Além da doença, Rio tem prisões e atraso em hospitais
Unidades de campanha não foram entregues e operação do Ministério Público Federal investiga irregularidades em processo de abertura dos centros médicos
RIO - Leandro Lima, 33 anos, morador de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, vive, em meio à pandemia de covid-19, um triplo luto. Em onze dias, entre abril e maio, perdeu o pai e dois irmãos. Como ele, outros tantos lamentam a perda de entes queridos no Rio. Nas últimas semanas, com o crescimento nos números de mortos e infectados, as unidades públicas de saúde aproximaram-se perigosamente do esgotamento.
Perplexo, Leandro - que, ironicamente, é agente de saúde - lembra que, a um quilômetro de sua casa, deveria funcionar um dos sete hospitais de campanha prometidos pelo Estado. "Acredito que, se os hospitais estivessem prontos, dentro do prazo, talvez (houvesse uma chance para que os três superassem a doença). O hospital de Nova Iguaçu ainda está em construção."
Cinco unidades de campanha, prometidas pelo governador Wilson Witzel (PSC), também estão atrasadas - e algumas talvez nem sejam abertas. O Maracanã foi inaugurado e funciona com problemas.
Segundo números da Secretaria de Estado de Saúde, na quinta, no SUS, esperavam transferência para UTIs 340 pessoas, e para enfermarias outras 238. Os leitos estavam ocupados, a não ser no Hospital Zilda Arns, em Volta Redonda. Havia ainda leitos nos hospitais de campanha Lagoa-Barra e Parque dos Atletas, erguidos e operados pela Rede D'Or. No Zilda Arns, a ocupação era de 89% na enfermaria e 86% na UTI. No Estado, os mesmos indicadores estavam em 79% e 86%, respectivamente.
Na capital fluminense, epicentro da doença, a situação era igual. Não havia, na rede municipal, uma única vaga para pacientes da covid-19. Aguardavam transferência para UTIs (85% ocupadas) 254 pacientes, e 182 para enfermarias (74% com doentes). No Estado e na capital, nos leitos ocupados, há rotatividade de vagas por causa de altas e óbitos. Os números apontam perspectivas de piora. Os casos de contaminados e mortes se aceleram, dobram a cada doze dias. Esse aumento se deu em um cenário de queda gradativa da taxa de isolamento social.
Segundo o Monitor Estadão/InLoco para isolamento social, após atingir o auge de 62,2% no início da quarentena, em 22 de março, o indicador recuou e chegou a 42,2% na quinta-feira. Desde que a circulação nas ruas foi restrita, o patamar mais baixo foi em 8 de maio: 40,8%. O ideal, dizem os especialistas, é que seja de 70%.
Em meio às dificuldades para combater a doença, a Polícia Federal e o Ministério Público desencadearam a Operação Favorito em 14 de maio. A ação levou à cadeia Mario Peixoto, empresário de negócios com o Estado, e o ex-presidente da Assembleia Legislativa Paulo Melo. As apurações envolvem suposto interesse ilícito em ações nos hospitais de campanha. O escândalo causou a queda de Edmar Santos da Secretaria de Saúde.
Pelo Twitter, o governador prometeu que erros "serão consertados", e irregularidades "serão devidamente apuradas". "Quem se aproveitou desse terrível momento para se beneficiar deve ser julgado e punido." Santos informou ter atuado "de forma transparente". O Estadão não localizou Peixoto.
Morte
O aposentado José Gomes de Lima, de 80 anos, morreu em 24 de abril no Hospital da Posse, onde horas antes fora internado. Nos dias anteriores, tinha procurado ajuda médica duas vezes, mas, mesmo hipertenso, foi mandado para casa. Seus filhos, Leonardo, 44 anos, e Liliane, 51, que se tratavam havia dias do que parecia ser gripe forte, sucumbiram à enfermidade em 4 de maio, em Mesquita e Belford Roxo, cidades vizinhas.
Em nota, a prefeitura de Nova Iguaçu confirmou que José Gomes foi atendido na Clínica da Família de Jardim da Viga. "Foi orientado a manter isolamento e procurar uma unidade de urgência e emergência em caso de piora." Na UPA de Comendador Soares, tinha os mesmos sintomas de antes. Foi atendido conforme o protocolo do Ministério da Saúde, realizando exame de raio x e mensuração de sua oximetria, e não houve indicação de internação.