Menina de 11 anos vítima de estupro passa por aborto legal em hospital de Santa Catarina
Procedimento foi confirmado pelo Ministério Público Federal, que tinha emitido recomendação para o Hospital Universitário da UFSC. Caso ganhou repercussão após falas de juíza em audiência
A menina de 11 anos, vítima de um estupro em Santa Catarina e que teve o aborto negado pela Justiça catarinense, teve a gestação interrompida nesta quarta-feira, 22. A informação foi divulgada pelo Ministério Público Federal (MPF) no início da tarde desta quinta-feira, 23.
Em nota, o MPF afirma que o Hospital Universitário (HU) Polydoro Ernani de São Thiago, vinculado à Universidade Federal de Santa Catarina, que havia negado a realização do aborto inicialmente à garota, foi procurado na quarta-feira, 22, pela mãe e pela criança, e que "adotou as providências para interrupção da gestação da menor".
"O Ministério Público Federal (MPF), considerando a grande repercussão do caso envolvendo menor vítima de estupro e, que teve a interrupção legal da gestação negada pelo serviço de saúde, vem informar o acatamento parcial da recomendação expedida nesta quarta-feira (22) ao Hospital Universitário (HU) Polydoro Ernani de São Thiago, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O hospital comunicou ao MPF, no prazo estabelecido, que foi procurado pela paciente e sua representante legal e adotou as providências para a interrupção da gestação da menor", informou o comunicado.
Na quarta-feira, o MPF enviou uma recomendação ao Hospital Universitário para que a unidade realizasse o aborto, e fixou o prazo de até meio-dia desta quinta-feira para que o HU se manifestasse sobre a recomendação.
No documento, a procuradora Daniele Cardoso Escobar, que assina a recomendação, argumentou que, no caso de aborto legal, não há restrições relacionadas à idade gestacional ou ao peso do feto que pudessem impedir a interrupção da gravidez.
O HU foi procurado pela vítima para realizar o aborto no início de maio, quando a criança estava com 22 semanas de gestação. O hospital, porém, negou a ela o procedimento alegando que as normas da unidade permitem a interrupção da gravidez só até a 20ª semana.
O episódio veio à tona na última segunda-feira, 20, quando gravações de uma audiência mostram a juíza Joana Ribeiro Zimmer, da Comarca de Tijucas (cidade a 30 quilômetros de Florianópolis), e então responsável pelo caso, sugerindo à menina que suportasse a gravidez por mais algumas semanas para conseguir dar à luz ao bebê. Os diálogos foram divulgados em reportagem publicada pelo portal Catarinas e o The Intercept Brasil.
Joana Ribeiro Zimmer já não está mais à frente do caso. No último dia 15, antes da publicação da reportagem, ela foi promovida e transferida para a Vara Comercial de Brusque.
Em nota, o Hospital Universitário informou nesta quinta-feira que "não divulga informações pessoais constantes no prontuário de seus pacientes e que, visando resguardar a intimidade da paciente e sua família, principalmente por se tratar de tema sensível, as informações confidenciais sobre o caso da menor apenas foram compartilhadas com órgãos que detém poder requisitório previsto em lei, em autos sob sigilo."
O principal autor do abuso, segundo a investigação policial, é o filho do padrasto da vítima, um adolescente de 13 anos. A informação também foi apresentada no despacho da desembargadora Cláudia Lambert de Faria que, na última terça-feira, concedeu à vítima a permissão para ela voltar para casa — a garota estava sendo mantida em abrigo por meio de decisão da magistrada Joana Ribeiro Zimmer, o que impedia a realização do aborto legal.
"Por fim, é importante ressaltar que o seu retorno ao lar não causará qualquer risco à sua integridade física e psicológica, uma vez que já foi determinado o afastamento do esposo da mãe e do seu filho menor (suposto autor do ato infracional), sendo que o adolescente irá residir com a avó em Florianópolis", relatou a desembargadora em despacho.
Se as investigações confirmarem que o suspeito de 13 anos foi o autor do abuso, a advogada criminalista, Ana Carolina Moreira Santos, afirma que a idade não o impede de responder criminalmente e que o rapaz poderá ser submetido a uma medida socioeducativa. "Ele pode responder por conduta análoga ao estupro, mas na forma de ato infracional", diz. "A menina, por sua vez, não responde (ao ato infracional), porque ela é criança, ou seja, é inimputável", afirma a advogada, que também é Presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB Pinheiros.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que são crianças os meninos e meninas que têm até 12 anos incompletos, e são considerados adolescentes as pessoas que têm entre 12 anos completos e 18 anos incompletos. Como no Código Penal pessoas menores de 18 anos são inimputáveis, a análise dos atos infracionais cometidos por menores de idade é feita a partir do que está previsto no ECA.
"Então, nesse caso, se o promotor resolver processar, como o menino tem 13 anos, ele pode receber uma medida socioeducativa porque já é adolescente, e a menina, por ser criança, recebe uma medida de proteção", explica a professora de Direito Penal e Processual Penal na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Maíra Zapater, autora do livro Direito da Criança e do Adolescente.
As duas advogadas reforçam que, mesmo se o ato fosse feito com o consentimento da criança, a situação ainda se configura como estupro de vulnerável. "O Direito Penal considera que qualquer ato de natureza sexual, praticado por qualquer pessoa menor de 14 anos é considerado estupro de vulnerável, independentemente do consentimento da pessoa", afirma Zapater.
Além disso, ambas enfatizam que o ato ser praticado por um adolescente também não invalida o direito da menina de interromper a gestação. "Nada muda para a hipótese de aborto, não só em decorrência do estupro, mas também porque havia, nesse caso concreto, um lado pericial de que havia risco de morte à vítima na manutenção da gestação", disse, Moreira. "O fato de quem legalmente praticou o estupro de vulnerável ter menos de 18 anos não interfere, em nada o direito dela ao abortamento legal", completou Maíra Zapater.