Cidade de SP tem mês com mais estupros desde 2012
Ocorrências subiram 23,8% no último mês, com mais de três casos por dia; SSP diz que tem 'concentrado esforços para combater todas as modalidades criminosas no Estado e capital'
A cidade de São Paulo registrou em outubro deste ano o maior número de estupros contabilizados em um só mês desde 2012, com mais de três casos por dia, segundo levantamento feito pelo Estadão com base em dados atualizados nesta sexta-feira, 29, pela Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP).
- Foram 317 ocorrências de estupro notificadas no último mês, ante 256 no mesmo período do ano passado, o que representa uma alta de 23,8% na quantidade de casos;
- A variação destoa do que vinha sendo observado em meses anteriores. De janeiro a outubro, os registros de estupro subiram somente 0,16%: foram de 2.528 para 2.532;
- Especialistas apontam que altas pontuais podem ter relação com possíveis represamentos de dados ou com campanhas contra subnotificação, mas reforçam que o crescimento liga o alerta para, no mínimo, uma investigação quanto a um avanço ainda maior desse crime.
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que se mantém "atenta à variação dos indicadores criminais e tem concentrado esforços para combater todas as modalidades criminosas no Estado e capital, incluindo os casos de estupro, que muitas vezes ocorrem em uma dinâmica familiar que dificulta não só a prevenção por parte da polícia, mas a denúncia por parte da vítima".
A pasta disse ainda que tem desenvolvido campanhas para as vítimas denunciarem os agressores e lançado mais canais para comunicação deste tipo de crime, que funcionam 24h por dia.
"A atual gestão ampliou em mais de 80% as salas de Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) para atendimento por videoconferência em plantões policiais, contando hoje com 143 unidades, além de outras 141 DDMs territoriais e a DDM Online para o registro de ocorrências e solicitação de medidas protetivas", disse a secretaria, em nota enviada à reportagem (mais abaixo).
"A alta nesse tipo de registro nunca pode ser associada a um único fator, o que a gente tem acompanhado nos últimos anos é um aumento de todos os indicadores de violências contra mulheres", afirma Juliana Martins, coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Ela reforça que, diferentemente de outros tipos de crimes, no caso da violência contra a mulher a maior parte dos agressores são pessoas que tiveram algum tipo de relação com os alvos.
Entre os 317 casos de estupro contabilizados em outubro deste ano, 226 ocorrências têm pessoas vulneráveis como vítimas. "São crianças ou pessoas que não tinham condição de consentir, o que torna muito mais complexo identificar essa violência, pedir ajuda", disse a pesquisadora.
Conforme os dados oficiais, a última vez que São Paulo teve um patamar tão elevado de estupros em um só mês foi em outubro de 2012, quando foram registrados 329 casos. Além disso, desde março do ano passado a capital paulista não superava a marca de 300 ocorrências em um só mês.
"A alta de notificações chama atenção, mas é importante tentar entender esse registro, se isso não estava sendo represado de algum forma ou se não houve algum erro", afirma o pesquisador Rafael Rocha, coordenador de projetos do Instituto da Paz.
Ele reforça que o estupro é um dos crimes mais sensíveis à chamada subnotificação, até por muitas das vítimas serem vulneráveis, mas afirma que esse indicador não costuma variar tanto de um mês para o outro a ponto de justificar uma alta tão grande.
Quando se leva em conta os números de todo o Estado, os estupros saltaram 15,4%: foram de 1.267 casos, em outubro do ano passado, para 1.462, no último mês. De janeiro a outubro, houve alta de 1,99%, com mais de 12,3 mil ocorrências notificadas.
Pesquisadores apontam que, por conta de o estupro ser um crime cometido dentro de casa, ações ostensivas mostram-se insuficientes. "A polícia sozinha não consegue resolver, ela no máximo chega depois que essa violência já aconteceu", afirma Juliana. "Políticas integradas podem, de alguma maneira, tentar romper esse ciclo de violência."
A Secretaria da Segurança Pública afirmou que, além das medidas já mencionadas mais acima, lançou, em março de 2024, o aplicativo SP Mulher Segura, que reúne funcionalidades para facilitar o registro de ocorrências e o acionamento da Polícia Militar em um único lugar.
"A ferramenta disponibiliza um botão do pânico para o acionamento do socorro em caso de necessidade e traz uma função inédita para monitorar agressores de mulheres por georreferenciamento. Além disso, possibilita o registro do boletim de ocorrência no próprio celular, dispensando a necessidade da vítima ir até uma DDM", afirmou a pasta.
Ainda segundo a secretaria, as delegacias especializadas estão integradas em outras esferas governamentais, além de participar de operações nacionais e manter parcerias com a Secretaria de Políticas para a Mulher, que tem, entre suas ações, o protocolo "Não se cale".
