Caso Queiroz, TSE, inquérito de fake news: as crises que cercam Bolsonaro e seu entorno
Prisão de ex-assessor de Flavio Bolsonaro deflagra nova crise; veja as frentes jurídicas que atingem o presidente da República e pessoas próximas a ele.
A prisão, nesta quinta-feira (18/06), de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, balançou o mundo político em Brasília e desencadeou mais uma crise dentro do governo de Jair Bolsonaro.
É, também, mais um front jurídico envolvendo o entorno do presidente: Queiroz foi detido em Atibaia, no interior de São Paulo, em um sítio pertencente a Frederick Wassef, advogado de Jair e Flávio Bolsonaro e frequentador do Palácio do Planalto.
Preso preventivamente, Queiroz é investigado no âmbito das suspeitas de que haveria um esquema de "rachadinha" (quando parte do salário de assessores é devolvido ao parlamentar) no gabinete de Flávio quando este era deputado estadual no Rio de Janeiro.
A seguir, a BBC News Brasil resume essa e outras batalhas na Justiça cada vez mais próximas de Bolsonaro, de sua família e de aliados políticos:
O caso Queiroz
Fabrício Queiroz entrou no radar de autoridades no final de 2018, depois de um relatório do Coaf (Conselho do Controle de Atividades Financeiras) apontar que ele movimentou mais de R$ 1,2 milhão, em operações consideradas suspeitas por serem incompatíveis com seus rendimentos.
Ele passou a ser investigado na operação Furna da Onça, que apurava a prática de "rachadinha" na Assembleia Legislativa do Rio.
Queiroz é policial militar aposentado e tem uma relação antiga com a família Bolsonaro.
Em entrevista em maio à Folha de S. Paulo, o empresário Paulo Marinho, que participou da campanha política de Jair Bolsonaro à Presidência, disse que Flávio Bolsonaro lhe confidenciou que foi avisado com antecedência da operação Furna da Onça.
O delegado que vazou o caso teria também aconselhado Flávio a demitir Fabrício Queiroz e a filha dele, que trabalhava no gabinete do então deputado federal de Jair Bolsonaro em Brasília. Os dois, de fato, foram exonerados naquele período — mais precisamente, no dia 15 de outubro de 2018.
Segundo documento elaborado por promotores do Ministério Público estadual no Rio, Flávio Bolsonaro teria liderado "uma organização criminosa com alto grau de permanência entre 2007 e 2018" que atuou em seu gabinete na Assembleia Legislativa, e parte dos recursos movimentados no esquema teria sido lavada em uma franquia de chocolate da qual ele é sócio.
Promotores investigam ainda se a "rachadinha" teria sido usada para financiar uma milícia que era comandada pelo ex-policial Adriano Nóbrega, morto em fevereiro.
Nesta quinta, após a prisão de Queiroz, Flávio Bolsonaro escreveu no Twitter: "Encaro com tranquilidade os acontecimentos de hoje. A verdade prevalecerá! Mais uma peça foi movimentada no tabuleiro para atacar Bolsonaro. Em 16 anos como deputado no Rio nunca houve uma vírgula contra mim. Bastou o presidente Bolsonaro se eleger para mudar tudo! O jogo é bruto!"
Em setembro passado, o advogado Frederick Wassef, dono do sítio onde Queiroz foi encontrado nesta quinta, disse em entrevista à jornalista Andreia Sadi, da GloboNews, que não sabia onde estava Queiroz porque não era advogado dele.
Inquérito de fake news
Nesta quarta-feira, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pelo prosseguimento do inquérito de fake news, que apura a difusão de notícias falsas e investiga empresários, ativistas e políticos aliados de Jair Bolsonaro.
Esses aliados são acusados de financiar e gerenciar uma rede de disseminação de ameaças aos ministros do STF e notícias falsas que prejudicariam desafetos políticos do presidente.
Os investigados, por sua vez, negam que tenham cometido crimes e dizem que suas falas críticas ao Supremo seriam manifestação de sua liberdade de expressão.
Uma das operações mais ruidosas desse inquérito ocorreu no fim de maio, quando a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão contra 29 pessoas próximas a Bolsonaro, como o empresário Luciano Hang, o blogueiro Allan dos Santos, a militante de extrema direita Sara Winter e os políticos Roberto Jefferson (PTB) e Douglas Garcia (PSL).
Na ocasião, o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito, afirmou que "a liberdade de imprensa não é construída por robôs (que disseminam conteúdo online), o que é construído por robôs são as fake news", disse Moraes em um webinário na quarta-feira. "Ao possibilitar (a ação) dessas milícias digitais, estaremos permitindo um ataque à liberdade de imprensa."
No dia seguinte à operação, Jair Bolsonaro disse que "as coisas têm um limite. Ontem (27 de maio) foi o último dia. Acabou, porra! Me desculpem o desabafo. Acabou. Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas individuais, tomando de forma quase que pessoal certas ações".
Diante de jornalistas, ele afirmou também que "nunca tive a intenção de controlar a PF, pelo menos (a operação da PF) serviu (para mostrar isso). Mas ordens absurdas não se cumprem, temos que botar um limite nessas questões".
