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Da Turquia a São Paulo, geração Y vai às ruas

19 jun 2013 - 09h38
(atualizado em 21/6/2013 às 16h21)
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Milhares de pessoas protestam no Rio de Janeiro na noite de segunda-feira; manifestação foi convocada pelas redes sociais
Milhares de pessoas protestam no Rio de Janeiro na noite de segunda-feira; manifestação foi convocada pelas redes sociais
Foto: AP

Pela primeira vez, a geração Y, jovens nativos da Era Digital, se tornam protagonistas de manifestações no Brasil e em todo mundo. Movimentos nascidos nas redes sociais, que se dizem apartidários, ganham as ruas dando vozes a insatisfações generalizadas, diversificadas, e assustam as autoridades, que são pegas entre tentar reprimir violentamente os protestos e tentar entender o que há por trás deles e qual alternativa se propõe. O Terra ouviu analistas para entender o que move estes movimentos e como eles afetam o que até então se entendia como fazer política.

Gil Giardelli, especialista em redes sociais e professor das universidades ESPM e FIA-SP, afirma que os protestos que tomaram conta das ruas brasileiras são uma evolução do comportamento do usuário da internet. Primeiramente, eram compartilhadas fotos de pratos de comida, de animais, e em um segundo momento ocorre um compartilhamento do debate político. "O que aconteceu nos últimos dias é uma nova fase de amadurecimento dessa sociedade em rede que sai de uma grande infância", diz Giardelli. "Você pode usar as mídias sociais para compartilhar foto de prato de comida, mas também pode usar para mudar o seu mundo".

Da Turquia a São Paulo, de Wall Street a Porto Alegre

É difícil datar o início das mobilizações que saíram da internet para tomar conta das ruas, mas pode-se marcar a virada da primeira década deste século como um marco da eclosão de movimentos como Primavera Árabe, Occupy Wall Street, os Indignados na Espanha, entre outros. Mais recentemente, os movimentos na Turquia e no Brasil.

No Brasil, pode se traçar um ponto inicial para as atuais manifestações nos atos de Porto Alegre, em março, contra o aumento das tarifas de ônibus de R$ 2,85 para R$ 3,05, que culminaram com a suspensão temporária da elevação. No início de junho, novos protestos contra o preço do transporte público, dessa vez em São Paulo, ganharam grande notoriedade e se espalharam pelo País, crescendo à medida que iam incorporando causas que iam além da redução da tarifa. "Não é por 0,20 centavos, é por direitos", diz a frase que se tornou um clássico instantâneo nas redes sociais nas últimas semanas. 

Para Marcelo Branco, ativista do software livre e ex-coordenador de mídias sociais da campanha da presidente Dilma Rousseff,  estes movimentos têm como características comuns o fato de partirem de uma causa inicial, atraírem milhares de pessoas e não terem a intermediação de um partido ou de um sindicato, que normalmente comandavam as mobilizações sociais. "É grande novidade política desse século", diz.

O professor Eduardo Svartman, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), vê outra característica comum entre os protestos no Brasil, na Turquia ou nos Estados Unidos, o fato de que são causas com origem na classe média. "Na Turquia, foi para a rua uma classe média instruída, secular, liberal e contrária a concentração de poder na figura do primeiro-ministro e à islamização do estado laico", diz.

Svartman diz que nos Estados Unidos os protestos foram contra o modelo econômico e o empobrecimento da classe média, enquanto a parcela mais rica da população, os chamados 1%, continuavam a ser premiados com descontos nos impostos. Já no Brasil, segundo ele, a crítica é feita contra a forma como o gasto público é feito, contra a qualidade dos serviços públicos, uma crítica à corrupção. "O que há de semelhante são as técnicas e as formas de mobilizar".

Multiplicidade de causas

Apesar de diferentes, o que se vê nas redes sociais é que cada nova manifestação em um novo ponto do planeta se apropria de elementos e dialoga com marchas anteriores. A máscara de Guy Fawks, do filme V de Vingança, é um elemento popularizado nos protestos contra Wall Street que poder ser visto na Praça Taksim, em Istambul, e na Praça da Sé, em São Paulo. Da mesma forma, causas locais, viram bandeiras globais, e múltiplas reivindicações, aparentemente contraditórias, dividem o mesmo espaço.

Giardelli afirma as manifestações precisam ser vistas sob a ótica da Era Digital e que não há nada de errado em marchas que aglutinam múltiplas causas. "As pessoas têm mapas mentais do passado", diz Giardelli. "Eu posso marchar hoje à noite contra o maltrato de animais. Você pode marchar a favor do aborto. Outro a favor de plantar mais árvores. Esse é o legal da sociedade de rede".

A multiplicidade das causas, então, não seria um ponto negativo e com potencial para enfraquecer as manifestações, mas denotariam a vontade de construir um País melhor a longo prazo. "Não podemos ser a contra a pauta de reinvindicações porque ela tem 20, 30, 50 itens", diz Branco. "Se tu fores olhar, todos os itens dessa pauta são legítimos. São itens que todos nós, sendo de esquerda ou de direita, queremos que sejam resolvidos".

"As pessoas dizem que tem que haver uma única agenda. Não é assim. A grande agenda é a discussão sobre qual é o Brasil queremos", diz Giardelli.