"Todas essas iniciativas integram o movimento SP Por Todas, promovido pelo governo do Estado de São Paulo para ampliar a visibilidade das políticas públicas para mulheres, bem como a rede de proteção, acolhimento e autonomia profissional e financeira que viabiliza serviços exclusivos para elas", acrescentou a secretaria.
Estupros bateram recorde no último ano no Brasil
Como mostrou o Estadão neste ano, um caso de estupro é registrado a cada seis minutos no Brasil, segundo dados divulgados em julho pelo Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ao todo, 83.988 ocorrências foram contabilizadas em 2023, ante 78.887 no ano anterior. A taxa do crime para cada 100 mil habitantes saltou 6,5%: foi de 38,8 para 41,4.
Três de quatro casos (76,48%) correspondem a estupros de vulneráveis, quando as vítimas têm menos de 14 anos ou são incapazes de consentir. Na maioria das vezes, os agressores são familiares ou conhecidos (84,7%), que cometem a violação dentro das próprias casas das vítimas (61,7%).
Em linhas gerais, praticamente todas as modalidades de violência contra a mulher cresceram em 2023, segundo o Anuário. A taxa de feminicídios saltou 0,8%, enquanto a de importunação sexual, por exemplo, aumentou 48,7%. Como reflexo disso, a concessão de medidas protetivas de urgência cresceu consideravelmente (26,7%).
Em nota enviada à reportagem do Estadão na época, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que, em 2023, o Fundo Nacional de Segurança Pública repassou aos Estados R$ 107 milhões para ações de enfrentamento à violência contra a mulher. Neste ano, seriam R$ 108 milhões.
"Em parceria com o Ministério das Mulheres, foram investidos R$ 450 milhões para a construção de 40 Casas da Mulher Brasileira (CMB). Além disso, por meio do Fundo Nacional de Segurança Pública, foram doadas 260 viaturas para Delegacias da Mulher e Patrulhas Maria da Penha dos 26 Estados e do DF, no valor de R$ 33,5 milhões", afirmou a pasta.
O ministério afirmou ainda que, desde o início do ano passado, estava intensificando a parceria com Estados e o DF para ações de combate à violência contra a mulher. "Em março deste ano, por exemplo, a Operação Átria, que visa o combate à violência contra a mulher em razão do gênero, resultou em um aumento de 63% nos atendimentos às mulheres, com 129,9 mil registros em março de 2024, contra 79,5 mil no mesmo período em 2023."
Homicídios, roubos e furtos caíram em outubro em SP
Na contramão da alta de estupros, crimes como homicídios, roubos e furtos apresentaram queda na capital em outubro deste ano. Já os latrocínios, que têm chamado atenção por altas sucessivas ao longo do ano, mantiveram-se em patamar igual ao de outubro do ano passado.
Em relação aos homicídios, foram contabilizados 40 casos em outubro deste ano em São Paulo, diminuição de 14,9% na comparação com igual período no ano passado.
Os casos de roubo, por sua vez, foram de 11.267, em outubro do ano passado, para 9.496, no último mês, o que representa uma queda de 15,7%. Já os furtos caíram 1,3%: foram de 21.438 para 21.154.
No caso dos latrocínios, que são os roubos seguidos de morte, houve estabilização nos indicadores, com dois casos registrados tanto em outubro do ano passado quanto no mesmo mês deste ano.
Quando se leva em conta o número total de latrocínios no ano, porém, há uma alta expressiva na capital paulista: foram 45 casos de janeiro a outubro, alta de 36,4% ante o mesmo recorte do ano passado (33).
O mês de setembro, por exemplo, ficou marcado pela morte do delegado de classe especial Mauro Guimarães Soares, de 59 anos, que foi baleado no peito durante uma tentativa de assalto na Rua Caio Graco, na Vila Romana, zona oeste da cidade.
Ele foi abordado quando caminhava com a esposa, também delegada. De acordo com a SSP, o caso foi investigado pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), que relatou o inquérito policial à Justiça após a prisão de três suspeitos de envolvimento no crime.
A Secretaria da Segurança Pública afirmou que, em outubro, os esforços das forças de segurança para combater a criminalidade permitiram à capital registrar os menores números em 24 anos de casos e vítimas de homicídios dolosos.
"Os latrocínios, apesar de estáveis, tiveram a menor quantidade desde 2001, enquanto os roubos, que são crimes cometidos sob violência e podem ter como consequência morte, caíram 15,7% no mês e 13,5% no acumulado. Seguindo a tendência, os furtos em geral também recuaram na análise mensal e dos dez primeiros meses. As quedas foram de 1,3% e 3,8%, respectivamente", afirmou.
Conforme a secretaria, os resultados foram obtidos por meio do reforço no efetivo e investimentos para melhor equipar as polícias, "aliando também tecnologia e inteligência às atividades policiais, o que permitiu, no mês passado, aumentar em mais de 80% a quantidade de armas ilegais retiradas das mãos de criminosos e prender/apreender cerca de 3,4 mil infratores".