Brasileiro no corredor da morte ainda crê em clemência
Família de Gularte tentava convencer autoridades a transferi-lo para um hospital psiquiátrico após ele ter sido diagnosticado com esquizofre
Tudo indica que Rodrigo Muxfeldt Gularte será executado nas próximas horas na Indonésia, mas ele ainda acredita em clemência. Teria reagido com "delírio" à notificação de sua execução, e rejeitou seus últimos desejos, dizendo não ser preciso: "Isso é alguma coisa como Aladim?"
O paranaense, de 42 anos, foi condenado à morte em 2005, um ano após ser preso no aeroporto de Jacarta com 6 kg de cocaína escondidos em pranchas de surfe. Está na prisão de Nusakambagan, onde será executado por fuzilamento.
Foi diagnosticado com esquizofrenia paranoide no ano passado, e a defesa tentava convencer autoridades a reverter a condenação. Para a família, Gularte foi aliciado por traficantes devido seu estado mental.
Diz a prima Angelita Muxfeldt que ele criou um "mundo próprio", no qual desconhece a realidade. Ela está há quase três meses na Indonésia tentando reverter a condenação do brasileiro e será a última familiar a vê-lo antes da execução.
Gularte ainda crê em clemência. Citou uma conferência internacional, na qual a pena de morte teria sido abolida, disse Ricky Gunawan, advogado que assumiu o caso em março e visitou-o no domingo. Teria se negado, também, a fazer seus últimos desejos.
Gularte será o segundo brasileiro a ser executado na Indonésia. Em janeiro, o carioca Marco Archer Cardoso Moreira foi fuzilado após ser condenado à morte por tráfico de drogas.
Infância feliz
A mãe de Rodrigo, Clarisse, de 70 anos, esteve com o filho pela última vez em fevereiro. Disse que seu "coração sangrava". "Ele está completamente depressivo, só fala coisas desconexas".
Natural de Foz do Iguaçu de uma família de classe média alta, Gularte teve o surfe como esporte preferido. Parentes e conhecidos falam de um rapaz alto, gentil e educado, mas envolvido com drogas desde a adolescência.
A infância foi "feliz e normal", disse a mãe. A BBC Brasil conversou com ela por telefone em fevereiro, enquanto visitava o filho pela última vez. Ela está no Brasil e não viajará à Indonésia.
"Ele tinha um comportamento razoável. Mas, com o passar do tempo, foi mudando as atitudes. E a gente quase não percebeu", disse Clarisse, com voz grave e respostas curtas e diretas. Estas mudanças teriam começado aos 13 anos, mas pioraram quando os pais se divorciaram, diz a prima Angelita, que encontrou-se com a BBC Brasil em março.
O primeiro tratamento contra a dependência de drogas foi aos 16 anos, quando parentes dizem ter percebido indícios de bipolaridade. Outros viriam, sem sucesso. A depressão, aliada ao uso de drogas, só fez Gularte piorar, conta Angelita.
Clarisse tentou ajudar o filho com trabalho. Gularte ganhou, por exemplo, um restaurante para administrar, pago pela mãe. Teve ainda um filho, autista, hoje com 21 anos, com quem pouco se relacionou. Mas o contato com as drogas, de todos os tipos, continuou intenso.
A mãe e a prima visitaram o paranaense com frequência nos últimos dez anos. Com o pai, o médico Rubens, a relação foi só por cartas ou telefone, segundo a família.
Enredo de filme
A Indonésia é parte das rotas do tráfico de drogas no Sudeste Asiático e é conhecida por ter uma das mais duras leis contra narcóticos do mundo. A pena de morte para tráfico tem apoio popular no país.
Mesmo assim, traficantes se aventuram, atraídos pelo lucro vindo do tráfico. Mais de 130 presos estão no corredor da morte, 57 por tráfico, segundo a agência Associated Press.
O governo alega que entre 40 e 50 pessoas morrem todos os dias no país devido às drogas, um número difícil de ser confirmado. O presidente, Joko Widodo, disse que rejeitaria clemência a condenados por tráfico devido à situação de "emergência" causada pelas drogas no país.
A viagem de Gularte para a Indonésia, em julho de 2004, foi "uma tragédia", diz a mãe. A prima fala em "erro imenso". Para a família, ele foi aliciado por traficantes internacionais, que se aproveitaram dos seus problemas mentais. O que aconteceu depois poderia virar filme.
Ao ser pego, estava com outras duas pessoas, que escaparam e voltaram ao Brasil. Gularte assumiu responsabilidade por toda a droga que era levada, segundo Angelita.
A mãe e a prima chegariam à Indonésia uma semana após a prisão. Um advogado se ofereceu para defender Gularte ainda no aeroporto. "Nós ligamos para esse advogado, ele veio até o nosso hotel e perguntou: 'Vocês querem ver o Rodrigo?'", diz Angelita.
Era por volta das 21h, diz. "'Mas é possível?' eu perguntei. Ele deu um telefonema e disse: 'Vamos'. Chegamos na prisão, ele mandou o Rodrigo vir, o vimos e conversamos com ele. O advogado nos mostrou que era influente".
A família ficou impressionada. Pagou pelo advogado, mas ele fugiu com o dinheiro. Perdeu prazos e recursos e, no julgamento, não apareceu. Na verdade, nem o advogado, nem representantes da embaixada brasileira, nem a família apareceram no julgamento. Segundo Angelita, eles não teriam sido avisados.
Sem defesa, diz a prima, Gularte foi condenado à morte em 2005. Depois disso, ainda tentaria suicídio na prisão.
Exames
Há três anos Gularte piorou, diz Angelita. No ano passado, parentes contrataram uma equipe médica para que examinasse seu estado mental.
O diagnóstico foi esquizofrenia paranoide, com delírios e alucinações. E a recomendação de que ele fosse transferido para um hospital psiquiátrico. Família e testemunhas dizem que Gularte perdeu a noção de realidade e ainda crê em clemência
O laudo, no entanto, não foi aceito pelas autoridades indonésias, já que os especialistas haviam sido contratados pela defesa. Um novo exame, feito por um grupo diferente de especialistas aceito pelo governo, em fevereiro, confirmou o diagnóstico inicial.
Autoridades, então, ordenaram outra avaliação, feita em março, cujo resultado jamais foi divulgado, apesar de pedidos repetidos da família e do governo brasileiro. Familiares dizem que há anos tentavam convencer Gularte a receber tratamento fora da prisão. Mas ele se recusava a deixar a ilha, dizendo não estar doente.
'Vozes de satélite'
O padre irlandês Carolus Burrows conheceu o brasileiro anos atrás, nas missas que celebrava na prisão. Ele foi escolhido para dar-lhe a extrema-unção e acompanhá-lo antes da execução.
Diz o padre que, nos últimos anos, Gularte passou a falar com "vozes de satélite e as paredes". E que, desde o ano passado, não conseguia sequer assistir às missas, antes frequentadas com certa regularidade.
O complexo de prisões da "Ilha da Morte" está sob forte vigilância por conta da atenção desperta pelas execuções iminentes Estas vozes, disseram o padre e a prima, alertam Gularte de que a prisão é um local seguro e que, fora dali, ele pode ser morto.
"Ele diz que no hospital não é seguro. Que ele vai ser encapuzado, algemado. Que tem franco-atiradores na ilha e que ele vai ser morto a caminho do hospital", disse Angelita.
Ela citou ainda contos sobre "vidas passadas no Egito e histórias surreais" e que outros presos teriam medo de dividir a cela com ele. Diz Angelita que Gularte, nos últimos meses, se recusava a tirar um boné, virado para trás, alegando ser sua proteção. Recentemente, teria perdido 15 kg, disse a mãe.
A execução será em Nusakambangan, um complexo com sete prisões, onde estão centenas de condenados por tráfico, assassinato e outros crimes. Tem o apelido de "Alcatraz da Indonésia".
Foi em Nusakambangan que Marco Archer foi executado.
Marco havia sido preso pouco antes de Gularte, também em Jacarta, ao tentar entrar com 13,4 kg de cocaína escondidos em tubos de asa delta. Ele se tornou o primeiro brasileiro a ser executado no exterior em tempos de paz.
Na prisão, Marco e Gularte se encontraram. Quem os conheceu disse que o primeiro era extrovertido e o segundo mais quieto, e que a amizade que tinham era limitada. Dos nove presos a serem executados na Indonésia há dois cidadãos da Austrália, três da Nigéria, um da Nigéria e uma das Filipinas, a única mulher do grupo, e um indonésio, além de Gularte.
As execuções deverão ser realizadas na madrugada desta quarta-feira (horário local).