Homens pretos ou pardos são maioria dos presos no Rio
Pesquisa abrangeu os presos em flagrante atendidos pela Defensoria Pública e se baseou em um questionário preenchido pelos defensores
Homens pretos ou pardos e acusados de envolvimento com o tráfico de drogas ou de praticar furto ou roubo compõem a imensa maioria dos presos em flagrante no Estado do Rio de Janeiro. É o que mostra pesquisa feita pela Defensoria Pública do Rio com mais de 23 mil homens e mulheres presos em flagrante no Estado, entre setembro de 2017 e setembro de 2019. Na amostra, 93,5% são homens, 77,4% são pretos ou pardos e 82,3% são acusados por roubo, furto ou infração à Lei de Drogas.
A pesquisa abrangeu os presos em flagrante atendidos pela Defensoria Pública e se baseou em um questionário preenchido pelos defensores a partir de informações prestadas pelos detidos e do resultado das audiências de custódia. Elas são realizadas logo após as prisões em flagrante, e nelas o juiz avalia as circunstâncias da detenção e decide se o suspeito vai continuar na cadeia.
Na contramão do senso comum, o estudo constatou que a maioria dos presos é mantida na prisão pelos juízes nas audiências. Dos 22.052 casos em que há informações sobre a decisão emitida pelo juiz durante a audiência de custódia, 15.368 presos (69,6% do total) permaneceram detidos preventivamente. Outros 6.432 presos (29,1%) receberam liberdade provisória, 203 (0,9%) tiveram relaxamento de prisão e só em 49 casos (0,2%) a prisão foi convertida em domiciliar.
Dentre os 17.777 casos acompanhados pela Defensoria em que há informação sobre o crime atribuído ao preso, 6.563 presos (36,9%) foram acusados por infrações à Lei de Drogas. Outros 4.635 (26%) foram acusados de praticar roubo e 3.441 (19,3%), de furto, isoladamente ou com outros delitos. A proporção da concessão de liberdade provisória pelos juízes variou conforme o crime: foi de 65,6% nos casos de furto, de 7% nos casos de roubo e de 19,5% nos casos de infração à Lei de Drogas.
Dos 21.411 casos em que há informação sobre o gênero do preso, 20.029 (93,5%) são homens, 1.283 (6%) são mulheres, 54 (0,25%) são homens trans, 38 (0,17%) são mulheres trans e 7 (0,03%) declararam integrar outras categorias.
Dentre os 21.142 casos em que há informação sobre a cor do preso, 16.364 (77,4%) são pretos ou pardos, 4.698 (22,2%) são brancos, 46 (0,21%) são amarelos e 34 (0,16%) são indígenas.
A Defensoria também tentou identificar com que frequência há violência no momento da prisão em flagrante. Dos 22.119 casos em que há informação sobre esse aspecto, 8.490 presos (38,3%) afirmaram ter sido agredidos. Desse universo de agredidos, 78,5% são pretos ou pardos e 19,7% são brancos.
Em cada dez referências a maus tratos e/ou tortura, seis apontaram como autores policiais militares. No total houve 3.380 acusações a PMs. Populares teriam sidos responsáveis por 30% (1.679 relatos) das agressões.
"O altíssimo índice de agressões atribuídas aos policiais militares não surpreende, mas preocupa, especialmente quando cotejado com o baixíssimo número de casos em que houve o relaxamento de prisões ilegais. O alto índice de relatos de agressões atribuídas a populares confirma que a cultura do linchamento e a ideia de se fazer justiça com as próprias mãos, própria da barbárie, ainda está muito arraigada na sociedade. Isso precisa ser desconstruído", afirmou a defensora pública Caroline Tassara, coordenadora do Núcleo de Audiências de Custódia da Defensoria.
Os pretos ou pardos têm mais dificuldade para obter liberdade provisória (27,4% contra 30,8% dos brancos).
A pesquisa releva ainda que, na sua grande maioria, as pessoas levadas às audiências de custódia nas três centrais fluminenses (Benfica, na zona norte da capital, Volta Redonda e Campos dos Goytacazes, no interior) têm entre 18 e 40 anos (89%), cursaram até o Ensino Fundamental (64,3%); nasceram no Estado do Rio (91%); e disseram trabalhar antes de serem presos (90,9%), mesmo que informalmente. Dos que trabalhavam e tinham renda, 61,7% recebiam até um salário mínimo.
Presas. A Defensoria também fez uma pesquisa específica sobre as mulheres, que representaram 6% dos presos atendidos no período. Elas conseguiram liberdade provisória com muito mais frequência que os homens: 656 das 1.283 mulheres receberam liberdade provisória, e em 12 casos a prisão foi relaxada. Ou seja, pouco mais da metade das mulheres presas em flagrante responderão à Justiça em liberdade, benefício concedido a apenas 30% dos presos homens. Dentre o grupo de mulheres que foi mantida presa provisoriamente, 36 tiveram direito à prisão domiciliar.
Alguns dados, porém, não diferem daqueles identificados no universo masculino. As informações sobre cor, escolaridade, ocupação remunerada antes da prisão e idade não variam signficativamente em relação aos dados dos homens. Os crimes que prevalecem entre as mulheres também são tráfico de drogas, furto e roubo.
Nos casos com informação sobre filhos, 80% disseram ter pelo menos um filho; 155 afirmaram ter filhos de até 12 anos, dentre as quais 90 (58,1%) receberam liberdade provisória, 10 (6,4%) a prisão domiciliar e 2 (1,3%) obtiveram relaxamento da prisão em flagrante.
Das mulheres que indicaram ter filhos de até 12 anos, 39 (25,1%) foram acusadas de furto, 63 (40,6%) teriam infringido a Lei de Drogas e 16 (10,6%) foram acusadas de roubo. Cinquenta e três mulheres informaram estar grávidas quando foram presas em flagrante.
Os dados obtidos por essa pesquisa serão apresentados e discutidos em detalhes nesta quarta-feira (5), a partir das 16h, pelo canal da Defensoria no Youtube, no webinar
"Cinco anos das audiências de custódia: um olhar sobre o perfil dos presos em flagrante no Rio de Janeiro". O evento virtual é aberto a todos e terá a participação de defensores públicos e de representantes do Poder Judiciário e de entidades da sociedade civil.
Perfil dos presos em flagrante no Estado do Rio de Janeiro*
Total de pesquisados: 23.497
- Homens: 93,5% / Mulheres: 6%
- Pretos ou pardos: 77,4% / Brancos: 22,2%
- Acusados de Tráfico e outros crimes ligados a entorpecentes: 36,9%
- Roubo: 26%
- Furto: 19,3%
*Atendidos pela Defensoria Pública entre setembro de 2017 e setembro de 2019