Brasileiros na Alemanha estão mais interessados em votar
No caso de Berlim, o aumento foi de 34% em relação a 2014, diz embaixador
Em entrevista, embaixador aponta aumento significativo do número de brasileiros que transferiram título de eleitor para a Alemanha e fala sobre efeitos da instabilidade política para reputação do Brasil no exterior.
Diplomata há 42 anos, Mario Vilalva assumiu o posto de embaixador do Brasil na Alemanha num momento crítico, em meio ao processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016. Uma de suas primeiras tarefas foi convencer o Parlamento alemão a não votar uma moção contra o Brasil depois do impeachment.
Em entrevista à DW Brasil, ele fala sobre como a instabilidade política afeta a imagem do País na Alemanha e as relações entre os dois países.
Ele também aponta um aumento da procura pelo serviço de transferência do título de eleitor para a Alemanha diante da próxima eleição presidencial brasileira, em outubro. "No caso de Berlim, o aumento foi de 34% em relação a 2014. Mostra que os brasileiros manifestaram o desejo indireto de participar do processo", diz.
DW Brasil: O prazo para brasileiros que moram no exterior transferirem seus títulos de eleitores acabou na semana passada. Como foi a procura pelo serviço na Alemanha?
Mario Vilalva: Temos muitos eleitores registrados. Só na jurisdição de Berlim, esperamos contar com cerca de 6.500 eleitores. Dividimos com Frankfurt e Munique a jurisdição para cobrir todos os brasileiros que moram na Alemanha, que são cerca de 100 mil. Em Munique, são cerca de 9.400 eleitores registrados e em Frankfurt, 8.100.
A procura pela transferência do título aumentou consideravelmente. No caso de Berlim, o aumento foi de 34% em relação a 2014. Isso é bom. Acho que mostra que os brasileiros [na Alemanha] estão mais interessados no destino do País e manifestaram o desejo indireto de participar do processo. Porque o registro não significa que todos irão comparecer para votar.
DW Brasil: Brasileiros têm protestado na Alemanha em resposta a acontecimentos no Brasil, como escândalos de corrupção, o assassinato da vereadora Marielle Franco e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como o senhor avalia o impacto desses temas na reputação do Brasil aqui na Alemanha?
Mario Vilalva: Isso é parte de um processo político que eu reputo como normal. Um trabalho que precisa ser feito, e nós aqui na embaixada nos dedicamos muito a isso, é o de explicar o Brasil para que as pessoas possam compreender o que se passou e o que está se passando no País.
Para isso, eu tenho um programa de viagens a todos os estados da Alemanha para falar com os governadores, secretários de estado, presidentes de câmaras de comércio, prefeitos, com a academia.
As perguntas são as mais estapafúrdias possíveis, como: "Por que não realizaram eleições depois do impeachment da presidente Dilma?" Eu explico que não realizamos eleições porque temos uma Constituição que diz que, na ausência do presidente da República, assume o vice-presidente que é eleito na mesma chapa. As pessoas não sabem disso.
Eu explico: ele é eleito na mesma chapa, e não se pode, a cada crise do governo, jogar fora a Constituição e arrumar uma solução. No momento em que você não respeita um artigo da Constituição, você abre para a anarquia.
Esse esforço de explicação é um trabalho de formiguinha, mas a gente tem que fazer. A ideia é explicar serenamente o que aconteceu no Brasil e como estamos saindo dessa situação difícil.
As pessoas me perguntam se a presidente cometeu crime. Eu digo que ela não matou ninguém, mas ela cometeu crime de responsabilidade. É preciso explicar a tipificação do crime, a responsabilidade, os porquês, como se levanta a denúncia. Se isso é político? Claro que é político. Impeachment é um processo político de feições jurídicas.
DW Brasil: O senhor explica se foi golpe ou se não foi golpe?
Mario Vilalva: Alguns segmentos aqui compraram a ideia de que foi golpe. Então é preciso explicar como foi o processo, e que no fundo é muito difícil haver um golpe parlamentar. Os deputados e senadores votaram livremente. Acho que os alemães compreenderam.
Aqui chegou a ter uma iniciativa de uma moção no Parlamento contra o Brasil. Eu fui ao Parlamento, me reuni com vários deputados e expliquei serenamente tudo o que havia acontecido no Brasil e quais eram as medidas. E eles resolveram não votar.
DW Brasil: Como tem sido representar os interesses brasileiros nestes tempos de instabilidade?
Mario Vilalva: De fato, são tempos de alguma instabilidade, e o Brasil já passou por vários momentos assim. Eu tenho 42 de carreira diplomática e, nesses anos, não é a primeira vez que eu estou fazendo isso. Passamos por outras crises, políticas e econômicas, e eu acho que é nosso dever. Não é um dever só da diplomacia, mas um dever de qualquer brasileiro explicar melhor o nosso País. Faço com muito prazer. Sou convencido daquilo que digo, afirmo com base em dados reais.
Eu acredito que hoje o Brasil vive uma pleníssima democracia. Eu diria até mais do que muitos países desenvolvidos. Vemos no Brasil uma grande permeabilidade da sociedade, em que um trabalhador pode chegar à Presidência da República. Isso não é uma coisa fácil, por exemplo, em determinados países europeus.
Temos nossos problemas. Precisamos de uma reforma política, de uma reforma tributária, da Previdência Social. Tomara que tenhamos um próximo governo com condições políticas para fazer as reformasde que o Brasil precisa para trazê-lo definitivamente para o século 21.
DW Brasil: Jornais europeus e alemães já falam sobre as eleições presidenciais e as chances de o populismo de direita chegar ao poder. Esse cenário pré-eleições repercute no mundo diplomático no momento?
Mario Vilalva: Sim. De um modo geral, há um grande interesse do mundo político e mundo econômico da Alemanha no futuro do Brasil. Isso se deve não só ao fato de que o Brasil hoje é um ator internacional importante, mas também ao fato de que o País é um dos principais parceiros comerciais da Alemanha. São cerca de 1.600 empresas alemãs no mercado brasileiro, há muitos investimentos diretos no País.
DW Brasil: A instabilidade e as incertezas políticas não afetaram essa relação?
Mario Vilalva: Apesar dessas incertezas, os alemães continuaram a manifestar interesse do ponto de vista econômico. Muitas empresas voltaram a investir no Brasil.
Recentemente, nós vimos a Fraport comprando dois aeroportos no Brasil, uma empresa de petróleo e gás comprando concessões na área do pré-sal, assim como a chegada de uma empresa de turbinas e duto para fornecimento de energia eólica. A DHL comprou o controle de uma empresa do setor de transporte rodoviário e já abriu um escritório em São Paulo.
São provas não só de que eles continuam acreditando no Brasil nesse momento de alguma incerteza, como também estão indo para setores novos de investimentos, que eles nunca tinham feito antes. Acredito que, tão logo essa incerteza passe, e tão logo fique claro quem será o próximo presidente da República, os investimentos vão aumentar.
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