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"A gente se entende porque é a mesma dor", diz mãe de vítima

Mais do que reivindicar punições, familiares de vítima se reúnem para suportar a perda contando com "ajuda mútua": “Faz bem a gente lembrar, manter a memória deles viva”

27 jan 2015 - 10h26
(atualizado às 11h18)
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Dois anos após o incêndio na boate Kiss, a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) continua ativa para que o episódio não seja esquecido e sobretudo para que os responsáveis recebam uma punição rigorosa. No entanto, os encontros do grupo servem também – talvez principalmente – para que os familiares das vítimas encontrem palavras e gestos reconfortantes vindos de pessoas que passam pelo mesmo sofrimento, numa ajuda mútua. “Mais importante que os protestos é a ajuda mútua. Cada um de nós sabe a dor que o outro está sentindo”, resume Isabel Cristina Costa, mãe de Evélin, uma das 242 vítimas que morreram na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013 no incêndio da boate Kiss. 

Isabel conta que a tenda na praça central de Santa Maria, ocupada permanentemente pelos familiares das vítimas, se transformou em um local para buscar ajuda e apoio nos momentos mais difíceis, quando a dor da perda volta forte e quase insuportável à memória. “Tem sempre alguém pra te abraçar e te consolar. Aqui tu sempre vai achar alguém de braços abertos para de dar um apoio”, reconforta-se a mãe de Évelin, que recém tinha completado 20 anos quando aconteceu a tragédia.

Isabel: Mais importante que os protestos é a ajuda mútua. Cada um de nós sabe a dor que o outro está sentindo,
Isabel: Mais importante que os protestos é a ajuda mútua. Cada um de nós sabe a dor que o outro está sentindo,
Foto: Wagner Machado / Terra

Isabel diz que assim como já encontrou consolo na ajuda de outras mães de vítimas do incêndio na casa noturna, também já teve que guardar a dor e encontrar forças sabe-se lá onde para ser solidária com amigas que estavam passando por momentos piores de desconsolo. “Tem uma senhora que era funcionária da boate Kiss e naquela noite não pôde ir trabalhar e mandou a filha para substituir. Imagina o sofrimento desta mãe”, recorda Isabel, comiserada.

A mãe de Évelin lamenta apenas os que não entendem a importância desta luta e desta ajuda mútua. "Tem gente que passa aqui e diz: 'o que que tu está querendo? Deixa eles descansarem', mas eu não quero ela de volta, eu quero justiça para que os jovens que estão aí, para que o meu neto, não sofram o mesmo", explica. 

<p>Familiares fizeram vigília em frente ao local da tragédia</p>
Familiares fizeram vigília em frente ao local da tragédia
Foto: Wagner Machado / Terra

Mãe de Augusto Malezan, que também perdeu a vida na madrugada de 27 de janeiro de 2013, Jacqueline Malezan também só encontra forças para suportar a tragédia compartilhando a dor e as lembranças com outras mães que perderam seus filhos no incêndio. “A gente se entende porque é a mesma dor”, afirma. “O engajamento nas reivindicações da associação me ajuda. A pior hora é a noite, o silêncio”, diz a mãe, ciente de que o tempo não conseguirá curar completamente a dor da perda inexplicável.

Jaqueline afirma que só se sente à vontade para falar sobre o assunto entre as mães da associação. “Na família mesmo tem gente que não deixa falar, não gosta de tocar no assunto”, diz Jaqueline, carente de falar sobre suas melhores lembranças do filho Augusto. “Faz bem a gente lembrar, manter a memória deles viva”, explica. “E a gente vê que muitos deles eram muito parecidos, gostavam das mesmas coisas, faziam às mesmas coisas.”

Assim como muitos familiares dos mortos na boate Kiss, Jaqueline recebeu ajuda psicológica para superar o trauma, mas não se adaptou à experiência. “Os psicólogos não estavam preparados para atender a gente, eu odiei”, pontua. “Larguei o tratamento e me juntei às mães aqui. Pronto. Foi o melhor tratamento.”

“Fazem tudo para a gente desistir, mas nós não vamos"

Além da ajuda mútua para tentar superar da maneira que for possível a morte dos filhos, as mães também encontram afinidade no sentimento de descaso por parte do Poder público. Jacqueline reclama do que chama de “protecionismo” para evitar que agentes públicos sejam responsabilizados pelo incêndio. Ela não tem muitas esperanças que o processo ainda em tramitação resulte em condenação dos responsáveis. “É muito difícil saber que tem muita gente envolvida, que ajudou a causar o incêndio, e não ter como provar”, lamenta, frustrada pelas infrutíferas reuniões com o Ministério Público.

Jacqueline: Na família mesmo tem gente que não deixa falar, não gosta de tocar no assunto
Jacqueline: Na família mesmo tem gente que não deixa falar, não gosta de tocar no assunto
Foto: Wagner Machado / Terra

Para Isabel, não existe por parte da administração municipal vontade de apoiar a união das mães. Ela reclama que não é fornecida nem luz elétrica para a tenda de vigília dos familiares na praça. “Fazem tudo para a gente desistir, mas nós não vamos desistir”, promete. Sobre os processo, Isabel comunga do pessimismo de Jaqueline: “Faz dois anos do incêndio e não há culpados, nada foi feito.”

Tragédia em Santa Maria: entenda o incêndio na Boate Kiss Tragédia em Santa Maria: entenda o incêndio na Boate Kiss

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento. 

Fonte: Terra
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