Chuvas no Recife: "Foi como um tsunami que arrastou tudo pela frente"
Moradores da região metropolitana do Recife narram cenas de desespero em meio às chuvas torrenciais que já deixaram centenas de mortos
As chuvas torrenciais que atingem o estado de Pernambuco, causando alagamentos e deslizamentos de barreira, já deixaram mais de 90 mortos, dezenas de desaparecidos e milhares de desabrigados, segundo dados oficiais. Moradores relatam cenas de desespero, enquanto equipes de resgate correm contra o tempo em busca das vítimas.
"Não como nem durmo, foi uma dor muito grande", disse à agência de notícias AFP uma moradora do bairro Jardim Monte Verde, no limite das cidades de Recife e Jaboatão dos Guararapes, uma das áreas mais atingidas pelas chuvas em toda a região metropolitana da capital.
A tragédia no Jardim Monte Verde começou na manhã do último sábado (28/05), quando aconteceram os primeiros deslizamentos. Mais de 20 pessoas morreram só na região.
Lúcia da Silva foi retirada a tempo de não ser soterrada por um deslizamento na comunidade, mas seus vizinhos não tiveram a mesma sorte: 11 pessoas da mesma família morreram, e outra está desaparecida.
"Foi muito triste, foi como perder minha família. Moro aqui há 40 anos, eram pessoas que eu via desde pequena", conta a dona de casa de 56 anos. "Encontraram 11, vão ser enterrados, e uma menina de 32 anos está desaparecida, ainda não encontraram o corpo dela", acrescenta aos prantos.
No topo do morro ainda existem algumas casas de pé, mas alguns metros adiante vê-se um abismo recém-aberto, com uma espessa camada de lama que varreu tudo em seu caminho. No chão há escombros, pedaços de tijolos, roupas, brinquedos e outros pertences das vítimas.
"Como um tsunami"
Mário Guadalupe, de 60 anos, também escapou por pouco do desastre. "[O deslizamento] quase chegou à minha casa, vi tudo o que aconteceu", contou.
"Houve um primeiro deslizamento. Pensávamos que não cairia muito mais, mas em seguida veio uma nova torrente que foi como um tsunami, arrastou tudo pela frente", relata o aposentado, que mora no local há 40 anos.
A casa dele, milagrosamente preservada, agora é usada para armazenar alimentos para serem distribuídos às vítimas.
"Não foi uma tragédia anunciada, porque isso nunca havia acontecido antes", afirma. "O que entendemos é que é um fenômeno típico do aquecimento global, porque nunca caiu tanta chuva em tão pouco tempo", diz Guadalupe, temendo que outras tragédias semelhantes voltem a ocorrer. "É um grande aviso para o próximo inverno."
Meteorologistas atribuem as chuvas torrenciais que caíram nos últimos dias em Pernambuco a um fenômeno chamado "ondas do leste", comum nesta época do ano, com nuvens densas se deslocando do continente africano em direção ao litoral brasileiro.
Em poucas horas, entre a noite de sexta e a manhã de sábado, caiu 70% do volume total de chuvas previsto para todo o mês de maio.
Moradores denunciam descaso das autoridades
Indignados, alguns moradores atacaram o poder público. "Muitas pessoas aqui perderam tudo. Suas vidas, suas casas. Precisamos de remédios, comida", afirma Jailson Gomes de Souza, de 34 anos.
"É um pedido de socorro para o Jardim Monte Verde! Se vierem nos tirar daqui, têm que vir e dar uma solução, não é só chegar e fazer campanha eleitoral", declarou o pedreiro.
Alex Santos, de 45 anos, culpou as autoridades pelo desastre. "Em 25 anos que moro aqui, nada efetivo da prefeitura. Só dizem que está em projeto, em análise, e nada feito. Se tivessem feito, não teria tido isso", disse ele ao jornal Folha de S. Paulo.
"[Foi um] cenário terrível, de guerra. Muitas pessoas perdendo a vida. E no começo a comunidade buscando os corpos. Chegamos a resgatar alguns sobreviventes, mas que depois não resistiram", relata o ajudante de pedreiro, que teve que deixar sua casa devido ao risco de novos desabamentos.
"Essas catástrofes acontecem", diz Bolsonaro
Na manhã de segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro sobrevoou a região afetada, manifestou pesar pelas vítimas e anunciou liberação de verbas para municípios.
"Todos estamos, obviamente, tristes, manifestamos nosso voto de pesar aos familiares. Nosso objetivo maior é confortar os familiares e, com meios materiais, também atender a população", declarou o presidente em coletiva de imprensa.
"Tivemos problemas semelhantes em Petrópolis, no sul da Bahia, mais ao norte de Minas [Gerais], estive ano passado no Acre também. Infelizmente essas catástrofes acontecem."
* Com informações de AFP, AP, Agência Brasil