Destruição de memorial no Jacarezinho causa indignação
Estrutura derrubada por policiais homenageava 28 mortos na operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro.
A destruição pela polícia de um memorial em homenagem aos mortos na chacina do Jacarezinho causou indignação entre os moradores da favela carioca e nas redes sociais. Inaugurada na semana passada, a estrutura com o nome das vítimas foi derrubada por policiais civis na última quarta-feira, 11.
O memorial foi construído por movimentos sociais e lembrava as vítimas da operação policial mais letal da história do estado do Rio de Janeiro, ocorrida há um ano, inclusive o policial André Leonardo Frias.
A estrutura continha ainda a inscrição: "Em 06/05/2021, 27 moradores e um servidor foram mortos, vítimas da política genocida e racista do estado do Rio de Janeiro, que faz do Jacarezinho uma praça de guerra, para combater um mercado varejista de drogas que nunca vai deixar de existir. Nenhuma morte deve ser esquecida. Nenhuma chacina deve ser normalizada."
Policiais usaram um caveirão e marretas para derrubar e destruir o memorial. Em nota, a Secretaria da Polícia Civil alegou que o memorial era ilegal e que fazia "apologia ao tráfico de drogas, uma vez que os 27 homenageados tinham envolvimento comprovado com atividades criminosas".
Sobre a menção ao policial que morreu durante a operação, a nota diz que a família não autorizou que seu nome constasse no memorial.
A destruição foi criticada por advogados das famílias dos mortos. "Como se não bastasse a chacina praticada e a inoperância das investigações, os agentes estatais cometem mais essa violência contra os moradores do Jacarezinho. Vamos até o fim em busca de Justiça", disse João Tancredo ao G1.
O advogado Guilherme Pimentel, consultor da Defensoria Pública e que presta assistência jurídica às famílias, classificou a derrubada do memorial de absurda. "A tentativa de criminalizar a sociedade civil e de apagar a memória da operação mais letal da história do Rio de Janeiro não vai resolver o problema da criminalidade", disse à agência de notícias AFP.
Indignação
Lideranças de movimentos sociais, defensores de direitos e políticos também expressaram indignação nas redes sociais.
"É esse o trabalho da polícia? Repare na truculência, no ódio em cada martelada… O prazer mórbido em ver a destruição de uma homenagem às vítimas de uma chacina!", escreveu a vereadora de Niterói Verônica Lima (PT).
"Não basta banalizar o derramamento de sangue, eles ainda tripudiam da nossa resistência! Seguiremos resistindo", disse Joel Luiz Costa, Coordenador do Instituto de Defesa da População Negra.
O advogado especializado em direitos humanos Jeff Nascimento afirmou que ação é um desrespeito à memória das vítimas.
Já o advogado e professor de Direito da FGV Thiago Amparo classificou de "escárnio" a nota da secretaria. "Lembremos que tanto a chacina em Jacarezinho, quanto a derrubada do memorial foram feitos pela polícia civil, cujo mandato não é de policiamento ostensivo, mas de investigação. No RJ, estudos mostram a militarização (ilegal) da polícia civil", escreveu.
"Há um ano acontecia a chacina do Jacarezinho no Rio de Janeiro, 28 pessoas foram mortas pela polícia militar. Hoje essa mesma polícia foi destruir o monumento criado por moradores e movimentos em memória das vítimas. Isto é desumano", escreveu a vereadora Erika Hilton (Psol), que é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de São de Paulo.
A deputada federal Talíria Petrone (Psol) também repercutiu o vídeo da destruição e questionou o porquê de "mais essa violência".
A operação
Em 6 de maio de 2021, a polícia civil lançou uma operação na favela do Jacarezinho para o combate ao crime organizado, que acabou com a morte de 27 moradores e um policial. Agentes de segurança invadiram casas e semearam o terror na favela. Moradores denunciaram execuções e registraram imagens de corpos e poças de sangue nas ruas e dentro de suas próprias casas.
As investigações sobre o massacre foram encerradas na semana passada e em apenas quatro das mortes foram apresentadas denúncias contra quatro policiais e dois traficantes envolvidos nos assassinatos. Inquéritos relativos a 24 das 28 mortes foram arquivados. Em apenas dois momentos da operação foi possível confirmar que houve troca de tiros e que os agentes agiram em legítima defesa.