Câmara decide na sexta se mantém ou não prisão de Daniel Silveira - entenda
Parlamentar foi preso por decisão do STF após atacar e ameaçar ministros
A Câmara dos Deputados marcou para às 17h de sexta-feira (19/02) a sessão que decidirá se mantém ou não a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), detido por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) após divulgar um vídeo com fortes críticas e ameaças a ministros da Corte.
Por determinação da Constituição Federal, um parlamentar só pode ser preso em flagrante por crime inafiançável e sua prisão pode ser derrubada no Congresso.
O clima na Câmara, porém, não parece favorável ao deputado, depois que o plenário do STF confirmou por unanimidade a prisão decretada na noite de terça-feira (16/02) pelo ministro Alexandre de Moraes. Ele entendeu que a prisão em flagrante era possível porque o vídeo com os ataques continuava disponível na internet.
Mesmo aliados de Silveira, como o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ), manifestam pouca confiança de que a prisão será derrubada na Câmara. "Amanhã (sexta) o plenário da Câmara decidirá às 17h sobre a manutenção ou o relaxamento da prisão. Não estou otimista", postou Otoni no Twitter.
Agravando ainda mais a situação do parlamentar, a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou criminalmente Silveira na quarta-feira. Na denúncia, o parlamentar é acusado de "praticar agressões verbais e graves ameaças contra ministros da Corte para favorecer interesse próprio", em três vídeos (dois divulgados no final de 2020, além do publicado nesta semana).
Além disso, a PGR diz que Silveira incitou o emprego de violência e cometeu grave ameaça para tentar impedir o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário, além de ter provocado a animosidade entre as Forças Armadas e o STF.
Como a prisão de Silveira foi referendada por unanimidade no plenário da Corte, a tendência é que o Supremo aceite a denúncia contra o deputado e o torne réu em uma ação criminal. Antes, porém, deve ser aberto prazo para manifestação de sua defesa.
O parlamentar também corre risco de perder seu mandato. No mesmo dia que Silveira foi denunciado, a Mesa Diretora da Câmara representou contra ele no Conselho de Ética da Casa, ação que deve gerar um processo que pode culminar com sua cassação.
Nesta quinta-feira, o parlamentar compareceu a uma audiência de custódia — direito garantiu ao preso de ser apresentado a um juiz após sua prisão para ser reavaliada a legalidade da detenção e se o detido está sendo tratado adequadamente. O juiz Airton Vieira, auxiliar do ministro Alexandre de Moraes, conduziu a audiência e manteve a prisão.
A defesa de Silveira disse em nota na terça-feira que "a prisão do deputado representa não apenas um violento ataque à sua imunidade material (referência à proteção que a Constituição garante aos parlamentares para expressar suas opiniões), mas também ao próprio exercício do direito à liberdade de expressão e aos princípios basilares que regem o processo penal brasileiro".
Os ministros do Supremo, porém, consideraram em sua decisão que as ameaças aos integrantes da Corte configuram ataques ao Estado Democrático de Direito e não estão protegidos pela imunidade parlamentar ou pela liberdade de expressão.
"As manifestações não atingiram somente a honorabilidade, não configuraram somente ameaça ilegal à segurança e integridade física de diversos ministros, mas visaram principalmente impedir o exercício da judicatura, o exercício independente do Poder Judiciário e a própria manifestação do Estado Democrático de Direito", afirmou o ministro Alexandre de Moraes.
O que diz a denúncia da PGR?
Silveira é alvo de duas investigações no STF: uma delas apura a convocação no ano passado de atos autoritários que defendiam o fechamento do Supremo e do Congresso, e a outra investiga a divulgação de ataques e notícias falsas contra os ministros da Corte nas redes sociais. Foi dentro desta última, chamada de inquérito das Fake News, que Moraes determinou a prisão do deputado.
Segunda a denúncia assinada pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, Silveira passou a atacar os ministros do STF após se tornar alvo do inquérito que apura a organização de atos antidemocráticos com objetivo de "coagi-los pela intimidação e, com isso, desestimular, em seu favor, a aplicação da lei penal".
Por isso, a PGR considera que o deputado deve ser enquadrado no artigo 344 do Código Penal, que prevê até quatro anos de prisão para quem "usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral".
Além disso, a denúncia diz que o deputado desrespeitou a Lei de Segurança Nacional, ao "incitar à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições" e "tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados".
O ponto de partida para o vídeo mais recente de Silveira foi a manifestação do ministro Edson Fachin, que havia criticado na segunda-feira (15/02) tentativa de interferência de militares no Poder Judiciário. O comentário do ministro foi feito após divulgação de trecho de livro no qual o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas diz que discutiu com Alto Comando da Força uma postagem feita às vésperas do julgamento de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2018, entendida por muitos como uma ameaça ao STF contra a libertação do petista.
Para a PGR, a reação de Silveira nesse vídeo incentiva o embate entre Supremo e militares, buscando uma ruptura institucional:
"Neste último vídeo, não só há uma escalada em relação ao número de insultos, ameaças e impropérios dirigidos aos ministros do Supremo, mas também uma incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o Tribunal, quando o denunciado, fazendo alusão às nefastas consequências que advieram do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, entre as quais cita expressamente a cassação de ministros do Supremo, instiga os membros da Corte a prenderem o general Eduardo Villas Bôas, de modo a provocar uma ruptura institucional", descreve a denúncia.
O que está em jogo na Câmara?
A Câmara dos Deputados deve decidir se mantém ou não a prisão de Silveira. O tema divide a Casa — embora o tom dominante seja de repúdio em relação às declarações do parlamentar, há controvérsia sobre se ele poderia ser preso por isso.
A Constituição determina que um parlamentar só pode ser preso em flagrante por crime inafiançável — no caso, Moraes considerou que a atitude criminosa de Silveira ainda estava em curso porque o vídeo continuava disponível na internet. Já o ministro Luís Roberto Barroso apresentou outro argumento, ao referendar a decisão de Moraes, dizendo que "a flagrância se caracteriza pelo fato de a prisão ter sido decretada no mesmo dia (da publicação do vídeo), pouco tempo após o cometimento do crime".
Deputados que analisarão a decisão da Corte, porém, estão divididos.
O vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), disse em entrevista à rádio CBN que "a fala do deputado é gravíssima" e representa "um crime contra as instituições democráticas", mas questionou a prisão.
"Se nós considerarmos que não existe flagrante e ainda assim decidirmos pela manutenção da prisão, a gente está abrindo um precedente de que mesmo sem flagrante um deputado pode ser preso", ressaltou na quarta-feira.
Já os partidos de oposição (PT, PSB, PDT, PCdoB, PSOL e Rede) defenderam a manutenção da prisão e anunciaram que também representarão contra Silveira no Conselho de Ética da Câmara — medida que pode culminar na cassação do deputado.
"Esse será um pedido de todos os partidos e lideranças de nossa bancada. Consideramos que o deputado quebrou o decoro ao atacar a Constituição e as Instituições. O processo deve ser analisado de forma célere no Conselho de Ética e posteriormente no plenário da Câmara", disse a oposição em nota coletiva.
O presidente Jair Bolsonaro não comentou a prisão de seu aliado. Um dos seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro, escreveu no Twitter na quarta-feira, sem citar Silveira diretamente: "Sinto meu estômago embrulhado como não sentia há tempos!"