Carandiru: para promotor processo foi feito para dar em nada
De acordo com o promotor Eduardo Olavo Canto Neto, o júri deve condenar os réus para que a sociedade deixe um recado: "não toleramos esse tipo de conduta"
Ao se dirigir aos jurados que compõe o conselho de sentença que analisa a atuação de 15 policiais militares que atuaram no terceiro andar do Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, no episódio que ficou marcado como Massacre do Candiru, com a morte de 111 presos em outubro de 1992, o promotor Eduardo Olavo Canto Neto disse que o processo do caso foi construído para "não dar em nada". Segundo ele, a sociedade precisa carimbar esse tipo de atuação. "Não toleramos esse tipo de conduta."
Em sua fala, que durou cerca de duas horas, ele afirmou que o que se condena é o excesso criminoso ocorrido durante a ação. "A ordem era entrar para conter, não para executar os presos", disse ele. Canto Neto lembrou até a condição de um dos réus, Sandro Francisco de Oliveira, que depois do massacre do Carandiru passou cerca de 4 anos preso, condenado por roubo. Ainda nesta tarde o advogado dos policiais, Celso Vendramini, terá duas horas e meia para a defesa dos réus. A sentença deve ser anunciada somente nesta quarta-feira.
"Ele teve a chance que as vítimas não tiveram. Foram executadas covardemente no Pavilhão 9 da Casa de Detenção", disse ele. Oliveira disse que depois da prisão se reintegrou à sociedade e hoje trabalha em diversos hospitais, como cirurgião bucal.
Na sua fala, Canto Neto lembrou que o processo mostra que policiais retiraram as suas insígnias antes de adentrar o Pavilhão. O objetivo era não serem reconhecidos. "O que temos nesse processo é um quadro de mentira para criar dúvidas. Isso aqui foi feito para não dar em nada. Quando autoridades são acusadas, é feito para não dar em nada. Isso aqui é Brasil. Hoje é 1º de abril e a mentira está sendo bastante homenageada."
Das oito mortes e duas tentativas de homicídio que teriam ocorrido no terceiro andar, o promotor pediu a condenação dos réus apenas por quatro homicídios. Segundo ele, outros quatro presos foram mortos com golpes de armas brancas e por isso não seria possível ter certeza sobre a atuação dos policiais nas mortes. Ainda assim, ele ressaltou que os policiais que estiveram no terceiro andar, do Comando de Operações Especiais (COE) teriam usado baionetas durante a ação.
"Pedimos a condenação pela ação coletiva dos policiais. Isso aqui não é vingança, o que se busca é a Justiça. Se os policiais forem condenados pelas quatro mortes, devem ter penas de 48 anos de prisão. Com cinco a seis anos de detenção, terão direito a progressão de pena, ou seja, rua."
Canto Neto lembrou que o julgamento do Massacre do Carandiru é ideológico. "Não é um julgamento político. Político é colocar um corpo deitado no chão na porta do Fórum. Gente procurando dividendos políticos. Pré-candidato a governo do Estado fazendo discurso", disse ele.
Na abertura do júri, nesta segunda-feira, um boneco com a farda da PM, simulando um oficial morto, foi colocado na porta do Fórum. O deputado estadual Major Olímpio, pré-candidato ao governo do Estado pelo PDT chegou a discursar pedindo a absolvição dos réus.
Julgamento
A partir desta segunda-feira, 15 policiais militares (PMs) acusados de participação na morte de oito detentos - e na tentativa de outros dois homicídios - serão julgados no Fórum Criminal da Barra Funda, depois de mais de 21 anos do ocorrido. Nas três primeiras etapas do julgamento, os PMs que atuaram em três andares do prédio foram condenados a penas entre 96 e 624 anos de prisão.
Massacre do Carandiru
Em 2 de outubro de 1992, uma briga entre presos da Casa de Detenção de São Paulo - o Carandiru - deu início a um tumulto no Pavilhão 9, que culminou com a invasão da Polícia Militar e a morte de 111 detentos. Os policiais são acusados de disparar contra presos que estariam desarmados. A perícia constatou que vários deles receberam tiros pelas costas e na cabeça.
Entre as versões para o início da briga está a disputa por um varal ou pelo controle de drogas no presídio por dois grupos rivais. Ex-funcionários da Casa de Detenção afirmam que a situação ficou incontrolável e por isso a presença da PM se tornou imprescindível.
A defesa afirma que os policiais militares foram hostilizados e que os presos estavam armados. Já os detentos garantem que atiraram todas as armas brancas pela janela das celas assim que perceberam a invasão. Do total de mortos, 102 presos foram baleados e outros nove morreram em decorrência de ferimentos provocados por armas brancas. De acordo com o relatório da Polícia Militar, 22 policiais ficaram feridos.