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Caso Flordelis: os bastidores de um crime que chocou o Brasil

Reportagem especial destrincha assassinato do pastor Anderson do Carmo; Flordelis foi acusada pelo Ministério Público de ser a mandante do crime que já soma dez presos, incluindo oito pessoas da família

5 set 2020 - 22h06
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Uma rajada de tiros no meio da madrugada acordou boa parte da casa da missionária, cantora gospel e deputada federal Flordelis dos Santos, de 59 anos, na Rua Cruzeiro, onde normalmente dormiam mais de 30 pessoas. Habituados a descansar sob o som de confrontos nas redondezas de Pendotiba, bairro de Niterói, outros moradores só foram despertar mesmo com a gritaria e o corre-corre que tomaram conta do local na sequência.

Estirado no chão da garagem e ferido à bala, estava o pastor Anderson do Carmo de Souza, de 42 anos, marido, administrador da casa e principal mentor das carreiras artística e política de Flordelis. De barriga para cima e com o braço direito sobre a cabeça, o corpo vestia cueca e mais nada. Eram 3h30 do dia 16 de junho de 2019.

O casal que ganhou notoriedade por ter criado 55 filhos, a maioria adotivos, havia chegado há poucos minutos de uma noite de diversão. Flordelis subira direto para o quarto, onde ficou conversando com um neto, enquanto Anderson ficou de trocar os carros na garagem. Só teve tempo de tirar a roupa no closet quando foi surpreendido pelo atirador.

Estranhamente, o casal de golden retriever, Lelis e Niel, não latiu naquela noite. Batizados com os apelidos de Flordelis e Anderson, os animais costumavam fazer barulho ao avistar pessoas desconhecidas. Na casa, ninguém diz ter visto qualquer movimentação estranha no terreno, embora tenham encontrado o portão dos fundos aberto.

Um dos moradores tentou chamar a ambulância mas, com a voz chorosa e nervoso, não conseguia passar informações sobre o estado clínico de Anderson. Filho biológico da missionária e enteado da vítima, Flávio dos Santos Rodrigues, de 39 anos, foi quem assumiu a ligação.

Do outro lado da linha, o médico regulador do Centro Integrado de Comando e Controle (CICC) fazia plantão extra naquele sábado para domingo. À polícia, ele relatou que Flávio estaria "muito calmo", mas se recusou a verificar se Anderson ainda estava respirando: "Ele falou que não faria nenhum procedimento porque a vítima já estava em óbito".

A ambulância foi acionada com a classificação "despurg avançado", que significa prioridade máxima. Em meio àquela situação, outros filhos adotivos não quiseram esperar o resgate. Flávio ajudou a pôr Anderson em um carro e um grupo seguiu para o Hospital Niterói D'Or, a dez minutos de distância. Ainda assim não deu tempo.

Uma das primeiras crianças pegas pelo casal e hoje também pastor, Luan Santos, de 43 anos, recebeu autorização e foi levado por uma enfermeira até a sala da unidade onde estava o corpo do pai. Viu que havia marcas no tórax, braço, perna, mas decidiu parar de contar quando chegou a 14 perfurações. Menos da metade das 30 lesões constatadas depois pelo laudo necroscópico.

A perícia aponta que, na têmpora e nas costas, Anderson apresentava zonas de tatuagem - feridas características de tiro à queima-roupa. Também foram desferidos disparos na região da genitália, um dos motivos que leva o Ministério Público do Rio (MPE-RJ) a concluir que, além de não possibilitada defesa, o assassino se valeu de meio cruel para executar a vítima.

Ao voltar para a casa dos pais adotivos, Luan comentou sobre a grande quantidade de tiros com os presentes. Entretanto, Flávio teria interrompido: "Impossível ser 14. Foram sete".

Nem o argumento de que ele mesmo vira o corpo e que, curiosamente, as feridas eram afiladas - pareciam até feitas por golpes de faca - demoveu o irmão adotivo, conta Luan. "É assim mesmo, porque é 9 milímetros. A bala é fina mesmo, mas é potente. Ela entra e sai."

Mais tarde, uma pistola do mesmo calibre mencionado, modelo TPR9 da marca Bersa, com a numeração raspada no ferrolho e na face direita da armação, seria encontrada pela polícia no armário de Flávio. Junto com a arma, havia um acessório de mira óptica.

Dois dias depois do crime, perícia foi realizada na casa do casal
Dois dias depois do crime, perícia foi realizada na casa do casal
Foto: Reprodução/Polícia Civil / Estadão

Na casa, os investigadores também se depararam com objetos queimados no quintal e cobertores com mancha de sangue. Os celulares da vítima e de Flávio, no entanto, nunca foram encontrados. Acusado de ser o executor do assassinato, ele seria preso durante o velório do padrasto, no dia seguinte, e hoje é réu no processo por homicídio qualificado.

Polícia Civil e promotoria acreditam, ainda, que ao menos outros oito integrantes da família tiveram participação na morte do pastor Anderson, seja ajudando a orquestrar o plano ou a dificultar as investigações. Entre os acusados, só a pessoa apontada como a mandante da ação segue em liberdade: a própria Flordelis, beneficiada pela imunidade parlamentar. Ela alega inocência.

O Estadão teve acesso a relatório final da Polícia Civil, duas denúncias oferecidas pela promotoria, além de depoimentos juntados aos autos do processo e conta nesta reportagem especial o passo a passo da investigação e detalhes do crime.

A história narrada nos documentos contraria o histórico de boa pastora da deputada federal e sugere uma trama nada cristã, que envolve disputa por dinheiro, interesses políticos e até suspeitas de abuso sexual.

Estadão
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