Curitiba corre o risco de sofrer com inundações como as no Rio Grande do Sul? Especialistas opinam
E se o cenário de chuvas no Rio Grande do Sul acontecesse em Curitiba?
Foram mais de 800 milímetros de água acumulada nos últimos dias em alguns municípios do Rio Grande do Sul (RS), segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). O número é quase oito vezes maior que o esperado para todo o mês de maio na região, de acordo com as médias históricas. E se este cenário de chuvas acontecesse em Curitiba? A Banda B conversou com especialistas para entender se a capital paranaense conseguiria lidar com essa quantidade de água e evitar os estragos como os que estamos vendo no estado gaúcho.
A resposta entre os especialistas consultados pela reportagem é unânime: dificilmente.
A arquiteta e urbanista pela UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) e mestre e doutoranda em gestão urbana pela PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), Laís Leão, afirmou à Banda B acreditar que nenhum lugar do mundo está preparado hoje para receber o volume de chuvas que atingiu o RS.
"Curitiba tem algumas políticas de muitas décadas de contenção de alagamentos que são interesssantes, mas o problema é que todos os cálculos que foram feitos sobre escoamento de água levam em conta números de uma realidade muito diferente da que vivemos hoje. O fato é que estamos encarando hoje uma crise climática fruto da ação do próprio ser humano na natureza. Curitiba se tornou uma cidade muito impermeável, absolutamente pavimentada"
- Laís Leão, mestre e doutoranda em gestão urbana pela PUCPR
Para Leão, a flexibilização da legislação sobre preservação de áreas verdes e diminuição do ritmo de construção desses espaços comparado com antigamente são outras facetas do problema.
Parque Barigui
A doutoranda em gestão urbana acredita que a capital paranaense tem políticas públicas que funcionam, mas que precisam ser melhoradas. O redimensionamento de bueiros e de áreas feitas para a contenção das chuvas seria uma das soluções.
"O Parque Barigui, que foi desenhado para ser uma área de contensão de cheias, às vezes já não dá conta quando chove. Há bairros em Curitiba onde não existe essa infraestrutura de parques e praças. O próprio centro da cidade com aquela canalização de rios, de galerias, que resolveu o problema por um certo tempo, hoje é uma estrutura obsoleta"
- Laís Leão, mestre e doutoranda em gestão urbana pela PUCPR
Curitiba x Porto Alegre
Em comparação com Porto Alegre (PA), a capital gaúcha, Curitiba teria algumas vantagens, ainda de acordo com Laís Leão.
"A situação geográfica de PA é muito diferente da de Curitiba. PA fica em uma planície, no nível do mar. Curitiba é uma cidade muito mais alta, existe um escoamento natural que permite que a água escorra muito mais rapidamente".
- Laís Leão, mestre e doutoranda em gestão urbana pela PUCPR
Para outro especialista ouvido pela Banda B, Renato de Lima, diretor do Cenacid (Centro de Apoio Científico em Desastres) da UFPR (Universidade Federal do Paraná), a comparação entre as duas capitais não é simples.
"Cada cidade tem uma condição particular, não é uma comparação simples. Sâo diferentes tipos de rocha que geram diferentes tipos de solo. E cada solo tem um determinado índice de permeabilidade. As posições nas bacias hidrográficas são diferentes. As próprias medidas de enfrentamento do problema precisam ser adaptadas para cada arcabouço geológico"
- Renato de Lima, diretor do Cenacid
Pontos positivos e negativos
O diretor do Cenacid também acredita que Curitiba sofreria caso se deparasse com um cenário de chuvas como o do RS. Ele também citou como pontos positivos os parques e áreas de proteção ambiental da região, mas chamou a atenção para as extensas áreas urbanizadas e "impermeáveis".
"Existem porções da cidade impermeáveis, que estão totalmente urbanizadas, e isso em algum momento pode ser alcançado por inundações de eventos extremos. Seria muito otimismo imaginar que nós poderíamos enfrentar um conjunto de períodos de chuva de longa duração e de grande intensidade"
- Renato de Lima, diretor do Cenacid
Lima defende que para diminuir o risco de inundações, Curitiba precisa ir além de uma simples revisão do sistema de drenagem. A solução passa pelo desenvolvimento de um sistema de "adaptação aos extremos do clima".
"O caminho é longo para que possamos oferecer um maior nível de segurança para a nossa cidade. Precisamos encontrar uma forma de permeabilizar o solo, uma nova forma de estilo construtivo… É um caminho que passa pela preparação da sociedade, da comunidade para eventos desse tipo. Passa pela estruturação dos órgãos municipais e estaduais envolvidos na prevenção e na resposta a essas situações"
- Renato de Lima, diretor do Cenacid
Obras
No momento, Curitiba tem obras em andamento para expandir a capacidade de escoamento da água e evitar alagamentos. Um novo canal em forma de "U" está sendo implementado no Rio Vila Formosa, na Rua Aristides Borsato, no bairro Fazendinha
Com extensão de 428 metros, a super estrutura de macrodrenagem está sendo instalada entre as ruas João Bettega e Edivino Antônio Deboni. A intervenção faz parte de um pacote de investimento do município, na ordem de R$ 110 milhões, em obras de macrodrenagem nos bairros.
Os trabalhos começaram em fevereiro, a partir do programa Curitiba Contra Cheias, coordenado pela Secretaria Municipal de Obras Públicas (Smop), que reúne investimentos, infraestrutura e ações preventivas para prevenir enchentes e minimizar os impactos das fortes chuvas.
Até o momento mais de 69 metros de canal já foram implantados e a previsão é de que toda a estrutura seja finalizada em setembro, dependendo das condições climáticas.