Resposta do governo

Para Svartman, a resposta do governo aos protestos, quando vier, precisará levar em conta o fato de se dirigirem da mesma forma ao governo federal e representantes municipais e estaduais de diferentes legendas. "Os partidos são atingidos transversalmente. Todos têm um telhado de vidro nesse aspecto", diz Svartman.

Para Branco, quando as redes sociais se mobilizam sobre diversas causas e levam estes questionamentos às autoridades, não encontram nos perfis e contas oficiais uma resposta adequada, pelo contrário, a comunicação oficial é feita sem diálogo, de cima para baixo. "Fazer política 2.0 de governo ou governo digital sem ouvir as mídias sociais é um equívoco", diz Marcelo. "Os governos não entendem o que está acontecendo, os partidos não entendem o que está acontecendo, porque eles estão fora das redes sociais".

Giardelli afirma que os protestos recentes podem ser vistos como um reflexo de manifestações que ocorreram nas mídias sociais e acabaram sendo desvalorizadas pelas autoridades, como por exemplo a coleta de 2 milhões de assinaturas pedindo para que o senador Renan Calheiros não assumisse a presidência do Senado. "Assinar a petição não deu certo, então nós vamos para rua parar o trânsito".

"Quando as pessoas começam a gritar 'sem bandeira política', é que esse sistema já não representa a grande maioria", diz Giardelli.  "Não é quem ganha as eleições, o Fla-Flu, tucanos e petistas, é algo muito maior o que está em pauta nesses debates", diz Branco

Segundo Svartman, os governo federal e dos Estados-sede da Copa do Mundo tendem a cooperar em uma resposta de consenso para evitar que uma nova onda de protestos tome conta do País durante o mundial de futebol de 2014. "Acredito que a resposta e a construção de consenso serão feitas a partir do segundo semestre desse ano para que as coisas ocorram da forma como é esperado no ano que vem".

Independente da qualidade dessa resposta, Svartman afirma que é provável "esses temas sejam puxados nessas eleições". 

Cenas de guerra nos protestos em SP

A cidade de São Paulo enfrenta protestos contra o aumento na tarifa do transporte público desde o dia 6 de junho. Manifestantes e policiais entraram em confronto em diferentes ocasiões e ruas do centro se transformaram em cenários de guerra.

Durante os atos, portas de agências bancárias e estabelecimentos comerciais foram quebrados, ônibus, prédios, muros e monumentos pichados e lixeiras incendiadas. Os manifestantes alegam que reagem à repressão da polícia, que age de maneira truculenta para tentar conter ou dispersar os protestos.

Veja a cronologia e mais detalhes sobre os protestos em SP

Mais de 250 pessoas foram presas durante as manifestações, muitas sob acusação de depredação de patrimônio público e formação de quadrilha. A mobilização ganhou força a partir do dia 13 de junho, quando o protesto foi marcado pela repressão opressiva. Bombas de gás lacrimogêneo lançadas pela Polícia Militar na rua da Consolação deram início a uma sequência de atos violentos por parte das forças de segurança, que se espalharam pelo centro.

O cenário foi de caos: manifestantes e pessoas pegas de surpresa pelo protesto correndo para todos os lados tentando se proteger; motoristas e passageiros de ônibus inalando gás de pimenta sem ter como fugir em meio ao trânsito; e vários jornalistas, que cobriam o protesto, detidos, ameaçados ou agredidos.

As agressões da polícia repercutiram negativamente na imprensa e também nas redes sociais. Vítimas e testemunhas da ação violenta divulgaram relatos, fotografias e vídeos na internet. A mobilização ultrapassou as fronteiras do País e ganhou as ruas de várias cidades do mundo. Dezenas de manifestações foram organizadas em outros países em apoio aos protestos em São Paulo e repúdio à ação violenta da Polícia Militar. Eventos foram marcados pelas redes sociais em quase 30 cidades da Europa, Estados Unidos e América Latina.

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As passagens de ônibus, metrô e trem da cidade de São Paulo passaram a custar R$ 3,20 no dia 2 de junho. A tarifa anterior, de R$ 3, vigorava desde janeiro de 2011. Segundo a administração paulista, caso fosse feito o reajuste com base na inflação acumulada no período, aferido pelo IPC/Fipe, o valor chegaria a R$ 3,40.

O prefeito da capital havia declarado que o reajuste poderia ser menor caso o Congresso aprovasse a desoneração do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) para o transporte público. A proposta foi aprovada, mas não houve manifestação da administração municipal sobre redução das tarifas.

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Colaboraram com esta notícia os internautas Andrade Souza, de Rio Branco (AC), Gilmar Silva, de Guarulhos (SP), Arthur Miranda e Nathan Kaiser, de Balneário Camboriú (SC), Nardin, do Rio de Janeiro (RJ), Renato Gottschald, de São José do Rio Preto (SP), Fabio Galdino, de Valinhos (SP), Saulo Almeida, de São Sebastião (SP) e Fabrício Carvalho, LF Gulanovski, Tico Alzani, Sergio Louzada, Ariane Lagos, Silva Saullo, de São Paulo (SP que participaram do vc repórter, canal de jornalismo participativo do Terra. Se você também quiser mandar fotos, textos ou vídeos, clique aqui.

Fonte: Terra
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