Boate Kiss: festa polêmica tem críticas e público reduzido
Festa ocorreu na madrugada desta quinta-feira e reuniu, inclusive, parentes de vítimas da tragédia na boate Kiss
Uma festa em Santa Maria marcada para o dia 27 de janeiro, exatos dois anos do incêndio na boate Kiss, que vitimou 242 pessoas, causou polêmica na cidade desde seu anúncio. Promovida em parceria pelo Muzeo Pub e pela associação Ah Muleke, fundada pelos pais de Vinícius Rosado, morto na tragédia de dois anos atrás, e por sua irmã, Jéssica, que também estava na boate na noite do sinistro mas conseguiu sair com vida, a festa foi iniciada após a meia-noite, portanto no dia 28, para desvincular os dois acontecimentos.
"A polêmica ocorreu porque a imprensa usou erroneamente o termo 'homenagem', nunca pensamos em fazer uma festa em homenagem às vítimas", garante Jéssica Rosado, de 26 anos. Ogier Rosado, pai de Jéssica e de Vinícius, é mais enfático: "cada um homenageia seus filhos da maneira que quiser", desabafou, justo no momento que um carro que passava em frente ao pub parou e seu motorista abriu o vidro para criticar, irônico: "Que baita dia para fazer uma festa hein!" O pai de Vinícius nem se dignou a responder. "Santa Maria é uma cidade jovem, tem 30 mil jovens morando aqui, eles tem que se divertir", avaliou. "E eu tenho que palmilhar entre um filho que perdi e uma filha que sobreviveu e precisa continuar sua vida", concluiu.
O proprietário do Muzeo Pub, Marcelo Guidolin, argumenta que teve o cuidado de entrar em contato com a associação Ah Muleke para fazer uma consulta sobre a pertinência de promover uma festa na data do aniversário da tragédia. Foi aí que surgiu a ideia de que a festa tivesse um caráter de conscientização e que seria obrigatório que todos os presentes estivessem vestidos de branco.
A polêmica criada, no entanto, fez com que o público da festa fosse reduzido. Entre os que compareceram - praticamente todos de branco - muitos disseram que quase desistiram de ir ao Muzeo com medo de sofrer represálias. Para além do momento de conscientização, muitos dos que foram à festa o fizeram com o sentimento de "a vida continua", como disse Aline Knackfuss, que esteve no Muzeo com amigas. "Não tem porque não ter festa", opina. A recepcionista Silvana Gonçalves, que foi à festa com a filha Thaís Cesar, de 16 anos, entende que sair para se divertir também é uma forma de homenagear as vítimas. "Assim como tem gente que vai celebrar em uma igreja, por que não celebrar em uma festa? Quem estava lá (na boate Kiss) gostava de festa e de se divertir", diz Silvana. "A justiça tem que ser feita é no tribunal, completou Silvana, que disse ter cogitado desistir de participar da festa por temer que houvesse represálias. "Vim pelo Ogi (apelido de Ogier Rosado)”.
Thaís conta que esteve na boate Kiss dois dias antes do incêndio e que só não foi na noite da tragédia porque participaria de um concurso de beleza na manhã seguinte. Para ela, após o ocorrido as casas noturnas estão mais seguras para se frequentar. Outra frequentadora da festa, a administradora Jacira Stangherlin, concorda que atualmente haja "um pouco mais de segurança". Sua amiga Crisitane Rodrigues, no entanto, relata que as pessoas não deixam de frequentar lugares que não tenham se adequado totalmente às novas exigências.
Com conhecimento de causa adquirido em sua atividade na associação Ah Muleke, Ogier acha que muito ainda precisa ser feito. "As pessoas estão brincando ainda", lamenta. Para ele, mais importante que o desfecho do processo apurar as responsabilidades do incêndio de 2013 é garantir que as casas noturnas se adequem às novas exigências de segurança. "Não queremos uma nova tragédia”, disse.
Além disso, metade da arrecadação da festa seria destinada a entidades assistenciais. Jéssica afirma que entre as atividades da associação está o projeto Festa Segura, no qual o grupo vai à casa noturna para verificar e cobrar o cumprimento das normas de segurança. "Todos querem justiça (em relação às responsabilidades sobre o incêndio da Kiss), mas optamos por trabalhos de voluntariado porque meu irmão sempre participou deste tipo de atividade", diz a jovem, para explicar a diferença do grupo para outras entidades de caráter mais reivindicatório criadas por parentes de vítimas.