Ao mesmo tempo, existem questionamentos jurídicos ao próprio inquérito no STF. Alguns juristas argumentam que o STF pode estar extrapolando suas atribuições no processo, questionam o fato de Alexandre de Moraes ter sido escolhido para conduzir o inquérito sem que houvesse um sorteio (praxe) entre ministros e age, simultaneamente, como vítima, investigador e juiz do caso.
Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, argumentou que o Regimento Interno do STF permite a abertura de investigações que tenham por objeto agressões contra a Corte e os seus integrantes.
Financiamento de protestos antidemocráticos
Também tramita no STF um inquérito para apurar o financiamento e a organização de protestos populares antidemocráticos, que pedem o fechamento do Congresso e do Supremo e, segundo faixas de alguns manifestantes, um "golpe (das Forças Armadas) com Bolsonaro no poder".
Bolsonaro compareceu a diversos desses atos, mas nega que eles tenham caráter antidemocrático. Em um deles, em maio, o presidente afirmou se tratar de "uma manifestação espontânea, em defesa da democracia, para governar sem interferência para trabalhar pelo futuro do Brasil. (...) Não vamos admitir mais interferências".
Nesta terça-feira, no âmbito desse inquérito, o ministro Alexandre de Moraes determinou a quebra dos sigilos bancários de dez deputados federais e um senador aliados de Bolsonaro.
E, a pedido da Procuradoria-Geral da República, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados a 21 pessoas — entre elas, novamente o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos.
Tiveram seus sigilos quebrados os deputados Daniel Silveira (PSL-RJ), que também foi alvo das buscas na manhã desta terça; e também Cabo Junio Amaral (PSL-MG), Carla Zambelli (PSL-SP), Carol de Toni (PSL-SC), Alê Silva (PSL-MG), Bia Kicis (PSL-DF), General Girão (PSL-RN), Guiga Peixoto (PSL-SP), Aline Sleutjes (PSL-PR) e Otoni de Paula (PSC-RJ). O senador Arolde de Oliveira (PSL-RJ) também teve o sigilo quebrado.
Outro alvo foi o empresário e advogado Luís Felipe Belmonte — atual vice-presidente do Aliança pelo Brasil, partido criado por Jair Bolsonaro, mas ainda não oficializado junto ao TSE.
Ele é casado com a deputada federal Paula Belmonte (Cidadania-DF). Ele reagiu com indignação à ação da PF. O episódio seria "totalmente abusivo", na opinião dele.
"Estão fazendo isso por quê? Porque eu sou um dos organizadores do partido do presidente da República? Eu acho meio estranho isso", disse.
O mesmo inquérito levou à prisão de Sara Winter e outros líderes do movimento de extrema direita 300 do Brasil.
Segundo a Procuradoria-Geral da República, há indícios de que os alvos dos mandados estivessem envolvidos nas manifestações que pediam o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal e que contavam com o apoio de pessoas que possuem o chamado "foro privilegiado" — o que justificaria que fossem investigadas no inquérito do STF.
Bolsonaro considerou a operação um "abuso".
"Tem gente que nasceu 40 anos depois do que eu e quer dizer como eu devo governar o Brasil. Estou fazendo exatamente o que tem que ser feito. Eu não vou ser o primeiro a chutar o pau da barraca. Eles estão abusando, isso está a olhos vistos. O ocorrido no dia de ontem, quebrar sigilo de parlamentar, não tem história vista numa democracia por mais frágil que seja. Está chegando a hora de colocar tudo em seu devido lugar", disse.
Pedido de cassação de chapa no TSE
Também há ações tramitando contra Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pedindo a cassação de sua chapa ao lado do vice Hamilton Mourão, vitoriosa na eleição presidencial de 2018.
As ações, apresentadas pela coligação Unidos para Transformar o Brasil (Rede/PV), da candidata derrotada Marina Silva, e pela coligação Vamos Sem Medo de Mudar o Brasil (PSOL/PCB), do candidato derrotado Guilherme Boulos, tratam de um ataque virtual a um grupo de mulheres formado em 2018 fazendo oposição a Bolsonaro.
No entanto, após uma invasão, a página do grupo foi alterada de forma a parecer que as mulheres, na verdade, apoiavam a eleição de Bolsonaro, e passou a compartilhar mensagens de apoio ao então candidato.
Em setembro de 2018, Bolsonaro postou em suas redes sociais uma imagem do grupo modificado com a mensagem "Obrigado pela consideração, Mulheres de todo o Brasil!".
As ações judiciais em curso argumentam que o caso constitui abuso eleitoral e pedem a cassação da chapa. E, por causa da postagem de Bolsonaro, defendem que o então candidato teria participado ou teria ciência da invasão.
O julgamento das ações foi retomado em 9 de junho, mas em seguida suspenso por pedido de vista de Alexandre de Moraes (que integra tanto o STF quanto o TSE).
Bolsonaro criticou o julgamento do TSE como "político" e evocou as Forças Armadas em sua defesa.
"Nós, militares das Forças Armadas, porque eu também sou militar, somos os verdadeiros responsáveis pela democracia nesse país. Nós jamais cumpriríamos ordens absurdas, mas nós também jamais aceitaríamos um julgamento político para destituir um presidente democraticamente eleito", disse o presidente.
No total, há oito ações na Corte que tentam anular a eleição presidencial, das quais quatro tratam do suposto uso de notícias falsas pela campanha de Bolsonaro. No entanto, o julgamento dessas quatro ações, vistas como ameaças maiores ao presidente, ainda não está marcado.