Casos pontuais ou surto generalizado: os possíveis cenários para o coronavírus no Brasil
Brasil confirma primeiro caso - mas o que vai acontecer de fato no país? Entenda os dois principais cenários possíveis na crise atual
O primeiro caso de coronavírus no Brasil foi confirmado nesta quarta-feira (26). Um homem de 61 anos, que passou duas semanas na Itália, apresentou os sintomas e agora está em isolamento domiciliar em São Paulo.
Mas o que vai acontecer de fato no país com a divulgação de um caso da doença Covid-19? Haverá quarentenas para poucos ou para cidades inteiras? Aulas serão canceladas? Ou a rotina segue relativamente normal, como em mais de 40 países que já tiveram casos confirmados da doença?
Na prática, tudo depende da evolução dos casos no país. Há dois grandes cenários possíveis na crise atual: um de contenção, outro de mitigação.
No primeiro, o país passa a ter cada vez mais casos pontuais ligados a pessoas oriundas de outros países, como tem acontecido nos Estados Unidos e no Reino Unido. O Brasil, hoje, está nesse grupo.
No segundo, o vírus foi disseminado em uma área mais ampliada pelo contágio, o surto está instalado no país e a doença passa a ser transmitida com rapidez e volume entre diversas pessoas, como na Itália, na Coreia do Sul e China.
De todo modo, em ambos cenários a doença mantém uma taxa de letalidade considerada baixa por especialistas e autoridades. Ela mata 2 a cada 100 pessoas infectadas e mais de 80% dos casos são leves. "É mais uma gripe que a humanidade vai enfrentar", afirmou o ministro da Saúde do Brasil, Luiz Henrique Mandetta.
Cenário 1: Casos pontuais, sem transmissão sustentada — contenção
Até o momento de publicação desta reportagem, o novo coronavírus, batizado de SARS-COV2, atingiu 50 países e territórios. São quase 82 mil casos confirmados da doença — chamada de covid-19 —, sendo 78.497 na China (ou 97% do total). Há atualmente mais casos novos sendo registrados fora da China do que dentro do país.
Até agora, o surto se instalou de fato em apenas quatro desses lugares: China, Coreia do Sul, Irã e Itália. Nos outros, há casos confirmados de modo isolados, como no Brasil.
E o que tem sido feito nesses 46 países e territórios?
O protocolo internacional indica uma sucessão de passos que vão sendo tomados à medida que o surto avança ou não, colocando na balança tanto a segurança da população quanto o impacto socioeconômico. O mais importante é identificar rapidamente quem está doente, garantir o isolamento e evitar que a doença se espalhe.
Em geral, a rotina da população não sofre mudanças, exceto a daqueles que estão doentes ou tiveram contato próximo com essas pessoas infectadas.
Nos EUA, onde foram confirmados 60 casos, não houve cancelamento de aulas e eventos públicos ou cidades sob quarentena até agora, por exemplo — o mesmo se vê em 16 países europeus.
O governo americano tem adotado medidas básicas para evitar a circulação da doença, como quarentena domiciliar ou hospitalar para quem apresentar sintomas, ampliação das recomendações de prevenção e monitoramento daqueles que tiveram contato com pessoas doentes ou viajam de zonas onde o vírus circula.
O que determina onde ficará o paciente é a sua condição de saúde. Um isolamento hospitalar, segundo o Ministério da Saúde brasileiro, só aumenta o risco de transmissão da doença para mais pessoas e é recomendado para pessoas com sintomas graves.
Por ter apresentado sintomas brandos, por exemplo, o brasileiro diagnosticado com a doença em São Paulo ficará 14 dias em casa ao lado de sua mulher, que será mantida ali por outros 14 dias, ao fim desse período.
O passo seguinte é identificar e monitorar todas as pessoas com as quais o paciente teve contato. No caso do brasileiro, isso inclui 30 pessoas que ele recebeu em casa num evento familiar e os passageiros de poltronas próximas à dele no avião oriundo da Itália.
Na China, são monitoradas atualmente mais de 100 mil pessoas que tiveram contato com pacientes do Covid-19. Outras 500 mil já passaram por processo semelhante.
Mesmo antes da confirmação do caso, o Brasil já havia elevado seu alerta para a doença de nível 2 (perigo iminente) para 3, no qual se declara emergência de saúde pública de importância nacional.
Nessa situação, o secretário de Vigilância em Saúde do ministério, Wanderson Oliveira, explicou que há uma mobilização conjunta de governos federal, estaduais e municipais "para que o vírus não se disperse", para ampliar a conscientização da população e para adotar dispositivos normativos para "acelerar a organização dos serviços de saúde e ampliar a capacidade de atendimento da população", a depender do possível avanço da doença.
A Organização Mundial da Saúde não recomenda qualquer fechamento de fronteiras, mas alguns países têm adotado esse tipo de medida. Foi o caso de nações vizinhas do Irã, por exemplo.
