Jovem perde casa e relata momentos de desespero durante enchente no litoral de SP
Marcos Henrique, de 19 anos, só conseguiu salvar o celular e a moto; ele precisará voltar para Minas Gerais pois perdeu tudo
Quando começou a trabalhar na noite de sábado, 18, Marcos Henrique Rodrigues Gomes, de 19 anos, não imaginava que presenciaria momentos de tanto desespero, e perderia seu lar em meio a acontecimentos tão trágicos. Ele viu de perto os deslizamentos provocados pelas fortes chuvas que acometeram o litoral de São Paulo.
Morador de Juquehy, em São Sebastião, o jovem fazia entregas quando a chuva forte começou, e presenciou já ali, no início da noite de sábado, alguns pontos de alagamentos pela cidade. Por volta de 1h de domingo, quando voltava para casa, o pneu da sua moto furou. Um amigo guardou a motocicleta e o levou de volta à Juquehy. Marcos Henrique ainda não sabia, mas a moto foi a única coisa que lhe sobraria.
“Quando eu cheguei em casa, metade da rua tinha desmanchado. Porém, não estava entrando água nas casas, estavam intactas ainda. Teve uma tromba d’água na cachoeira, por causa do volume de água, e teve deslizamento. A primeira casa que eu vi desmoronando foi uma acima da minha”, relatou.
O quintal da residência onde morava era compartilhado, e ali viviam cinco famílias. Com medo de que ocorresse o mesmo com os imóveis e se machucassem, todo mundo decidiu correr para a rua. Infelizmente, os moradores pensaram certo, e o deslizamento foi em “efeito dominó”, segundo o rapaz.
“A primeira do nosso quintal foi cair às 3h, a gente saiu todo mundo muito desesperado e fomos para a rua. Descia [pela rua] muito lixo, muito bloco, entulho, muita coisa que machucava”, relembra. Eles seguiram para a casa do vizinho, onde conseguiram se secar e trocar de roupas, doadas na hora, mas tiveram que sair novamente, pois a cachoeira começou a derrubar a casa em que estavam abrigados também.
Mais de 50 pessoas seguiram sentido morro, todos pelo cantinho da rua para não correr o risco de serem levados pela enxurrada. Quando chegaram no alto do morro, ocorreu um deslizamento, e um poste caiu em cima de duas pessoas, que ficaram muito feridas, segundo Marcos.
“Muito desespero, muitas crianças correndo na rua procurando os pais, e os pais procurando os filhos perdidos”, relatou. Marcos viu muitas pessoas chorando, desesperadas e aflitas com a situação, temendo pela própria vida.
Cenário de destruição
Pela manhã, quando conseguiu voltar para a rua onde morava, viu toda a destruição do lugar. Foi nesse momento que o jovem, que foi morar sozinho aos 16 anos após a morte da mãe, percebeu que perdeu tudo o que tinha conquistado há pouco tempo. Móveis, roupas, sapatos, dinheiro, tudo. Só o celular e
“Tinha mobiliado a minha casinha, tinha ficado do jeitinho que eu queria. [...] Sem contar o pessoal que perdeu as casas, familiar. Eu sou novo, ainda dá tempo de correr atrás de tudo de novo. E quem está mais velho, só tinha o lar, algo que demorou para conquistar. Isso é complicado”, lamenta.
Agora, ele está abrigado na casa de um patrão, que lhe deu roupa, comida, e emprestou a moto da adega da qual é dono para que o motoboy consiga levantar um dinheiro para voltar para sua cidade natal, Virgem da Lapa, em Minas Gerais.
Negligência
Para ele, toda a situação mostra que houve negligência por parte do poder público, visto que a região está esquecida e, sempre que chove, há diversos pontos de alagamento na cidade. “Muita coisa poderia ter sido feita para evitar. Eles esperam remediar ao invés de prevenir”, aponta.
Esse é o mesmo sentimento da corretora de imóveis Beatriz Felini, que também mora em São Sebastião. Ela relata que muitas pessoas vivem em condições precárias próximo aos morros, áreas de alto risco quando ocorrem chuvas torrenciais. “A única coisa que o povo aqui quer, é dignidade de moradia. Precisa, não é só porque quer, por luxo. Fico revoltada com isso. [...] “O Poder público tem que olhar para isso. Olha a desigualdade que a gente vive aqui”, afirmou ao Terra.
Medo de faltar comida
Durante a madrugada deste domingo, 19, ela teve contato com clientes que alugaram casas para passar o carnaval em Juquehy, e tentou auxiliá-los. A corretora explica que as regiões mais atingidas de São Sebastião foram Cambury, Vila Paraná, e Paraná, onde ocorreram a maioria por causa dos deslizamentos.
Devido aos trechos de barragens nas entradas dos bairros, algumas pessoas estão ilhadas e sem ter como sair. “Hoje de manhã, as pessoas começaram a vir com essa preocupação [de ficar sem ter onde comprar comida]. O pessoal tá indo no mercado e comprando tudo. Igual na pandemia, mas não tem essa necessidade, porque daqui de Juquehy ainda dá para ir à São Paulo”, explica.
Beatriz aponta que em Cambury, Barra do Saí e Praia da Baleia há poucos comércios, e naquela região há preocupação sobre a falta de alimentos. “A gente fica sem saber o que fazer”, finaliza.
Morte e destruição
O temporal que atingiu o litoral de São Paulo entre a noite de sábado e a madrugada de domingo deixou destruição e morte na região. Casas ficaram inundadas, rodovias interditadas, e deslizamentos provocaram ao menos 36 mortes. Há pelo menos 228 pessoas desalojadas e 338 desabrigadas.
Segundo o governo do Estado de São Paulo, em São Sebastião, há 35 mortes confirmadas - 31 na Barra do Sahy, duas em Juquehy, uma em Camburi e uma em Boiçucanga. Uma das vítima é uma mulher de 40 anos, identificada como Fabiana de Freitas Sá, que teve a casa atingida por uma árvore.