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Moradores de Higienópolis acolhem jovem que vivia em barraca

Depois de perder a barraca, adolescente passou a "morar” com vizinhos que o levaram para dentro de casa; agora ele quer reencontrar a mãe e será levado de volta para o Rio de Janeiro

5 dez 2014 - 09h26
(atualizado às 15h57)
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<p>Grupo que acolhe G. dentro de suas casas. Da esquerda para direita: Thalita Mota, Wil Schmaltz, Belisa Bagiani, Caue Matos, Ana Cristina Campos e Luciana Sodré Cardoso</p>
Grupo que acolhe G. dentro de suas casas. Da esquerda para direita: Thalita Mota, Wil Schmaltz, Belisa Bagiani, Caue Matos, Ana Cristina Campos e Luciana Sodré Cardoso
Foto: Facebook / Reprodução

No final de outubro, ele fugiu de casa e pegou carona para São Paulo pela terceira vez. O destino, o mesmo: a rua Doutor Veiga Filho, em Higienópolis, bairro nobre da zona oeste. Desde então, seu “endereço” mudou bastante: morou na sua já conhecida árvore - fato que lhe rendeu o apelido de 'menino-passarinho' - e, quando as chuvas vieram, ganhou uma barraca dos moradores de um edifício colado ao shopping; teve a barraca atacada com creolina, e acabou ganhando uma nova barraca.

No dia 12 de novembro, porém, G., 15 anos, perdeu sua segunda morada. O estudante que havia emprestado a barraca não gostou de saber que o garoto tinha levado pessoas para dentro de "casa" na noite anterior. Os quatro jovens que foram recebidos por G. acabaram roubando cerca de R$ 300 do garoto, dinheiro que ele ganhava de moradores, amigos e curiosos dispostos a ajudá-lo. Apesar de ter 15 anos, G. tem a idade mental de uma criança e é hiperativo.

Depois desse episódio, surgiu então a ideia de acolhimento informal: um grupo de seis pessoas – moradores de Higienópolis e Campos Elíseos – se mobilizou e criou uma espécie de rodízio para receber G., que dorme cada dia em uma casa.

“Tomamos a decisão com o coração, não queríamos deixá-lo na rua. Já tinha acontecido o ataque com creolina, depois os meninos que entraram na barraca", conta a dona de casa Ana Cristina Campos, 47 anos, que abriga G. em seu apartamento. "A experiência acabou sendo rica para todo mundo. Meus filhos, por exemplo, perceberam que a vida não é tão fácil, que não é todo mundo que tem o que eles têm, que o G. poderia estar na rua, estar morto ou machucado”, continua Ana, que tem três filhos com idades entre 14 e 24 anos. O sobrinho que também vive com ela concorda. "A casa ficou mais viva com ele. Todo mundo gosta muito dele aqui", diz o estudante Christiano Marcos, 21 anos.

G. na primeira noite do "acolhimento compartilhado", na casa de Wil Schmaltz
G. na primeira noite do "acolhimento compartilhado", na casa de Wil Schmaltz
Foto: Facebook / Reprodução

Casas de família e repúblicas de estudantes fazem parte do “acolhimento compartilhado”, que é a forma como o grupo chama a experiência. Na rotina de G., filmes na TV, vídeos no YouTube, videogame, skate e igreja. O grupo não costuma ter problemas com vizinhos, mas um morador de um dos prédios em que G. foi acolhido em Higienópolis convocou uma reunião para manifestar seu descontentamento com a presença do garoto. “Ele foi a pedra no sapato de um bairro nobre”, disse o universitário Wil Schmaltz, 25 anos, que também acolhe G. em sua república.

Voltando para casa

Depois de três semanas de acolhimento, G. manifestou desejo de voltar para a mãe, que vive em Cachoeiras de Macacu, na região de Nova Friburgo (RJ) – até então, ele dizia que queria ser adotado e, devido a denúncias de maus tratos no passado, já existe até mesmo um processo de destituição do poder familiar correndo no Rio. A notícia foi bem recebida pelo grupo, que manteve contato com a mãe de G. durante todo esse tempo.

“Acho que ele chegou a um limite, está há muito tempo fora de casa. A gente realmente queria que ele sentisse falta (da mãe), mas até então não tinha falado nenhuma vez em voltar”, conta a psicóloga Luciana Sodré Cardoso, 44 anos, que é a responsável (extrajudicial) por G. em São Paulo e ajuda o garoto desde sua primeira passagem pela capital. Diante da vontade de G. de rever a mãe, Luciana e Wil Schmaltz o levarão de volta para casa neste sábado.

Com a expectativa do reencontro, o grupo tenta orientar a mãe, que tem 38 anos e outros quatro filhos mais velhos que G., para que ela possa recebê-lo da melhor forma possível. “Um psiquiatra que nos ajudou explicou que o G. não assimila muito bem o aprendizado e não sabe lidar com as emoções. É um problema que ele tem. Então a gente está explicando que existe uma forma de lidar com ele, que tem uma idade mental inferior”, diz Luciana. “A mãe está feliz. Está bem receptiva, agradecendo. Está bem disposta, aparentemente. Realmente, convivendo com ele, a gente vê que não é fácil. Tem que ter uma rotina certa.”

A advogada Marina Ganzarolli, que está auxiliando o grupo, diz que o retorno à família é o desfecho ideal. “A restituição do laço familiar é sempre a melhor opção. A destituição do poder familiar é uma medida extrema. Quando isso acontece, a criança ou adolescente entra no serviço de acolhimento institucional, onde fica até os 18 anos, depois não é mais responsabilidade do Estado. Isso quando não acabam fugindo”, diz.

O grupo está otimista. “Espero que desta vez a mãe dele se interesse realmente, procure ajuda. Ele precisa de carinho e atenção. Se a gente conseguiu, prefiro acreditar que ela vai conseguir fazer melhor do que a gente fez. Já dissemos que as portas estarão sempre abertas e que ele sempre será bem-vindo em São Paulo, desde que não venha fugido. Ele não é mais um menino de rua, é um amigo da gente”, diz Ana Cristina. O retorno, aliás, parece já estar nos planos de G. "Eu vou voltar para casa. Depois eu volto para São Paulo de novo.” Mas de carona, fugido? “Isso eu vejo depois.”

Fonte: Terra
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