A medição de temperatura dos passageiros tampouco é eficaz, já que a doença pode ser transmitida durante o período de incubação, que varia de 1 a 14 dias e não há sintomas, como febre, tosse, coriza ou falta de ar.
Ninguém também é proibido de deixar o país nesse cenário. Para o ministro da Saúde brasileiro, vale a regra do bom senso. Ou seja, se a viagem internacional for inadiável, que se adote todas as medidas de precaução. Se não for, melhor cancelar.
Cenário 2: Surto instalado no país — mitigação
"Se há um surto instalado numa região, em um Estado ou uma cidade brasileira, por exemplo, não há dúvida de que o cancelamento de aulas, eventos com aglomerações e adoção de quarentenas são as medidas mais adequadas", explica Fernando Spilki, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia.
Esse tipo de estratégia foi adotado no Brasil em 2009, quando havia um número grande de casos de vírus H1N1 — infecção que matou entre 151.700 a 575.400, segundo o governo americano.
No caso do novo coronavírus, o primeiro país a adotar medidas dessa natureza foi a China, onde o surto começou em dezembro do ano passado.
"Essas ações podem ser disruptivas e ter impacto econômico e social em indivíduos e comunidades. No entanto, estudos mostram que a adoção em etapas dessas intervenções podem reduzir a transmissão em comunidades", explica o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA.
Para a chefe desse órgão, Nancy Messonnier, não é mais uma questão de "se" a doença vai se espalhar nos EUA, por exemplo, mas "quando". Por isso, as pessoas precisam estar preparadas para as mudanças drásticas que isso vai acarretar, como suspensão de aulas, trabalho remoto e confinamento em casa.
Essas medidas começaram a ser adotadas inicialmente na cidade de Wuhan, na China, considerada o epicentro da doença. Gradualmente, aulas foram suspensas, empresas reduziram expedientes ou fecharam, sistemas de transporte público foram paralisados, a circulação de pessoas nas ruas foi praticamente proibida. Por fim, a medida mais restritiva foi o fechamento das divisas da cidade.
Para parte dos especialistas, apesar de todos os duros transtornos que essas medidas causam, elas têm funcionado, por exemplo, para conter o avanço da doença na China. Há uma tendência de queda no número de novos casos há mais de duas semanas.
Em meio a uma explosão de casos, a Itália passou a adotar medidas parecidas com a da China. Em cinco dias, os registros no norte italiano passaram de 4 para mais de 450.
O Carnaval de Veneza foi cancelado dois dias mais cedo, jogos da primeira divisão de futebol foram adiados, empresas começaram a adotar trabalho remoto e 10 cidades que somam 50 mil habitantes foram submetidas a quarentenas. Ninguém entra ou sai dali, salvo raras exceções. Como consequência, pessoas passam a estocar mantimentos, e mercados começaram a registrar desabastecimentos parciais. Ruas ficam vazias.
O principal instrumento à disposição do Brasil para uma situação desse tipo com surto instalado é a lei sancionada no dia 7 de fevereiro pelo presidente Jair Bolsonaro, prevista para vigorar enquanto durar a emergência internacional do surto, decretada pela Organização Mundial da Saúde no fim de janeiro.
O texto brasileiro determina que, diante de uma situação de emergência, o governo poderá colocar cidadãos em isolamento ou quarentena, sob condições estabelecidas pelo Ministério da Saúde.
Também poderá realizar compulsoriamente exames e testes laboratoriais, coletar amostras para análises e aplicar vacinas e tratamentos médicos específicos.
Não adotar medidas como quarentenas, isolamento rápido de pessoas doentes e transparência na divulgação de informações pode agravar a disseminação da doença e levar à perda de controle sobre a cadeia de transmissão do vírus de uma pessoa para outra — estima-se que, no caso do novo coronavírus, uma pessoa infectada contamime até outras três, em média.
Esse descontrole é o que especialistas e autoridades estrangeiras temem que esteja acontecendo no Irã, onde também há transmissão sustentada. O governo iraniano tem se negado a adotar medidas como quarentenas, sob o argumento de que elas não funcionam e querem evitar o fechamento de lugares sagrados para os clérigos que controlam o país, como a cidade de Qom, onde mais de uma dezena de pessoas morreram.
Em um dia, quatro países vizinhos do Irã registraram seus primeiros casos confirmados da doença. Todos eram ligados a pessoas oriundas do território iraniano.
"No fim, a nossa principal preocupação nesse tipo de surto é sobre o impacto em sistemas de saúde como o do Brasil, que já precisam lidar com epidemias e endemias, como a dengue e o sarampo. Essa é mais uma doença que chega", explica Fernando Spilki, da Sociedade Brasileira de Virologia.
E o que realmente funciona para as pessoas se protegerem?
A BBC News Brasil conversou com infectologistas e colheu as principais recomendações do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, o Serviço de Saúde britânico (NHS) e do Ministério da Saúde brasileiro nesse sentido.
A principal — simples, porém bastante eficiente — é lavar as mãos com sabão após usar o banheiro, sempre que chegar em casa ou antes de manipular alimentos.
As outras são: