anterior no final de julho.
"Esse patamar brasileiro significa que o vírus está circulando sem controle algum", disse à Reuters o pesquisador em saúde pública Christovam Barcellos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
"No Brasil, infelizmente, estamos vivendo o segundo patamar, não é segunda onda, porque estamos há cinco semanas com mais de 1 mil mortes por dia. É um sinal de descontrole", acrescentou.
O avanço do vírus atualmente tem ocorrido principalmente em cidades menores e em regiões, como o interior de São Paulo, que no ano passado pareciam ter encontrado uma fórmula para conter a epidemia sem apelar para quarentenas rígidas.
Em um país que praticamente não cumpriu um isolamento de grandes proporções, a falta de medidas para conter a circulação de pessoas resultou na disseminação da doença no período de final de ano. Para complicar ainda mais, o vírus sofreu uma mutação identificada em Manaus que o tornou mais transmissível.
"No Brasil não tem restrição de viagens como em outros países. Via aérea, via barco, via estrada, está tudo liberado. Uma das manifestações disso é o espalhamento da variante que surgiu na Amazônia, isso mostra que existe uma livre circulação do vírus no Brasil todo", afirmou Barcellos.
De acordo com o Ministério da Saúde, a variante de Manaus já foi identificada em ao menos 17 Estados do país, incluindo o Rio Grande do Sul, cujo sistema de saúde está próximo do colapso apesar de ser considerado um dos mais abrangentes e eficazes do país.
Elogiado no começo da pandemia pelo sistema de bandeiras criado para acompanhar o avanço da doença e que embasava as decisões de restrições de comércio, o Estado tem, nesse momento, 90,6% de lotação nos leitos de UTI adultos. Nas UTIs de hospitais privados, a ocupação está acima de 100%.
"O risco de falta de atendimento é real. A velocidade com que conseguimos fazer essa ampliação de leitos não acompanha a velocidade do vírus", disse o governador Eduardo Leite (PSDB) em uma declaração ao vivo nas redes sociais.
O mapa de casos no RS mostra que a pandemia tem avançado rapidamente para o interior, acompanhando os gaúchos que viajaram durante as férias e agora retornam para suas casas.
PEGOS DE SURPRESA
O Brasil será o segundo país do mundo com a marca de 250 mil mortos pela Covid-19, a ser alcançada nesta noite com a atualização dos dados do Ministério da Saúde. Só os Estados Unidos tiveram mais perdas pela doença, com mais de 500 mil vítimas fatais.
Com mais de 10,3 milhões de casos oficializados desde a primeira infecção confirmada em 26 de fevereiro do ano passado --um homem que chegou da Itália--, o país é ainda o terceiro do mundo com o maior número de infecções, depois dos EUA e da Índia. O país atingiu o primeiro milhão em 19 de junho, após quase quatro meses desde o início da pandemia, mas desde então tem somado mais um milhão praticamente a cada quatro semanas.
O virologista Fernando Spilki, da Universidade Feevale, que coordena uma rede de pesquisadores sobre Covid-19, explica que regras de distanciamento muito relaxadas, novas variantes chegando, além da circulação maior de pessoas no verão foram a receita para o desastre visto atualmente.
"A demanda pelo diagnóstico baixou enormemente, também por influência do veraneio e se perdeu muito do controle de dados. Agora, ao se retomar de forma mais intensa, a doença já estava disparando", disse. "Descobriu-se o tamanho do avanço com as pessoas chegando aos hospitais."
Do outro lado do país, o Amazonas, que chegou às manchetes internacionais em maio de 2020 como símbolo do descontrole da epidemia, também voltou aos piores momentos este ano. A média móvel de óbitos atual, de 85 por dia nos últimos 14 dias, é maior que a registrada em maio, quando os cemitérios lotados apavoravam o país. No início do mês, quando pessoas estavam morrendo em UTIs por falta de oxigênio nos hospitais do Estado, chegou a 140 pessoas por dia.
Além de Rio Grande do Sul e Amazonas, Roraima, Rondônia, Minas Gerais, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina estão entre os Estados em que as médias de morte já ultrapassaram ou estão perto de passar o pico de 2020.
Em São Paulo, os casos também crescem em regiões do interior que, no ano passado, não sofreram tanto.
Nesta semana, Araraquara, na região central, decretou lockdown total, inclusive para carros. Dos 185 óbitos por Covid-19 registrados na cidade de 240 mil habitantes desde o início da pandemia, 93 foram confirmados apenas nos primeiros 56 dias de 2021 -- mais do que as 92 registradas em todo ano de 2020.
Com outras cidades do interior também vivendo situação parecida de descontrole da doença, o governador João Doria (PSDB) anunciou um "toque de restrição" em todos os municípios entre 23h e 5h para lidar com o recorde de internações por Covid-19 no Estado e uma alta taxa de ocupação de leitos de terapia intensiva.
O governo da Bahia também reforçou as medidas de restrição de circulação e decretou o fechamento de todas as atividades não essenciais no Estado entre os dias 26 de fevereiro e 1º de março.
Principal arma contra o vírus, a vacinação em massa da população, enquanto isso, segue distante. Até o momento, o Ministério da Saúde recebeu somente cerca de 16 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 para distribuir ao Estados, sendo cerca de 12 milhões da CoronaVac, enviadas pelo Instituto Butantan, e 4 milhões da AstraZeneca importadas prontas da Índia.
Só para vacinar os primeiros grupos prioritários --trabalhadores de saúde, idosos, indígenas e pessoas com morbidades-- são necessárias 104,2 milhões de doses de vacina, para um total de 49,6 milhões de pessoas (duas doses por pessoa, mais 5% de perda operacional), de acordo com o plano de vacinação do governo federal.