Script = https://s1.trrsf.com/update-1734630909/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Família perde 4 cães em enchente; sobrevivente vira herói

Diarista que vive há 40 anos na Vila Itaim, em São Paulo, está "acostumada" a reconstruir seu barraco ano após ano por conta das inundações. A surpresa, desta vez, veio da força do filhote vira-lata Neguinho

26 fev 2015 - 13h14
Compartilhar
Exibir comentários
<p>Luzineide carrega o "xodó" Neguinho ao lado de um de seus filhos</p>
Luzineide carrega o "xodó" Neguinho ao lado de um de seus filhos
Foto: Elisa Feres / Terra

Na noite de 16 de fevereiro, quando fortes chuvas alagaram as ruas e as casas da Vila Itaim, extremo leste de São Paulo, a diarista Luzineide da Cruz Silva, de 43 anos, foi obrigada a tomar uma rápida decisão. Em questão de segundos, enquanto a água subia, ela deveria correr para tentar preservar alguns móveis e ao mesmo tempo salvar seus sete filhos, sua mãe idosa e seus cinco cachorros. Os cães ficaram por último e, levados pela correnteza que havia se formado no quintal, não conseguiram sobreviver. Com exceção de um, o filhote Neguinho, considerado hoje o novo herói da família.

"Fiquei desesperada. Eu estava com minha pequenininha [filha mais nova, de 1 ano] no colo, não sabia se pegava meus filhos ou minha mãe. Fiquei doida. Aí coloquei rápido as crianças em cima do sofá e fui buscar minha mãe. Os cachorros, nessa confusão, morreram. Tinha cinco, só sobrou um. Eles tinham casinhas no quintal, estavam lá quando a chuva começou. E é tudo muito rápido. A água sobe muito rápido. Não deu tempo de pegar. O Neguinho sobreviveu por que conseguiu ficar em cima de um banco. Ficamos muito tristes. Chorei tanto... As crianças também... Eles eram a alegria delas. Agora é só ele. Nosso sobrevivente", disse, sorrindo, ao Terra. "A gente adora animais por aqui. Sempre que vejo um cachorrinho largado na rua, pego para cuidar", completou. 

Quando a reportagem visitou o bairro, na manhã desta quinta-feira, Luzineide (conhecida na região como Bia) caminhava pela rua onde mora, a Agostinho Alves Marinho, empurrando um carrinho de mão. Nele havia um colchão, recém-encontrado no lixo, que passaria a servir como cama para as sete crianças. Caminhões da prefeitura trabalhavam ao lado para tirar a água das vias, que continuavam com grandes poças. Ela vestia camiseta, calça tipo legging e chinelos.

<p>Colchão encontrado no lixo servirá de cama às sete crianças</p>
Colchão encontrado no lixo servirá de cama às sete crianças
Foto: Elisa Feres / Terra

A diarista contou que conhece a região como poucos. Ela vive no mesmo local desde pequena, há mais de 40 anos. Seu terreno, comprado por seus pais, atualmente abriga quatro barracos: o dela, em que moram o marido e os filhos, o de uma irmã (grávida), em que moram dois filhos, o de um irmão, em que moram a mulher e dois filhos, e o da mãe, que mora sozinha. Do outro lado da rua fica um córrego do Rio Tietê - e é dele que transborda a água que freqüentemente inunda os arredores.

"Agora, se você andar por aí, vai ver que 'secou'. Dá para andar na rua, não tem mais água dentro das casas. Mas nem dá para comemorar. Quando chover de novo, vai encher de novo. Todo ano é a mesma coisa, desde quando eu era criança. Tenho lembranças da minha mãe me pegando no colo para fugir da água. Faço hoje com meus filhos o mesmo que ela fazia comigo", afirmou. 

<p>Seu terreno é formado por quatro barracos. O dela, de madeira, fica à esquerda</p>
Seu terreno é formado por quatro barracos. O dela, de madeira, fica à esquerda
Foto: Elisa Feres / Terra

Nesta enchente, Luzineide perdeu um sofá, um colchão, um fogão, uma geladeira, uma televisão e um armário. Roupas, cobertores e brinquedos também estragaram e foram jogados fora. Sobrou a pia da cozinha e uma estante. A própria estrutura do barraco, que possui cerca de 5m² e é feita toda em madeira, está comprometida. Com renda mensal de cerca de R$ 350 mais o dinheiro de "bicos" que o marido faz como servente de pedreiro, reconstruí-lo seria praticamente impossível sem ajuda de vizinhos e amigos. 

"A despensa está cheia de batata, arroz e feijão que nos deram. É o que temos. Esses dias em que fiquei sem fogão improvisei um "fogão" a lenha no quintal. Juntei madeira e cozinhei lá fora mesmo. As crianças não podem ficar sem comida. Nem o Neguinho", disse, sorrindo.

Falta de assistência médica

A diarista tem se preocupado ainda com a falta de equipamentos e assistência médica na região. De acordo com ela, sua mãe, após entrar em contato com a água, reclamou de dores na perna. Com o passar dos dias, uma ferida apareceu no local e começou a aumentar de tamanho. Ela conseguiu uma consulta e foi informada de que a idosa não poderia mais andar e teria que providenciar uma cadeira de rodas. Ganhando R$ 350 por mês. E morando em um barraco com chão de terra e pedra. 

Um de seus filhos também apresentou sintomas depois da inundação. Ele foi picado por algum animal - provavelmente por ratos, visitantes frequentes da casa - na perna e começou a sentir dores locais, dores de estômago e febre. Na Assitência Médica Ambulatorial (AMA) do bairro, porém, eles não encontraram, até o momento, nenhum pediatra. 

<p>Casa da família tem cerca de 5 m²</p>
Casa da família tem cerca de 5 m²
Foto: Elisa Feres / Terra

Vontade de sair

Na Vila Itaim, algumas casas foram construídas em terrenos comprados, outras foram levantadas em espaços ocupados irregularmente. Muitas delas estão em áreas de risco e as famílias já foram alertadas pela prefeitura de que não podem continuar morando ali. O que Luzineide e diversos outros moradores ouvidos pela reportagem reclamam é o valor do auxílio-moradia oferecido. 

"Eles [prefeitura] dão R$ 300 para quem sair daqui. Eu, com sete filhos, não vou conseguir alugar nada com isso. Tem lugar que nem aceita uma família tão grande. Aí fico assim. Continuo aqui. Eu te falo, com toda a certeza, que não vejo a hora de sair. Perder minhas coisas todo ano? Isso não é vida. Mas vou sair e vou para onde? Vou levar meus filhos onde? Não quero chorar hoje de novo. Não quero chorar na sua frente. Mas o que eu chorei esses dias... Não é fácil, filha. Nossa vida não é fácil". 

<p>Algumas ruas do bairro continuam inudadas</p>
Algumas ruas do bairro continuam inudadas
Foto: Elisa Feres / Terra

Fonte: Terra
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade