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Cerca de 1 milhão de paulistanos vivem em casas superlotadas

Dados do IBGE mostram que 8,3% da população da cidade de São Paulo divide dormitório com pelo menos três pessoas, o que dificulta medidas de isolamento em caso de coronavírus

28 mar 2020 - 09h50
(atualizado às 10h09)
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Em São Paulo, pouco mais de um milhão de pessoas moram em locais superlotados, com mais de três pessoas por dormitório. Isso dificulta a implementação de medidas de isolamento para pacientes diagnosticados com a covid-19 e deve acelerar a transmissão do novo coronavírus nesses lugares. Os dados foram compilados pelo Estado com base na Síntese de Indicadores Sociais (SIS) do IBGE e referem-se a 2018.

Avenidas vazias em São Paulo, que está em quarentena
24/03/2020
REUTERS/Leonardo Benassatto
Avenidas vazias em São Paulo, que está em quarentena 24/03/2020 REUTERS/Leonardo Benassatto
Foto: Reuters

A média de adensamento populacional da cidade, que tem 8,3% da população vivendo nessas condições, é bem mais alta que a do Brasil, que é de 5,6%. Em números absolutos, 11,6 milhões de brasileiros dividem o quarto com pelo menos três pessoas.

O excesso de pessoas na residência é uma barreira ao isolamento, uma das principais recomendações das autoridades médicas para conter a pandemia da covid-19. O infectologista Jamal Suleiman, do Instituto Emílio Ribas, explica que quando alguém é infectado pelo vírus deve preferencialmente restringir sua circulação dentro da própria casa, o que significa permanecer em um cômodo isolado. "A higienização do espaço deve ser feita pelo próprio paciente ou, quando não houver essa possibilidade, sob demanda", diz.

Na casa de Suderlene da Cruz, 42, é praticamente impossível adotar medidas de isolamento. Ela divide a casa de três cômodos - sala, cozinha e um quarto com banheiro - com o marido e dois filhos. Antes já foi pior, confessa. A pequena residência na Vila Nova Cachoeirinha, zona norte de São Paulo, já abrigou outros três filhos, além dos quatro atuais moradores.

Um lençol divide o único quarto da residência ao meio. De um lado, dormem Suderlene e o marido, Advaldo Rosa, de 46 anos. Do outro, a filha mais nova, Jhessy Keith, de 15 anos. O filho Jefferson Kelvin, de 20, dorme na sala. O banheiro da casa fica junto ao quarto. "Não dá para isolar ninguém em um lugar só, senão alguém fica sem banheiro", conta Suderlene.

Na casa de Francisco Chaves Filho, de 57 anos, o problema se repete. O morador de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, divide a casa com três filhos e quatro netos. A residência tem apenas três cômodos: dormitório, banheiro e uma cozinha que serve também de sala. "Ficamos todos um pertinho do outro. Não dá para fazer nada", conta Francisco, referindo-se à quarentena.

Neste caso, quando medidas de isolamento são inviáveis, a recomendação do especialista em caso de suspeita ou confirmação de infecção por coronavírus é reforçar a higiene. "Superfícies, banheiros e pisos devem receber uma solução de água sanitária com água na proporção um para oito. Essas pessoas também não devem compartilhar objetos de uso pessoal", aconselha Suleiman.

Ele afirma que o vaso sanitário também deve ser limpo cuidadosamente com a solução de água sanitária e que lavar as mãos é de extrema relevância.

A família de Suderlene já aumentou os cuidados com a limpeza e segue as recomendações que vê nos jornais. Quando o filho e o marido chegam do trabalho, lavam as mãos antes mesmo de entrar em casa. Para isso, o tanque localizado na parte externa da residência já está preparado com sabão e álcool - o líquido, porque álcool em gel é considerado item de luxo.

Para Francisco, a situação é bem mais complicada. Com a família inteira desempregada, não sobra dinheiro para comprar sabão e muito menos álcool em gel. Muitas vezes a higiene é feita só com água e em outros momentos até isso falta. "Tem vezes que ficamos um dia inteiro sem água na torneira", conta.

Com tantas dificuldades para conter a disseminação do vírus, o jeito é mantê-lo afastado. A forma mais eficaz que as famílias de Suderlene e Francisco encontraram para fazer isso é alterar um pouco a rotina e evitar ao máximo sair de casa. Uma pesquisa do instituto Data Favela divulgada nesta semana mostra que 97% dos moradores de áreas mais pobres já mudaram o cotidiano por causa do vírus.

Suderlene, o marido e os filhos restringiram os passeios e saem apenas quando é necessário. "Faz duas semanas que não coloco o pé para fora do portão", diz. Para ela, que vive de faxinas diárias e não tem carteira assinada, isso significa ficar sem salário. Desde que as recomendações para permanecer em casa se intensificaram, as patroas dispensaram o trabalho da diarista, suspendendo também o pagamento.

Advaldo, que é porteiro, segue trabalhando, pois seu serviço é considerado essencial. Suderlene revela que tem medo de ele contrair o vírus no emprego ou no trajeto entre o local de trabalho e a casa da família.

Outra coisa que tira seu sono é a incerteza em relação ao salário do marido. "Já falaram que talvez ele não receba no fim do mês porque o pessoal não está querendo pagar a taxa do condomínio", conta. Seu coração também aperta quando vê o filho Jefferson saindo para trabalhar. "Fico apavorada porque ele só tem 20 anos", afirma.

Na casa de Francisco, o vírus também trouxe desemprego. Uma de suas filhas, que trabalhava com organização de festas, foi dispensada porque já não se fazem mais eventos. "Estamos todos parados, não tem ninguém recebendo. Assim fica difícil de combater essa praga", fala.

Nas favelas, o desemprego amedronta mais que o vírus

Sem saber como pagarão as contas e até quando terão comida na mesa, gastos com material de proteção, como máscaras, não cabem no orçamento de muitas famílias que vivem de trabalho informal. O uso do equipamento é recomendado por Jamal Suleiman a pessoas que vivem em locais onde não há estrutura para cumprir o isolamento. "A máscara deve ser fornecida pelos serviços de saúde", aponta o infectologista.

A pesquisa do Data Favela mostra que 55% dos moradores desses locais são trabalhadores informais ou empregados sem carteira assinada. Três em cada quatro estão muito preocupados com o efeito que o coronavírus terá na sua renda.

"Se essas pessoas não trabalham, elas não comem. Ou você morre de fome ou leva o vírus para casa. É nesse momento que a desigualdade social dá um salto", comenta Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas (Cufa).

Suleiman também se preocupa com a situação de famílias como as de Suderlene e Francisco, principalmente quando vê o coronavírus surgir e se espalhar nesses locais. "É fundamental a oferta de insumos para essas pessoas", afirma.

Estadão
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