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Amapá: peixes apodrecem e aluguel de tomadas vira negócio

No Mercado do Pescado, comerciantes calculam prejuízos; já as lojas com gerador ate cobram para carregar celulares

8 nov 2020 - 22h01
(atualizado em 9/11/2020 às 07h26)
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Pelas ruas de Macapá, o sábado, 7, foi de tensão, prejuízo no comércio, pequenos conflitos e busca desesperada por água. Sem energia elétrica, as bombas das tubulações da rede e os sistemas dos poços artesianos não funcionaram. A capital é um dos 13 municípios do Amapá que sofrem com um apagão desde a noite de terça-feira, 3, quando um incêndio atingiu uma subestação de energia da capital. Amapaenses relataram dificuldade para conseguir água e comida ao longo da semana.

Amapá sofre apagão após incêndio em subestação; Macapá decreta calamidade pública e população sofre com crise de desabastecimento no Amapá, gerando filas em postos e falta de água
Amapá sofre apagão após incêndio em subestação; Macapá decreta calamidade pública e população sofre com crise de desabastecimento no Amapá, gerando filas em postos e falta de água
Foto: MAKSUEL MARTINS/FOTOARENA / Estadão Conteúdo

Neste sábado, o governo federal anunciou a retomada do abastecimento de 65% da carga do Estado, mas com sistema de rodízio. A previsão é que a situação seja totalmente normalizada somente em dez dias. Mas, também neste sábado, a Justiça Federal obrigou o restabelecimento da energia no Estado em até três dias.

Durante a tarde deste sábado, o Estadão presenciou moradores em uma tentativa de encher galões e baldes de água. A 600 metros da residência oficial do governo do Estado, na região central de Macapá, um grupo descobriu um cano pelo qual corria água potável. A terra foi cavada e o cano, furado para a retirada de água.

A tubulação abastecia o quiosque do comerciante Joel Silva, de 46 anos. Um princípio de tumulto foi armado. "Todo mundo tem necessidade, vocês não têm de chegar aqui quebrando", reclamou ele. "Olha o prejuízo que me deram", continuou. Foi o próprio comerciante quem tinha feito o encanamento há sete anos.

É um drama extra para quem vive sob os 33 graus que os termômetros marcaram ontem, com sensação térmica próxima dos 40. Enquanto Joel reclamava, o morador Raimundo da Costa, de 45 anos, apareceu com uma caixa de mil litros para encher de água. "O Amapá tem um monte de hidrelétrica e o que tem para nós é isso daqui", criticou ele.

Nos bairros da periferia da única capital brasileira na margem do Rio Amazonas, baldes, garrafas e recipientes são vistos a postos em frente às casas. A água ficou cara. Galões que eram vendidos a R$ 6 agora saem a R$ 17.

Até carregar a bateria do celular virou negócio. Pelos relatos, comerciantes cobram entre R$ 5 e R$ 10 para emprestar as tomadas de estabelecimentos que têm pequenos geradores.

Cooperação

Mas a solidariedade também marca presença nas cidades sem energia elétrica. O gerente de um posto de combustíveis de Santana, a cerca de 25 quilômetros de Macapá, liberou o acesso ao reservatório abastecido por um poço. Ele também autorizou o uso das tomadas. "As pessoas precisam se comunicar com os parentes. Sem água e sem energia piora tudo", afirmou o gerente Benedito Batista, 30 anos.

A moradora Marlene Dutra Viana levou ao posto não apenas o celular, mas uma bicicleta elétrica. "É o que uso para andar pela cidade, fazer compras", conta. Tornou-se comum, a cada esquina, grupos em volta de uma tomada de energia para carregar os aparelhos de telefone.

A falta de energia comprometeu o já combalido setor pesqueiro do Estado. No Mercado do Pescado Igarapé das Mulheres, no bairro do Perpétuo Socorro, em Macapá, comerciantes faziam as contas dos prejuízos com os aparelhos de freezer desligados. Pacus, branquinhas e pescadas apodreciam nas geladeiras. O cheiro forte tomou conta do espaço. O descarte de quilos de peixes nos contêineres de lixo atraíram urubus.

O apagão de energia foi mais um golpe enfrentado por comerciantes e pescadores neste ano. Em março, com o início da pandemia do novo coronavírus, o comércio foi paralisado, retornando semanas depois. Pela estimativa do governo, seis mil pescadores atuam na região central de Macapá. O restabelecimento da energia na capital e no entorno, propagado pelo governo, ainda é instável.

Moradores fazem protestos para denunciar falta de energia e água

Na periferia de Macapá, moradores dos bairros Congós, Pedrinhas e Jardim Açucena fizeram barricadas e queimaram pneus em ruas e rodovias para protestar pela falta de energia e de água. No bairro São José, a polícia usou balas de borracha para reprimir um protesto. Houve também buzinaços e panelaços no Centro. "Em casa não tem água para tomar banho, lavar roupa e nem para beber", disse a moradora Andressa Laura, 22, moradora da Avenida Central. "Tudo fica ainda mais difícil quando a gente tem criança em casa."

Os hospitais e maternidades mantiveram o funcionamento por contarem com geradores a óleo diesel. Funcionários dos estabelecimentos, no entanto, tem relatado sobre quedas de energia. A maior preocupação de autoridades da saúde do Estado, porém, são as aglomerações de pessoas, neste tempo de pandemia, na busca de água, alimentos e tomadas em locais com geradores.

A energia ainda não foi restabelecida em boa parte de Macapá e das cidades vizinhas. Na noite de ontem, o bairro Buritizal, o mais populosos da capital, com 26 mil habitantes, estava completamente no escuro. O mesmo ocorria em Santana e em outros municípios atingidos pelo apagão. A previsão é que, na madrugada, com o rodízio, a falta de energia atingiria a maior parte da capital.

Justiça Federal dá três dias para restabelecer energia no Estado

A Justiça Federal deferiu ação civil pública de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) contra o governo federal, a Agência Nacional de Energia Elétrica e a Gemini, empresa dona da linha de transmissão desde o ano passado. A decisão obriga os órgãos públicos a aplicarem sanções contratuais à empresa e cobra a instauração de inquérito pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela Polícia Federal.

A Aneel também deverá comprovar que fiscalizou a empresa em até cinco dias. A companhia, por sua vez, terá de apresentar solução completa para a falta de energia em até três dias, sob pena de multa diária de R$ 15 milhões. O presidente Jair Bolsonaro chegou a falar, em vídeo nas redes sociais neste sábado, 7, que teria havido uma falha de manutenção da empresa privada responsável, sem citar nomes. Procurada, a Gemini não comentou a declaração.

Estadão
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