Distribuidora de energia do AP atua sem contrato desde 2015
Estado teve dois apagões em menos de um mês; serviço ainda não foi completamente restabelecido
Os apagões que deixaram o Amapá no escuro, nas últimas semanas, revelaram a precariedade do sistema elétrico do Estado tanto em linhas de transmissão quanto de distribuição. Responsável pela linha que apresentou falhas na noite de terça-feira, 17, a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA), concessionária que distribui energia na região, fornece o serviço sem contrato de concessão desde 2015. A empresa atende cerca de 208 mil unidades consumidoras.
Nesta quinta-feira, 19, a Justiça Federal determinou o afastamento provisório, por 30 dias, da diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e dos diretores do Operador Nacional do Sistema (ONS), por causa do apagão que atingiu o Amapá. A decisão foi dada para evitar interferência na apuração das responsabilidades pelo blecaute. Para o juiz federal João Bosco Costa Soares da Silva, autor do despacho, houve "completa omissão" ou, no mínimo, negligência dos órgãos reguladores no sistema de energia do Amapá.
A CEA pertence ao governo do Estado e foi impedida de renovar o contrato por não cumprir requisitos mínimos de qualidade e de equilíbrio econômico-financeiro exigidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para qualquer concessionária de distribuição. Para garantir a continuidade do serviço, o governo publicou uma portaria em 2016 que designa a CEA como "responsável" pela distribuição de energia.
Os problemas envolvendo a qualidade na prestação do serviço de distribuição de energia no Amapá, no entanto, começaram muito antes. Em 2005, a Aneel fez a primeira notificação ao governo estadual sobre a empresa. Na época, o Estado mantinha um programa que isentava a conta de luz para parte dos consumidores, mas não ressarcia os gastos da empresa.
Com o acúmulo de dívidas, a agência chegou a recomendar a extinção dos contratos de concessão da empresa em 2007. Apesar disso, o Ministério de Minas e Energia (MME) não acatou a sugestão, o que contribuiu para perpetuar a má gestão da empresa por muitos anos.
As seis distribuidoras da Eletrobras no Norte e no Nordeste passaram por situação semelhante à da CEA: ficaram em regime de designação, quando a estatal decidiu sair do negócio de distribuição, mas por dois anos. Todas elas foram privatizadas em 2018. A CEA é a única que continua sob regime precário até hoje.
Em mais um esforço para resolver a situação da companhia, o governo federal estendeu até 30 de junho de 2021 o prazo para que o Amapá realize o leilão de privatização - o prazo anterior havia se encerrado em fevereiro de 2018.
A nova data está prevista na Medida Provisória 998, que ainda precisa ser aprovada pelo Congresso. O texto determina também que, após a licitação, o governo estadual terá que concluir a transferência de controle da empresa para o novo concessionário até o fim do próximo ano.
Leilão em 2021
Ao Estadão/Broadcast, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) informou que a previsão é de que o leilão da CEA aconteça no segundo trimestre de 2021. A instituição afirmou, porém, ser necessário que os governos federal e estadual avaliem os estudos de privatização.
Se esses documentos forem aprovados, serão submetidos a uma assembleia de acionistas da empresa, à audiência pública e ao crivo de órgãos de controle. As condições do contrato de concessão serão as mesmas oferecidas aos concessionários que disputaram as ex-distribuidoras da Eletrobras, em 2018.
O advogado Henrique Reis, sócio da Reis Gomes Advogados, observou que a MP também traça um "plano B", caso o leilão fracasse. "Em caso de insucesso da licitação, a Aneel autorizará, preferencialmente por meio de um processo competitivo simplificado, a prestação de serviço de distribuição em caráter emergencial", afirmou. Na avaliação dele, a atratividade do leilão da companhia pode aumentar se o governo reduzir os riscos do negócio na elaboração do edital.
O coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Nivalde de Castro, avalia que a tendência, nesses casos de privatização, é que o novo concessionário privado ofereça um serviço de melhor qualidade. "Eles têm uma motivação de eficiência, que gera ganhos e lucros. No caso dessas empresas, que são estatais há muito tempo, não tem esse tipo de motivação", disse.
Gatos e inadimplência
A CEA admite que a situação precária do contrato afeta o fornecimento de energia no Estado, mas atribui a má eficiência a outros problemas locais, como ligações clandestinas e desvio de energia. Segundo a empresa, em 2019, o porcentual de furtos - mais conhecidos como "gatos" - chegou a 32,5%.
Outro fator que dificulta a gestão da companhia é a inadimplência, diz a empresa. "Das 208 mil unidades consumidoras cadastradas, 85% delas têm, pelo menos, uma fatura de energia em aberto. Atualmente, o montante de inadimplência está na faixa de R$ 200 milhões", informou a CEA, em nota enviada à reportagem.
Apagões e diferenças
O caos elétrico no Amapá começou no último dia 3, quando um blecaute deixou o Estado às escuras por quase quatro dias. Um incêndio destruiu um transformador e danificou um segundo, enquanto um terceiro estava em manutenção desde dezembro.
Esse primeiro apagão ocorreu na subestação da concessionária Linhas de Macapá Transmissora de Energia, que pertence à Gemini Energy, com 85,04%, e à Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), autarquia do governo federal, que detém 14,96%. A Gemini, por sua vez, é dos fundos de investimento Starboard (80%) e Perfin (20%).
Um segundo apagão ocorreu no Amapá na última terça-feira, 17. As causas dessa ocorrência ainda estão sendo apuradas, mas, dessa vez, ela ocorreu na linha de distribuição da distribuidora Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA), operada pelo governo do Estado.