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Cracolândia: Usuários de drogas se espalham pelo centro de SP; medo faz comércio fechar mais cedo

Após ação policial que esvaziou a Praça Princesa Isabel, minicracolândias foram formadas em bairros como Campos Elísios, Santa Cecília, Santa Ifigênia e Bom Retiro

12 mai 2022 - 19h49
(atualizado às 22h59)
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A dispersão dos dependentes químicos para outros pontos da região central após operação policial contra o tráfico de drogas na Praça Princesa Isabel aumentou a sensação de insegurança de moradores e comerciantes. Lojistas trabalham só com meia porta aberta ou fazem horários alternativos com medo de saques e assaltos. Moradores temem espalhamento maior ou o retorno do tráfico de drogas.

Ao percorrer ruas dos bairros da Luz, Campos Elísios, Santa Cecília, Santa Ifigênia e Bom Retiro, o Estadão constatou que o chamado fluxo, grande concentração de usuários e traficantes, se dividiu em minicracolândias pelo centro da cidade. É um espalhamento que vai desde a região da Santa Ifigênia até Higienópolis. Os novos endereços já recebiam grupos menores e ganharam volume. Também não são fixos e mudam constantemente ao longo do dia.

Durante a madrugada, cerca de 200 pessoas ocuparam a esquina das ruas do Triunfo e Gusmões, endereço de dependentes químicos há duas décadas no bairro de Santa Ifigênia. Os vizinhos contam que eles só se dispersaram por causa da ação da polícia no início da manhã. As equipes de zeladoria lavaram as ruas. Não houve confrontos.

O proprietário de uma loja de aparelhos de som que não quer se identificar relata um acordo entre a segurança privada e os traficantes que garante a liberação das ruas em horário comercial. Na região, não há fluxo durante o dia. Mesmo assim, lojistas alteraram o horário de funcionamento para evitar assaltos e roubos. "Eu abro das 10h às 17h por insegurança. Quando chego mais cedo, eu encontro as pessoas dormindo ou usando drogas na porta da loja", diz o dono de uma loja de equipamentos de informática na Rua Triunfo.

Aldo Macri, vice-presidente do Sindicato do Comércio Varejista e Lojista de São Paulo, reconhece que muitos estabelecimentos fazem horários alternativos do centro, mas não há uma determinação do sindicato nesse sentido. Ele próprio adota essa prática em sua loja de uniformes na Avenida Tiradentes. "É uma questão de segurança para os lojistas e trabalhadores".

Mesmo sem o fluxo, a venda de drogas continua. A dinâmica, no entanto, mudou. Para evitar aglomerações, que chamam a atenção da polícia, os traficantes circulam com maior frequência. O Estadão flagrou o comércio por volta das 11h na rua Gusmões, mesmo com a ronda dos policiais.

Comerciantes abrem só meia porta e já têm prejuízos

Durante o dia, um dos pontos com maior concentração de usuários foi na rua Helvétia com a Barão de Campinas. Vizinhos contam que o local, outro tradicional ponto de uso de drogas, aumentou de tamanho nos últimos dias. Nesta quinta-feira, por volta das 12h, eram cerca de 150 pessoas, cinco vezes mais que o habitual. Ainda de acordo com quem vive e mora na região, os traficantes proibiram assaltos.

A concentração fica ao lado da oficina mecânica do número 975. Quando eram poucos usuários de drogas, o proprietário deixava apenas meia porta aberta. Agora, com mais gente circulando em torno das drogas, ele baixou a porta ainda mais. Ela só é aberta para receber os carros. "É uma sensação de insegurança constante". O fluxo trouxe prejuízos para o restaurante de dona Helena, a cerca de 200 metros dali. Num dia normal, ela vendia 50 almoços; nesta quinta-feira, foram 15. "É uma situação parecida com a pandemia, quando ninguém entrava", conta a comerciante.

Não é só a migração dos grupos que muda a paisagem urbana. O centro da cidade também observa mais dependentes químicos vagando sozinhos pelas ruas. Na rua Helvétia ou na Avenida Duque de Caxias, eles têm o mesmo andar lento da falta de destino, às vezes vão e voltam pela mesma calçada. Em geral, carregam sacos de lixo com poucas roupas ou cobertores nas costas. Quase sempre estão descalços.

