Após câmeras, letalidade policial em SP chega ao menor nível desde 2005
Entre janeiro e junho, foram 202 mortes derivadas de operações policiais ou com o envolvimento de agentes em folga, uma queda de 41,1% em relação ao total do ano passado
Com 202 vítimas contabilizadas entre janeiro e junho deste ano, as polícias Civil e Militar de São Paulo chegaram ao menor índice de letalidade para o primeiro semestre desde 2005, quando esta taxa era de 178. Se observadas apenas as mortes decorrentes de operações ou agentes em serviço e desconsideradas as ocorrências envolvendo de folga, foram 133 registros, o menor total da série histórica iniciada em 2001.
O total de vítimas da letalidade policial neste primeiro semestre representa uma queda de 41,1% quando comparada com o mesmo período do ano passado e de 60,7% em relação ao número de vítimas registradas entre janeiro e junho do ano anterior. Naquele 2020, foram 514 mortes registradas, o maior número de ocorrências desde que elas começaram a ser contabilizadas e disponibilizadas publicamente pela Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP).
Uma das medidas por trás da diminuição desses números é a implementação de câmeras corporais nas fardas de alguns policiais selecionados, por meio do programa Olho Vivo. Instaurada no começo do ano passado pelo então governador João Doria, a iniciativa já funciona em 58 batalhões do Estado através de 8,1 mil equipamentos. A expectativa é que até o fim do próximo mês este total chegue a mais de 10 mil.
"As câmeras têm uma responsabilidade por trás desse número, por ser um programa importante, especificamente para os batalhões que reduziram a letalidade mais do que outros. Mas é importante a gente destacar que essa queda é anterior à implantação dos equipamentos e começa uns meses antes", aponta Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Ela explica que o programa Olho Vivo foi implementado em fases e chegou aos batalhões mais letais apenas no ano passado. Antes disso, entretanto, uma mudança institucional começou a reverberar após uma operação em Paraisópolis ter resultado na morte de nove pessoas nas semanas finais de 2019.
"Para entender porque chegamos nesse número menor, precisamos entender o que aconteceu ali, quando (Doria) percebeu que não conseguiria segurar a polícia", diz Samira.
Naquela época, o caso rendeu uma série de protestos pela capital paulista e um desconforto entre Doria e o então comandante da PM, o coronel Marcelo Vieira Salles, que em março do ano seguinte entregou o cargo. Seguiram-se as câmeras corporais, o anúncio de novos protocolos para a segurança pública e a adoção de equipamentos não letais, como as 7,5 mil armas de incapacitação neuromuscular utilizadas hoje pelo Estado.
Porta-voz da Polícia Militar, o major Rodrigo Fernandes Cabral explica que essas mudanças começaram a ser adotadas já em maio de 2020 e vão além da implementação das câmeras corporais que, segundo ele, ajudam também a diminuir a desobediência civil. "Essa redução (das mortes) vem de um forte trabalho de gestão do comando da instituição, que começou com o coronel (Fernando) Alencar (de Medeiros) e teve como primeira missão a Comissão de Mitigação de Não Conformidades", aponta.
O grupo implementado há dois anos é responsável por analisar todas as ocorrências de morte em operações policiais e, como o nome sugere, analisar o que poderia ter sido feito de diferente ou não durante a ocorrência. Além do trabalho em grupo com as equipes, também é feita uma análise individual para os agentes, que avalia do desempenho em zonas de perigo à saúde mental de cada um.
"Nós optamos em treinar bem os policiais e fazer com que eles obedeçam as orientações e protocolos. Às vezes, a morte ou lesão é gerada pela falta de técnica", diz o major Cabral, apontando que "muitas vezes o policial é absolvido no tribunal de júri, mas é demitido da PM".
Outro ponto que Cabral considera fundamental é priorizar o uso dos "tasers", armas de eletrochoque, em vez das armas de fogo. Hoje, esses equipamentos não letais são usados cerca de 50 vezes por mês. Antes, era uma média de quatro a cinco, segundo o major.
"Salvar vidas custa caro", diz, apontando que o preço médio para cada pistola glock da Polícia Militar é de R$ 800, contra R$ 6 mil dos tasers.
Para Samira, essa virada de chave em São Paulo pode servir de exemplo para outros lugares: "A grande mensagem é mostrar que se o comando da polícia estiver disposto a reduzir a letalidade, consegue. Vimos isso no Estado inteiro, e nem todas as cidades têm equipes com câmeras corporais".