Brasil teria seis vezes mais infectados que o notificado
Pesquisa sugere haver um alto índice de subnotificação de casos de covid-19 no país, que já é o 2º no mundo em número de óbitos e infecções
Um estudo da Universidade Federal de Pelotas encomendado pelo Ministério da Saúde indica que os números do coronavírus podem ser até seis vezes maiores do que os dados oficiais.
O estudo, divulgado nesta quinta-feira (02/07), sugere haver um alto índice de subnotificação de casos da doença no Brasil, cujos dados oficiais colocam o país como o segundo no mundo em óbitos (61.884) e infectados (1.496.858).
De acordo com o Ministério da Saúde, este foi o maior estudo feito até agora no país sobre a pandemia. A pesquisa entrevistou quase 90 mil pessoas em 133 cidades em todos os estados e no Distrito Federal - as chamadas "sentinelas", que são os maiores municípios das divisões demográficas do país, segundo critérios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De forma aleatória, os entrevistados fizeram um teste rápido para identificar a presença de anticorpos no organismo: 2.064 testaram positivo. Deles, 91% apresentaram sintomas e somente 9% não tiveram sintoma algum. Esses números diferem de outras pesquisas, que mostram uma percentagem de infectados assintomáticos mais alta.
Das pessoas testadas como positivo, mais de 62,9% tiveram alteração de olfato e paladar, 62,2% tiveram dor de cabeça, 56,2% relataram febre, 53,1% tiveram tosse e 52,3% informaram dores no corpo.
"De modo geral, a diferença entre o número de pessoas infectadas é seis vezes maior do que o número de casos notificados. Trata-se de algo esperado, quando a maior parcela dos casos é leve ou assintomática, o que deve ser ainda confrontado com outros estudos disponíveis visto que outras estimativas apontaram um número maior para essa chamada subnotificação", ressaltou o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco.
De acordo com o estudo, 3,8% das pessoas examinadas entre 21 e 24 de junho tinham anticorpos para a covid-19, ou seja, estavam infectadas ou já tinham estado em contato com o vírus que transmite a doença.
Projetando essa percentagem, os cientistas calculam que se 3,8% dos 211 milhões de brasileiros têm anticorpos para o vírus, pelo menos oito milhões já teriam sido infectados em algum momento nos últimos quatro meses.
Ritmo menor de infecção
O estudo foi realizado em três etapas (segunda quinzena de maio, primeira quinzena de junho e segunda quinzena de junho) e mostrou que o número de pessoas infectadas aumentou 23% entre a segunda e a terceira etapas, bem abaixo do aumento de 53% registado entre a primeira e a segunda.
"É um excelente resultado, porque medimos um aumento de 53% entre a primeira e a segunda fase, que é um salto gigantesco, e esse crescimento já diminuiu. Idealmente, deveria ser menor, mas já se trata de uma vitória", afirmou o reitor da Universidade Federal de Pelotas, Pedro Hallal, durante entrevista coletiva.
Enquanto na primeira etapa a percentagem de pessoas com anticorpos foi de 1,9% dos analisados (cuja projeção indicaria que o Brasil tem quatro milhões de casos), esse valor duplicou para 3,8% na terceira fase (oito milhões, pela projeção).
Na primeira etapa do estudo, o número de pessoas com anticorpos detectados era sete vezes superior ao número de casos confirmados oficialmente na ocasião. Na segunda, essa proporção diminuiu para seis e, na última etapa, caiu para cinco.
Além do alto grau de subnotificação da doença no país, o estudo também mostrou que o contágio está crescendo mais entre os pobres, negros e indígenas, que apresentam taxas de contágio três vezes superiores às de brancos e ricos.
"A tendência é que o número de pessoas com anticorpos aumente conforme diminui o nível socioeconômico. Entre os 20% mais ricos, a percentagem de infectados era de 1,8% e entre os 20% mais pobres, era de 4,1%", indicou o estudo.
Outro ponto de destaque é que as maiores proporções de pessoas infectadas são encontradas em negros e pardos, (5,6%) e indígenas (5,4%), enquanto a taxa entre brancos é de 1,1%.
"Também foi possível observar que o recente relaxamento das medidas de distanciamento social em vários municípios fez com que a curva de contágio não entrasse em fase descendente, ao contrário do que ocorreu nas cidades que apenas levantaram a quarentena após uma queda consistente no número de novas infeções", disse Hallal.
O reitor afirmou ainda que chamou a atenção de sua equipe o fato de que as "cidades que seguiram as recomendações e só relaxaram o isolamento quando a curva já estava descendo, como Manaus, é possível ver que a curva não voltou a subir. As cidades que decidiram relaxar com a curva em ascensão cometeram um erro. E várias cidades estão cometendo esse erro", acrescentou.
A investigação foi patrocinada pelo Ministério da Saúde, que pagou a contratação dos profissionais que trabalharam no estudo e forneceu os testes sorológicos rápidos usados.