Avião só sairia de 'parafuso' se houvesse tempo de levar passageiros para a frente, diz especialista
Especialista atuou em diversos casos, como o desastre, em 2006, que envolveu um Boeing da Gol que se chocou com um Legacy da Embraer, no Pará
Especialista em segurança de voo com mais de 40 anos de atuação na área, Roberto Peterka não tem dúvida de que o ATR-72-500 da Voepass estolou. Na linguagem aeronáutica, isso acontece quando o avião perde a sustentação das asas e entra em queda livre. As imagens do acidente não deixam dúvida. Peterka atuou em diversos casos, como o desastre, em 2006, que envolveu um Boeing da Gol que se chocou com um Legacy da Embraer, no Pará.
O acidente ocorreu em Vinhedo. A queda da aeronave que partiu de Cascavel, no Paraná, para Guarulhos, deixou 61 mortos. A empresa informou que não há sobreviventes entre os 57 passageiros e quatro tripulantes.
Em conversa com o Estadão, Peterka lembrou do acidente em 2009, com o AF447, voo que fazia a rota Rio-Paris. Na ocasião, a aeronave caiu após um estol. As condições climáticas congelaram as sondas de velocidade do avião. O piloto se desestabilizou e subiu o avião, que perdeu a sustentação com essa movimentação. O acidente vitimou 216 passageiros e 12 tripulantes.
A seguir, trechos de sua entrevista:
O que houve com o avião da Voepass?
Ele estolou e entrou em parafuso chato e veio até o chão. A imagem deixa claro isso. Você se lembra do acidente com o Airbus, o AF-447? Foi mais ou menos isso que deve ter acontecido. Lá foi o pitot (sonda que mede a velocidade de voo da aeronave) que congelou. Os pilotos deram potência até que o avião não podia mais e estolou. Os pilotos tinham dados errados sobre a velocidade da aeronave em razão do congelamento do pitot. Com isso o avião subiu o nariz e perdeu sustentação, entrou em um parafuso chato e veio até o mar.
Havia um aviso de gelo na área que o avião ia passar...
Sim, havia um aviso de formação de gelo entre 12 mil pés e 22 mil pés, onde ele voa. No AF-447 houve informe de diminuição de velocidade. E aí o avião imprimiu potência para compensar, uma velocidade irreal até que subiu o nariz e estolou.
No caso desse, o gelo se formou sobre as asas? Os pilotos se comunicaram com o comando de São Paulo?
Por enquanto, não há informação sobre comunicação. É o que o Decea disse. A CVR (Cockpit Voice Recorder, o gravador de voz da cabine de comando, uma das duas caixas pretas da aeronave) vai mostrar as reações dos pilotos e a FDR (Flight Data Recorder) mostrará os registros dos dados técnicos do voo, a perda de velocidade e se teve indicação de gelo na asa.
Como um piloto pode reagir quando há essa perda de sustentação?
Para sair dessa daí é só mudar o centro de gravidade. Mas como é que ele vai mudar o centro de gravidade? Não tem como. Eu já vi em Paulistinha, o cara do banco de trás se jogou para cima do banco da frente e aí você mudou o centro de gravidade, ele entrou em parafuso normal e depois o piloto comandou a saída.
Com gelo na asa, qual seria o a consequência para a aeronave?
Mas o que aconteceu? Quando começa acumular gelo no bordo de ataque, vai criar uma sombra sem vento nos comandos de voo. E aí você pode empurrar o comando para frente ou para trás que não atua nada porque ele desloca o bordo de ataque e em vez de as moléculas passarem rente à asa, elas vão passar por cima e por baixo sem atingir e aí o aileron, o flap o flap ficam no vácuo.
Ou seja, o piloto deixa de pilotar a aeronave e passa a ser passageiro?
Sim. Ele passa a ser passageiro. Ele só sairia do parafuso chato se ele conseguisse mudar o centro de gravidade, mas em uma aeronave dessa não dá tempo de mandar os passageiros todos irem para frente. Com a recuperação das duas caixas-pretas, essa dinâmica toda deve ficar clara. Só não sei se a leitura das caixas será aqui ou na França. A esta altura, a autoridade de voo francesa e o fabricante já devem ter enviado representantes para cá.