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Confins da internet desafiam investigação de crimes de ódio

Sob anonimato, integrantes de redes ocultas coordenam assédios virtuais e têm minorias como alvo preferencial

16 mar 2019 - 03h13
(atualizado às 10h36)
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BRASÍLIA - O massacre na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, na Grande São Paulo, expõe o avanço de grupos e crimes cibernéticos de propagação de ódio. A participação de uma dessas redes no atentado, que deixou 10 mortos e 11 feridos na quarta-feira, é investigada pelo Ministério Público Estadual (MPE). Ataques virtuais contra negros e mulheres e a incitação de crimes contra a vida são planejados e apoiados em fóruns na internet profunda que celebraram o massacre em Suzano.

Entre 2017 e o ano passado, houve aumento de 29% no número de ações na Justiça acompanhadas pelo Ministério Público Federal (MPF) relacionadas a crimes de ódio na internet - os registros passaram de 342 em 2017 para 442 no ano passado. "Tem havido uma intolerância maior e a sensação de que a internet é terra sem lei", diz a procuradora Fernanda Domingos, do Grupo de Apoio sobre Criminalidade Cibernética do MPF.

O dado se refere a discriminações na internet por raça, etnia, religião e procedência, como ataques a nordestinos, por exemplo. E o aumento de processos em 2018, segundo o MPF, pode ter relação com o ano eleitoral, época considerada propícia para a propagação de discursos de ódio na web.

Movimentação após tiroteio ocorrido na Escola Estadual Raul Brasil de Suzano, na Rua Otávio Miguel da Silva, em Suzano, na Grande São Paulo, nesta quarta-feira (13)
Movimentação após tiroteio ocorrido na Escola Estadual Raul Brasil de Suzano, na Rua Otávio Miguel da Silva, em Suzano, na Grande São Paulo, nesta quarta-feira (13)
Foto: BRUNA NASCIMENTO/MYPHOTO PRESS / Estadão Conteúdo

Para identificar os agressores virtuais, o MPF apura não só o que acontece na internet superficial, onde estão as redes sociais, por exemplo, como o que ocorre na chamada dark web, a internet com forma de acesso específica para dificultar a identificação de seus usuários. O olhar para as profundezas da internet tem um motivo. "Os criminosos estão se refugiando lá porque é um meio onde o anonimato é mais fácil. Tem havido uma migração para essas redes", afirma Fernanda.

Um dos fóruns que comemoraram o ataque em Suzano, por exemplo, migrou em 2018 da internet exposta, em que as páginas podem ser buscadas pelo Google, para a dark web. O MPE apura se usuários desse "chan", como são chamados os fóruns na dark web, incitaram o atentado. Os "chans" agregam pessoas com interesses comuns que se valem do suposto anonimato garantido pela rede.

Uma enciclopédia na dark web enumera os grupos que existem e suas finalidades. Grande parte do compartilhamento de material de pornografia infantil ocorre nesses espaços.

"São grupos que se validam mutuamente, compartilham valores que ferem direitos humanos e produzem conteúdos criminosos", diz Juliana Cunha, diretora da ONG SaferNet Brasil.

No fórum que comemorou o ataque em Suzano, os membros, em geral, são homens jovens. "São recrutados aqueles com dificuldades de inserção social. Os relatos envolvem o fracasso em se relacionar com mulheres, de ter papel social", diz Juliana. Juntos, promovem ataques virtuais misóginos ou direcionados a outras minorias. "Eles se coordenam e elegem alvos, invadem e obtém informações pessoais, enviam ameaças e chantagens." A violência pode culminar em atos com mortes, que ganham aplausos dos membros e colocam o grupo em destaque diante de outros na dark web. "É para dizer 'existo e posso causar um grande estrago'".

Até chegar às profundezas da internet é comum, porém, que o envolvimento com atos criminosos tenha começado em redes sociais já conhecidas. "Outros usuários indicam ferramentas e conteúdos e a pessoa vai migrando para ambientes mais restritos. É natural que comecem a acobertar (o crime) e busquem lugares mais seguros", diz Luiz Walmocyr Jr., especialista em crimes cibernéticos. A operação Darknet da Polícia Federal desbaratou em 2014, pela primeira vez na América Latina, a propagação de pornografia infantil na dark web.

Entraves

Mas o monitoramento dos grupos é complexo e esbarra em dificuldades até diplomáticas. É comum que os fóruns estejam hospedados em países com os quais o Brasil não têm cooperação. Outra dificuldade é técnica. Peritos e investigadores da PF ouvidos pelo Estado explicam que, nesses ambientes, o IP - "CEP" do usuário na rede - fica coberto por várias camadas de "protocolos", o que exige trabalho exaustivo para identificar os servidores onde estão as informações. Após o mapeamento, é preciso autorização para acioná-los. Só com o aval judicial é que começa, de fato, a apuração tradicional.

Web também pode ser usada para combater discurso

Contra a propagação de discursos de ódio, a ferramenta pode ser a própria internet - e a escola, um espaço privilegiado para esse tipo de discussão. Com cursos a distância, a ONG SaferNet Brasil, que monitora violações de direitos humanos na internet, faz capacitação de professores sobre segurança na rede. "Eles acham que não dominam o assunto ou se sentem inseguros", diz a diretora Juliana Cunha.

Outra frente é com os estudantes. Desde o ano passado, um projeto apoia os alunos na produção de "contranarrativas", como produções que evidenciam pessoas inspiradoras ou que trazem depoimentos de quem já propagou atitudes discriminatórias na internet e revisou seus pontos de vista. A ideia, diz Juliana, é promover a diversidade.

Com seus projetos, os alunos concorrem a bolsas em dinheiro e a mentorias.

Para ela, são necessárias ações mais práticas e afirmativas. O crime de ódio na internet, diz, nem sempre ganha a devida atenção - seja por dificuldades de investigação ou até mesmo porque podem ser preteridos diante de outros crimes mais graves e epidêmicos no Brasil, como os homicídios. Mas é preciso, segundo Juliana, que os registros cheguem ao conhecimento das autoridades. "Quando banalizamos, nem sempre percebemos como uma violação."

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