Sensação de insegurança em três locais diferentes

A movimentação aumenta a sensação de insegurança em vários pontos da cidade. Segundo um morador dos Campos Elísios, um grupo de 50 pessoas tentou invadir o Sacolão Campos Elíseos, na Alameda Eduardo Prado, na noite de quarta-feira. Os comerciantes fecharam as portas e a polícia chegou. Ninguém ficou ferido, não houve danos.

Mesmo na Praça Princesa Isabel, de onde foram retiradas as barracas que, segundo a polícia, encobriram a venda de drogas, moradores ainda têm receio de se identificar ou de comentar o momento em que vivem. Conceição, que só diz o primeiro nome, afirma que só sai sem o telefone celular depois de cinco furtos nos últimos anos. "Quando a polícia for embora, eles voltam", prevê a aposentada de 74 anos que vive há 50 na região.

Nesta quinta-feira, a praça permanecia com policiamento ostensivo. Parte dos 16 mil metros está protegida por grades; a outra parte já está em obras para recuperação do gramado. Mas ainda existem usuários na Avenida Duque de Caxias, do outro lado da praça. "Se eles ficarem muito violentos, a gente fecha. Se tem movimentação da polícia, a gente fecha também", disse o atendente de lanchonete André Pereira, de 36 anos.

Na região da Luz, endereço da antiga Cracolândia, líderes comunitários pressionam a Prefeitura para a realização de obras que inviabilizem o retorno do tráfico. Eles receberam a promessa da construção de um cachorródromo, academia de ginástica e pista de skate dentro de 90 dias. O corretor de seguros Macxsuel Carvalho, de 48 anos, que vive há 7 meses perto da estação Júlio Prestes, tem receio que o fluxo volte após o período eleitoral.

A possibilidade de espalhamento é ainda mais preocupante para regiões que nunca conviveram de perto com a cracolândia. "É evidente que o ambiente de dependência química favorece práticas criminosas, mas não há uma relação direta. A gente espera que a ação seja efetiva. Ela é positiva pela segurança, mas também representa uma oportunidade única para a abordagem de saúde e assistência social", afirma Fabio Fortes, ex-presidente do Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) de Higienópolis e Santa Cecília

Fortes lembra a recorrência do combate ao tráfico de drogas na cidade ao se recordar de uma entrevista concedida ao Estadão em 2012 quando comentava o aumento do número de usuários de crack no centro, nas ruas Apa e das Palmeiras. "Eu só acrescentaria a Alameda Nothmann, Praça Marechal Deodoro e Avenida São João", diz.

A dispersão dos usuários provoca pequenos conflitos com a população em situação de rua. Desentendimentos que já haviam ocorrido na Praça Princesa Isabel, que recebia famílias que haviam perdido emprego e renda na pandemia e, por isso, recorriam às barracas de camping como moradia provisória, também aconteceram na Praça Marechal Deodoro, outro foco dos usuários. Ali já existem várias barracas instaladas. Em geral, as famílias condenam o uso de drogas na frente das crianças. Por isso, esses grupos costumam ocupar lugares distintos. Um funcionário de uma livraria do local conta que alguns moradores tentaram impedir a chegada do fluxo nesta quinta-feira. Não houve conflito, mas a polícia interveio e impediu a fixação dos dependentes químicos.

A Prefeitura afirma que vai continuar monitorando as regiões onde os usuários e traficantes estão tentando se instalar para evitar a formação de novas aglomerações com a ajuda do policiamento. "É um trabalho contínuo e persistente. O desafio é continuar evitando a formação de aglomerações. A Cracolândia não acabou", diz Alexis Vargas, secretário executivo de Projetos Estratégicos da Prefeitura de São Paulo.

Avança projeto que prevê cercamento de praça

A Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa (CCJ) da Câmara Municipal de São Paulo aprovou parecer de legalidade que prevê a transformação da Praça Princesa Isabel em um parque municipal. O projeto de lei, de autoria do vereador Fabio Riva (PSDB), ganhou centralidade no debate político após a polícia dispersar na quarta-feira centenas de pessoas que estavam formando a Nova Cracolândia na região. A prefeitura já manifestou sua intenção de fazer a mudança, o que permitirá cercar a praça, controlando o acesso ao local.

Riva explicou que o projeto foi sugerido em um momento que a transformação do centro estava na pauta de moradores e comerciantes. O próximo passo deverá ser a convocação de uma Audiência Pública para discutir a proposta.

Estadão
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