Moradores do Alemão querem menos tiros para serem ouvidos
O Terra ouviu relatos de quem convive diariamente com tiroteios e abusos por parte de policiais
Moradores do Complexo do Alemão se reuniram, na tarde desta segunda-feira (6), no gabinete do deputado estadual, Marcelo Freixo (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). O pedido para a reunião partiu dos moradores. Ao lado deles, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Paulo Pimenta (PT), que passou o dia visitando a comunidade ao lado do deputado federal Jean Wyllis (Psol). “Eles têm muitas queixas contra a polícia e também contra o trabalho da imprensa”, disse Wyllis. Os moradores pediram, em sua maioria, para serem ouvidos. E foi o que o Terra fez. A seguir, os depoimentos de moradores do Complexo do Alemão:
Denise Moraes da Silva, mãe do mototaxista Caio, morto pela polícia com um tiro nas costas no dia 1º de maio de 2014
“As investigações avançaram e está provado que foi um policial (quem matou Caio), o Jéfferson. O relato dele é que ele se assustou. Ele disse que viu dois elementos em cima de uma laje e atirou nos dois. Só que meu filho estava na rua, a menos de 100 metros dele. A história é sempre essa. Ele continua na ativa, mas não o vejo mais. Ele era da UPP Nova Brasília. Li no processo que o policial que matou meu filho tinha 40 dias de formado. Como se coloca numa zona de conflito alguém com 40 dias de formado? Fiz três anos e meio de curso de enfermagem, fiz estágio e não consegui me formar, porque precisava completar o último semestre. Como alguém que fez sete meses de formação vai para a rua e atira para matar? Nem bala pro alto ele deu, ele deu direto no meu filho. Hoje falo pela minha comunidade. Espero que a gente possa ter uma reunião com os comandantes, porque eles precisam saber como se comportam seus comandados nas ruas. É cômodo estar no conforto sem saber o que meus liderados estão fazendo. Eles tratam a gente com tapa na cara, na base do não pode nada porque “sou policial”, e mandam a gente resolver os problemas na rua 2 (onde a frequência de tiroteios é maior). Queria entender isso”.
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Maicon de Moura, filho de Elizabeth Moura, morta por um policial dentro de casa na última quarta-feira, ao lado da filha, que também foi atingida, e do filho, de seis anos, que viu a mãe morrer ao seu lado.
“Minha mãe tinha chegado do trabalho e só queria proteger seus filhos no meio do tiroteio. Eu vi que ela foi alvejada pelo policial. Ele diz que tomou um susto, que correu alguém na minha laje, mas ele atirou para baixo. É um despreparo completo. O tiro atravessou minha mãe todinha. Minha irmã foi atingida mas passa bem. E meu irmão de seis anos, que viu tudo? Ninguém do Estado nos procurou para nada. No dia seguinte o policial estava de plantão. Como se nada tivesse acontecido, olhando pra nossa casa, amedrontando a gente. Identificamos ele. Ele era da UPP. Depois não o vimos mais. Nada vai trazer minha mãe de volta. Que o governador do Estado tome uma providência sobre isso”.
José Carlos Ramos, pastor de igreja batista e cunhado de Elizabeth
“No sábado estava fora e a polícia invadiu a igreja sem minha autorização. Pela segunda vez. Eles alegam que é por segurança. Mas nós sabemos que isso não é segurança. Quando quis fazer um culto na praça tive que pedir autorização ao comandante da UPP. Por quê? E a liberdade religiosa? Nós fazemos o trabalho de apoio psicológico, amparo na área social, que o Estado não faz. Muitas das famílias estão sofrendo. Nosso Estado está doente pela violência. Mas o governo não nos dá nenhum apoio. Se for fazer uma festa, tem que pedir autorização. Se não, não é autorizado. Moro há 55 anos no Alemão. Já passamos situações difíceis? Sim. Mas depois da implantação desse projeto, me desculpem, projeto burro, tudo ficou pior. Não tem planejamento. Foi um projeto feito para a Copa, Olimpíadas. Feita para americano ver. São pessoas despreparadas para lidar com uma comunidade. É muito diferente de uma comunidade da zona sul. Querem mudar em dois anos uma situação de trinta anos. Sem planejamento e sem estruturua. Esse é o pior momento que já vivi ali. Tenho medo de sair de casa à noite. Fico trancado em casa. Só saio de casa pro trabalho, do trabalho para igreja. E ficamos dois meses sem poder realizar culto”.
Lucia Cabral, moradora e presidente da ONG Educap.
“As crianças têm medo de ir à escola. As operações policiais são sempre no horário da escola. A criança dorme, acorda e vai para a escola sempre com tiroteio. Imaginem como está a saúde mental dessas crianças? E vem o governador e fala em reocupação? Reocupação é mais armas. Por que ele não fala em projetos sociais, mais educação? Como se faz política em território de guerra e onde um Ciep está ocupado pela polícia. No meio do tiroteio, a professora da creche liga e diz à mãe pra ir buscar a criança. Como se vive e trabalha em um lugar assim? Ficamos 90 dias com tiroteios diários”.