De ratos a violência: professor explica razões para greve
Antes de assembleia, grevista de São Paulo conversou com o Terra e relatou as péssimas condições de trabalho que enfrenta no dia a dia
Os dramas do ensino estadual de São Paulo não são nenhuma novidade para o mineiro Altair Lourenço. Professor de biologia, ele atua na rede há 25 anos e, pela tranquilidade com que relata os problemas de seu cotidiano, parece já ter se conformado com a falta de respeito e com a estrutura deficitária que é obrigado a encarar todos os dias. Apenas parece. Assim como 70% da categoria, ele está em greve e não pisa em uma sala de aula há mais de 55 dias.
“Estamos paralisados não só pelos nossos salários, mas pelas condições de trabalho. O governo abandonou nossas escolas há anos. Onde trabalho, no bairro do Ipiranga, que nem é tão periférico, entra água nas salas quando chove. Os funcionários colocam baldes nas goteiras e ficam puxando com rodo. As carteiras estão todas quebradas. As salas estão superlotadas com 70 ou 80 alunos. Tem até ratos! Eles caem do teto. Os alunos brincam, ficam chutando quando eles aparecem”, contou ao Terra no início da tarde desta sexta-feira (8), enquanto aguardava, no vão-livre do Masp, a realização de mais uma assembleia da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo).
O professor trabalha 27 horas por semana na mesma escola e recebe R$ 2,3 mil – o salário-base do Estado – mais alguns benefícios. Como “não dá para viver com isso”, ele, para reforçar a renda, costuma fazer alguns “bicos”. As sofridas despesas são divididas com a companheira. E filhos, nem pensar. “Não daria nem para o leite”, brincou.
É por isso que, entre as reivindicações da classe, estão um plano de composição para um aumento de 75,33%, para equiparação salarial com as demais categorias com formação de nível superior; conversão do bônus em reajuste salarial; aplicação da jornada do piso; reabertura de classes e períodos fechados; e máximo de 25 alunos por sala.
A violência é outro grande problema existente na área. Antes de se formar em Biologia, Altair cursou Psicologia – o que, de acordo com ele, foi essencial para que conseguisse “sobreviver” tantos anos na rede pública. “Agressões acontecem. Eu só sofri verbal, mas existe física também. Os professores mais preparados tiram de letra, mas alguns mais novos não sabem lidar. Até porque faltam profissionais, como psicólogos e psicopedagogos, para os auxiliarem. Eu mesmo já fiz mediação e salvei a direção de ‘apanhar’ várias vezes”, afirmou.
O professor está ao lado dos grevistas do sindicato desde o início e não pretende parar de protestar tão cedo. Ele acredita que, no decorrer da greve, os manifestantes somente ganharam novos motivos para continuar na luta. Um deles é o tratamento “desrespeitoso” que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) – que por diversas vezes negou a ocorrência da greve – tem demonstrado com a categoria.
“O governo não está nos respeitando. O governador desrespeita a própria lei de greve. A Justiça deu uma liminar nesta semana proibindo o corte do nosso salário, mas ele já está sendo cortado. Quem está em greve desde o início recebeu apenas 13 dias de salário no último mês. Sem contar que ele nega a existência de um movimento que está toda semana nas ruas”, declarou.
Enquanto conversava com a reportagem, o entrevistado carregava uma bolsa vermelha com a imagem da personagem dos quadrinhos Mafalda. Criada pelo artista argentino Quino, a menina se tornou um ícone da visão de mundo humanista pelos questionamentos profundos e complexos que fazia história após história. Não à toa, ela está sendo utilizada como símbolo da greve dos professores. E de pessoas como Altair, que, mesmo em meio a tantos desafios, consegue manter vivo o que o fez ingressar, lá atrás, na área da educação.
“Nunca pensei em mudar. É difícil ser professor? É difícil ser professor. Mas acho que a educação ainda é o melhor meio para tentarmos mudar alguma coisa. Devo me aposentar em três anos, mas, se tivesse que começar minha trajetória de25 anos de novo, eu começaria. Não me arrependo”, concluiu.
Para Alckmin, greve "não tem sentido"
Nesta semana, o governador voltou a afirmar que a greve dos professores "não tem sentido", já que eles teriam recebido aumento salarial de 45% nos últimos quatro anos - informação que é desmentida pelos grevistas. Além disso, ele declarou que o movimento "não tem adesão dos professores" e que é composto apenas por funcionários não efetivos e movimentos sociais. Em relação aos salários, o tucano defendeu o corte dos que não estão comparecendo às aulas.
"Governo não faz o que quer, não tem essa liberalidade. Se o professor dá aula, tem frequência; se não dá aula, não tem frequência. Como vai dar frequência para quem não dá aula? Isso é prevaricação", afirmou durante um evento na última quarta-feira (6) no Palácio dos Bandeirantes.
Na noite seguinte, o Tribunal de Justiça de São Paulo proibiu o governo de realizar esse desconto. A decisão foi da juíza Celina Kiyomi Toyoshima, da 4ª Vara da Fazenda Pública, que fixou multa diária de R$ 5 mil em caso de descumprimento.
A ação foi movida pela Apeoesp. A juíza afirmou que o direito à greve está previsto na Constituição Federal. “Até que haja solução sobre a legalidade ou não do movimento, afigura-se prematuro o desconto salarial pelos dias da paralisação e de corte do ponto”, afirmou na liminar. O governo ainda pode recorrer da decisão.