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Governo federal cobra explicações da Gol após expulsão de mulher negra de voo: 'Racismo e misoginia'

Ministérios das Mulheres e da Igualdade Racial e Secretaria Nacional do Consumidor acionam a Anac e a Polícia Federal, que abriu inquérito para apurar o caso

30 abr 2023 - 11h28
(atualizado às 14h56)
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Os Ministérios das Mulheres e da Igualdade Racial e a Secretaria Nacional do Consumidor disseram que a Gol precisará "prestar explicações" sobre o caso da passageira negra retirada de um voo em Salvador e que o episódio será notificado à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). As pastas do governo federal apontaram que o episódio envolve "racismo e misoginia" e que a Procuradoria-Geral da República e a Superintendência Regional da Polícia Federal na Bahia foram acionadas. Neste domingo, 30, a PF abriu um inquérito para apurar o caso.

Uma mulher negra foi obrigada a se retirar de um avião da Gol, após ter dificuldade para guardar sua mochila no compartimento de bagagens dentro da aeronave.
Uma mulher negra foi obrigada a se retirar de um avião da Gol, após ter dificuldade para guardar sua mochila no compartimento de bagagens dentro da aeronave.
Foto: Reprodução/Twitter/@ManoelSoares_ / Estadão

A pesquisadora Samantha Vitena foi retirada de um avião da companhia aérea que voaria para São Paulo na noite de sexta-feira, 28, após ter dificuldades para guardar uma mochila no compartilhamento de bagagens. Em uma primeira nota sobre o caso, a Gol disse que "uma cliente não aceitou a colocação da sua bagagem nos locais corretos e seguros destinados às malas e, por medida de segurança operacional, não pôde seguir no voo". Na noite de sábado, a companhia emitiu outro comunicado no qual lamenta "imensamente a experiência da cliente em nosso voo G3 1575? e neste domingo informou que está "empenhada em colaborar para a apuração dos fatos com a Polícia Federal, assim que for notificada". (Leia íntegras abaixo)

Segundo Samantha, com o apoio de outros passageiros, a mochila pôde ser acomodada no compartimento de bagagens. Mesmo assim, três agentes da Polícia Federal entraram no avião e a retiraram do voo, alegando que a decisão era do comandante da Gol. Um vídeo sobre a abordagem da cientista foi compartilhado nas redes sociais, no qual é possível ouvir comentários de passageiros que consideraram a ação desproporcional e racista.

"Se eu despachasse meu laptop, ele iria ficar em pedaços. Os comissários não moveram um dedo para me ajudar. Quem me ajudou foi esse senhor e esta senhora (apontando para eles no vídeo), que em três minutos, a gente conseguiu dar um jeito e colocar minha mochila. Pelo contrário, os comissários falaram que se a gente pousasse em Guarulhos (o voo tinha como destino Congonhas), a culpa seria minha, porque eu não queria despachar a mochila. Ele teve a coragem de falar isso para mim", disse no vídeo. Samantha embarcou em outro voo da Gol na madrugada de sábado.

'Racismo nas relações de consumo', diz secretário nacional do consumidor

No sábado, o secretário nacional do consumidor, Wadih Damous, disse que iria notificar a Gol. "Ao que parece, mais um caso de racismo nas relações de consumo. A Secretaria Nacional do Consumidor atuará com firmeza contra o racismo no consumo."

O Ministério das Mulheres também se pronunciou no sábado sobre o caso e descreveu a situação como demonstrativa do "racismo e misoginia que atingem, de forma estrutural, as mulheres negras em nosso País". "Pediremos providências à companhia aérea e à PF (Polícia Federal), que devem desculpas e explicações após a abordagem", disse em comunicado.

Já o Ministério da Igualdade Racial afirmou que irá notificar a Anac, para a "adoção de todas as medidas cabíveis no sentido de prevenir, coibir e colaborar com a apuração de casos de racismo praticados por agentes de empresas aéreas, aprimorando seus mecanismos de fiscalização".

"Acreditamos que a responsabilização neste caso possui papel educativo e cabe tanto à Gol quanto à Polícia Federal prestarem satisfações. Estamos em contato já com a companhia aérea para que sejam prestados os esclarecimentos devidos."

Instituição em que a passageira é mestranda, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) emitiu uma nota de repúdio no sábado, na qual diz que a pesquisadora foi vítima de racismo e violência contra a mulher "pela forma de tratamento dispensada a ela tanto dentro do voo, pela tripulação, como pelos agentes da Polícia Federal, convocados pela companhia aérea, para retirá-la à força sem justificativa e sem que Samantha apresentasse qualquer resistência ou motivo para tal".

