Brasileiro precisa gastar mais 66,7% para alimentar família
Pesquisa do IBGE mostra que, mesmo antes da crise causada pela pandemia, os brasileiros tinham orçamento insuficiente para alimentação
Mesmo antes da pandemia, da disparada da inflação de alimentos e da deterioração do mercado de trabalho, os brasileiros já consideravam que não tinham orçamento suficiente para alimentação. Os chefes de família calcularam que precisariam gastar 66,7% a mais com comidas e bebidas para alimentar adequadamente todos os moradores de casa.
A despesa média foi de R$ 209,12 por pessoa da família a cada mês, mas seriam necessários R$ 348,60 para atender às necessidades alimentares, apontam os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: Perfil das despesas no Brasil (Alimentação, Transporte, Lazer e Inclusão Financeira), divulgada nesta quinta-feira, 19, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
"Hoje uma família vai ao supermercado e compra o que dá, o que a renda dela permite, mas não era isso o que ela gostaria", diz Isabel Martins, técnica do IBGE. "O que eu tenho (em dinheiro disponível) eu compro e eu como, mas não é o que eu gostaria de ter. O que eu gostaria de ter é um pouco mais."
Os dados da pesquisa, referentes a 2017 e 2018, consideram o valor de tudo o que foi consumido como alimentação pelas famílias, incluindo o que não foi adquirido com recursos financeiros, como alimentos recebidos por doações e obtidos através de produção própria.
A situação é mais grave entre as pessoas que vivem em situação de insegurança alimentar, aquelas que convivem com a incerteza quanto ao acesso de comida no futuro ou que já apresentam redução de quantidade ou qualidade dos alimentos consumidos. Nesse grupo, a despesa mensal com alimentos por pessoa é de R$ 153,49, o equivalente a cerca de R$ 5,10 por dia. No entanto, essas famílias consideram que o ideal para garantir uma alimentação adequada seria R$ 271,94 por pessoa a cada mês, ou seja 77,2% mais.
Nos lares afetados por insegurança alimentar considerada grave, ou seja, em situação de fome, o gasto médio per capita é de apenas R$ 134,00 por mês, pouco mais da metade da despesa média por pessoa de R$ 247,76 registrada pelas famílias que não têm problema de acesso a alimentos e vivem em situação de segurança alimentar.
Entretanto, mesmo esses brasileiros que têm o conforto de não correr o risco de entrar no mapa da fome avaliam que precisariam de mais dinheiro para uma alimentação mais satisfatória para a família. Eles calculam que o ideal seria poder despender 62,2% mais com alimentação, o equivalente a R$ 401,83 por mês por pessoa.
De acordo com o IBGE, quatro em cada dez brasileiros, 41% da população, conviviam com algum grau de restrição para acesso a uma alimentação em quantidade e variedade desejadas no período da pesquisa. Nesse grupo em situação de insegurança alimentar, 70% dos chefes de família eram negros. Entre as famílias que passavam fome, aproximadamente 75% tinham como referência do lar pessoas pretas ou pardas.
Dificuldade para pagar despesas mensais
Em todo o País, 72,4% dos brasileiros viviam em famílias com alguma dificuldade para pagar suas despesas mensais, aponta a pesquisa do IBGE.
Considerando toda a população, 14,1% enfrentavam muita dificuldade para passar o mês com a renda disponível, sendo que mais de dois terços das famílias nessa condição eram chefiadas por negros.
No universo dos que tinham dificuldade de pagar as contas, o equivalente a 58,3% da população brasileira, a proporção de famílias chefiadas por negros nessa condição era aproximadamente 50% maior que a de brancos.
Os negros também eram maioria entre os desbancarizados. No período de referência da pesquisa, 16,7% dos brasileiros não tinham acesso a serviços financeiros, sendo mais de dois terços deles integrantes de famílias com pessoas de referência pretas ou pardas.
No Brasil, 83,3% da população pertenciam a famílias em que algum integrante tinha acesso aos principais serviços financeiros. O serviço bancário mais acessado foi a conta corrente, que alcançava mesmo que indiretamente 66,2% da população, através de algum integrante da família. O segundo serviço mais popular foi a caderneta de poupança, acessada por 55,9% das pessoas, seguida por cartão de crédito (49,9%) e cheque especial (19,5%).
A despesa mensal por pessoa no País com os serviços financeiros selecionados na pesquisa foi de R$ 124,79. Os pagamentos de empréstimos, parcelamento de imóvel, automóvel e moto mobilizavam até 76,5% (R$ 95,51) dessas despesas.
Pouco menos da metade da população (46,2%), 95,6 milhões de pessoas, pertenciam a famílias que atrasaram o pagamento de ao menos uma conta mensal fixa por dificuldade financeira. A inadimplência mais mencionada foi nas contas de água, eletricidade ou gás: 37,5% das pessoas viviam em domicílios com pagamento em atraso em ao menos uma dessas contas. Outros 26,6% atrasaram prestações de bens e serviços, enquanto 7,8% relataram inadimplência em aluguel ou prestação do imóvel.
Desigualdade no transporte coletivo
A pesquisa do IBGE mostra ainda que as famílias chefiadas por negros são responsáveis por quase 60% dos gastos dos brasileiros com transporte coletivo. Por outro lado, os lares chefiados por brancos concentram quase 60% da despesa com transporte particular, táxi e aplicativos.
No Brasil, o gasto per capita das famílias brasileiras com transportes foi de R$ 85,44, sendo 71,2% a participação do transporte particular, táxi e aplicativos; 20,6% dos transportes coletivo; e 8,3% dos alternativos e outros.
Nas famílias com pessoa de referência preta ou parda, a contribuição para despesa per capita do País com o transporte coletivo foi de R$ 10,30, ante uma participação de R$ 7,01 das famílias chefiadas por pessoa branca. No transporte particular, táxi e aplicativos, as famílias chefiadas por brancos contribuíram mensalmente com R$ 35,22 por pessoa para esse tipo de despesa, enquanto os negros contribuíram com R$ 24,39.
A Região Sudeste concentra praticamente metade (49%) do gasto per capita familiar com transportes. Por faixa de renda, os 40% mais pobres foram responsáveis por 17,1% dos gastos com transportes no País, enquanto que os 10% dos mais ricos concentraram 27% dos desembolsos.
A despesa média per capita da população com lazer e viagens a lazer foi de R$ 53,93. As famílias com pessoa de referência branca contribuíram com R$ 34,41 para esse valor, quase o dobro da contribuição das famílias com pessoa de referência preta ou parda, que foi de R$ 18,35.
Entre os 10% brasileiros mais ricos, 54% viviam em famílias que avaliaram seu padrão de lazer como bom, contra 14% que consideraram ruim. No extremo oposto, entre os 40% mais pobres, 29% viviam em famílias que consideraram bom seu padrão de lazer, enquanto 42% avaliaram como ruim.