"A violência racista que acomete tantas pessoas no Brasil expulsou Samantha de um voo de retorno para sua casa e a submeteu a interrogatório durante a noite, na delegacia", prossegue a nota. A instituição ainda diz que o episódio "deixa marcas profundas não apenas em Samantha, mas atinge um coletivo que sofre diariamente com as consequências psicológicas, materiais, morais, pessoais e políticas que o racismo produz na população negra brasileira".

Ao Estadão, o advogado Fernando Santos - que acompanhou Samantha até a unidade da Polícia Federal no Aeroporto de Salvador, onde ela prestou depoimento - disse que a situação é lamentável.

Segundo ele, Samantha teve de assinar um Termo Circunstanciado de Ocorrência, por ser acusada de resistência à ordem policial para ser retirada do avião. "Em nenhum momento ela se recusou a sair do avião. Apenas questionou o motivo de sofrer qualquer motivo de restrição", afirma Santos.

Sindicado Nacional dos Aeronautas nega racismo e diz que passageira 'praticou ato de indisciplina'

O Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) emitiu uma nota neste domingo, 30, na qual diz que o caso envolve "atos de indisciplina e comprometimento da segurança operacional", nega que tenha envolvido racismo e repudia "de forma veemente" o que chama de "qualquer tentativa de manipulação da verdade".

O comunicado destaca que há respaldo legal e prerrogativa do comandante para decidir pelo desembarque de passageiro que "atente contra a ordem, disciplina e segurança da operação, devendo fazê-lo sempre que necessário".

"Os tripulantes atuam como última barreira de segurança na operação complexa do sistema de aviação, atuando com zelo e profissionalismo em todos os momentos, principalmente durante urgências e emergências, protegendo a integridade dos passageiros e de toda a sociedade", aponta.

O comunicado ainda ressalta que "conflitos a bordo" podem desestabilizar ou sobrecarregar os profissionais da aviação. "São inaceitáveis e podem gerar prejuízos à segurança da operação, devendo ser solucionados de forma efetiva, buscando o mínimo impacto na operação e na coletividade dos usuários do sistema de aviação."

O que diz a PF

"Inquérito policial vai apurar a eventual existência dos crimes de preconceito de raça ou cor durante os procedimentos para a retirada compulsória de passageira do voo 1575 da Gol no dia 28 de abril no Aeroporto Internacional de Salvador", informou a PF neste domingo.

Conforme a Polícia Federal, a investigação foi instaurada na Superintendência Regional da PF na Bahia e permanecerá em sigilo até que o caso seja totalmente apurado.

Anteriormente, a Polícia Federal afirmou que foi acionada na sexta-feira pela companhia Gol, no Aeroporto Internacional de Salvador, para efetuar o desembarque de passageira que não teria acatado as ordens do comandante do voo 1575, referentes à segurança de acomodação de bagagens. A passageira foi ouvida pela PF e liberada em seguida. "As circunstâncias do fato estão sendo apuradas", afirmou.

O que diz a Gol

A Gol emitiu desde sábado três notas sobre o caso. Na mais recente, deste domingo, afirma estar à disposição das autoridades e ter "total interesse nos esclarecimentos".

Primeira nota

"A Gol informa que, durante o embarque do voo G3 1575 (Salvador - Congonhas), havia uma grande quantidade de bagagens para serem acomodadas a bordo e muitos clientes colaboraram despachando volumes gratuitamente. Mesmo com todas as alternativas apresentadas pela tripulação, uma cliente não aceitou a colocação da sua bagagem nos locais corretos e seguros destinados às malas e, por medida de segurança operacional, não pôde seguir no voo.

Lamentamos os transtornos causados aos clientes, mas reforçamos que, por medidas de segurança, nosso valor número 1, as acomodações das bagagens devem seguir as regras e procedimentos estabelecidos, sem exceções. A companhia ressalta ainda que busca continuamente formas de evitar o ocorrido e oferecer a melhor experiência a quem escolhe voar com a Gol e segue apurando cuidadosamente os detalhes do caso."

Segunda nota

"Lamentamos imensamente a experiência da Cliente em nosso voo G3 1575. Seguimos cuidadosamente apurando os detalhes do ocorrido e reforçamos que não toleramos nenhuma atitude discriminatória."

Terceira nota

"A Gol está empenhada em colaborar para a apuração dos fatos com a Polícia Federal, assim que for notificada. A companhia está à disposição das autoridades e tem total interesse nos esclarecimentos, tendo inclusive contratado uma empresa independente com a finalidade de elucidar o caso."

Samantha foi obrigada a se retirar de um avião da Gol
Samantha foi obrigada a se retirar de um avião da Gol
Foto: Reprodução/Twitter/@ManoelSoares_ / Estadão
Estadão
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