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Na mata ou pelo rio, venezuelanos chegam em massa a cidade do Acre na fronteira

Apesar de fronteiras fechadas, imigrantes têm conseguido acesso; prefeitura pediu ajuda do Estado; custo para receber grupos ultrapassa R$ 1 milhão, segundo autoridades locais

29 out 2020 - 22h01
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RIO BRANCO - A chegada em massa de quase 250 homens, mulheres e crianças estrangeiros, em sua maioria venezuelanos, ao município de Assis Brasil, no interior do Acre, na segunda-feira, 26, tem preocupado as autoridades da cidade e do Estado. O local, de pouco mais de 7 mil habitantes, fica na fronteira do Brasil com o Peru, e é banhado pelo Rio Acre, que separa os dois países. A chegada diária de estrangeiros passou de cinco para até 30 pessoas e o custo para manter o grupo passa de R$ 1 milhão, conforme autoridades locais.

Apesar de a fronteira estar fechada para o trânsito de pessoas, isso não tem impedido o acesso de estrangeiros ao território brasileiro. Para isso, os imigrantes têm se arriscado durante a madrugada na travessia do Rio Acre a pé, ou ainda por meio dos chamados "varadouros" - trilhas abertas na mata para a passagem ilegal.

Secretária de Estado de Assistência Social, dos Direitos Humanos e de Políticas para Mulheres afirma que situação de migrantes em Assis Brasil é acompanhada de perto pelas autoridades
Secretária de Estado de Assistência Social, dos Direitos Humanos e de Políticas para Mulheres afirma que situação de migrantes em Assis Brasil é acompanhada de perto pelas autoridades
Foto: Prefeitura de Assis Brasil/Divulgação / Estadão

Com pouco efetivo policial na faixa de fronteira, torna-se quase impossível represar essas pessoas no lado peruano. Com os serviços de assistência social e de saúde precários, o prefeito da cidade brasileira, Antônio Zum (PSDB), pediu auxílio imediato do governador Gladson Cameli (Progressistas) para dar conta da demanda exigida pelo número de estrangeiros que chega à cidade todos os dias.

Além da alimentação, o prefeito relata que também é preciso oferecer acomodações para os imigrantes, incluindo água potável, equipe multidisciplinar para entrevistá-los e catalogar o perfil de cada um, para onde vão e por que estão acessando o Brasil pelo município. "Antes eram pessoas que estavam saindo do Brasil em busca de outros países. Chegamos a reter aqui mais de 300 pessoas, alojar em escolas. Agora um novo fluxo traz essas pessoas para Assis Brasil. Estão enchendo as escolas, e não conseguimos dar conta disso. São 700 refeições, incluindo café, almoço e janta. Não tenho como dar conta disso lá", afirma.

Dentre os 250 migrante que chegaram ao Brasil na última semana, maioria veio da Venezuela
Dentre os 250 migrante que chegaram ao Brasil na última semana, maioria veio da Venezuela
Foto: Prefeitura de Assis Brasil/Divulgação / Estadão

Segundo Zum, os venezuelanos são maioria entre os que chegaram à cidade e o custo para mantê-los já ultrapassa R$ 1 milhão. A chegada diária de estrangeiros passou de cinco para até 30 pessoas. Quadro crítico que promete piorar ainda mais em novembro. "Estou pedindo apoio, ajuda. Não tenho como suportar isso num momento em que as receitas caíram. Dependemos quase que exclusivamente das verbas constitucionais. A gente está sofrendo bastante com isso, é uma situação muito difícil, delicada, e não sabemos mais a quem recorrer a partir daqui".

A secretária nacional da Família, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Angela Vidal Gandra, em visita ao Acre semana passada, participou de uma reunião com equipes do governo estadual e da seccional local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para discutir a situação dos venezuelanos. "Aqui no Acre nos chamou atenção a saúde básica. É necessário viabilizar vacinas e outras questões que amparem o bem-estar dos imigrantes. Estamos aqui exatamente para saber no que podemos ajudar", destacou ela, no encontro.

A situação, conforme a secretária de Estado de Assistência Social, dos Direitos Humanos e de Políticas para Mulheres, Ana Paula Lima, é acompanhada de perto pelas autoridades, seguindo determinação do governador. Ela alerta que, apesar de os venezuelanos entrarem no País pelo Acre, Roraima ainda é referência para a maioria. "Quanto à rota, os migrantes vindos diretamente da Venezuela continuam adentrando ao Brasil por Roraima. A maioria que chega diretamente pelo Acre, já vem de outros locais, como o Peru. O Estado assegura acolhimento temporário em condições dignas e de segurança aos migrantes", afirmou.

Ana Paula ressalta também que foi criado um grupo de trabalho responsável por avaliar a situação dos imigrantes e viabilizar auxílio a todos eles por meio das secretarias locais. "Seguindo o fluxo, os migrantes são acolhidos nos abrigos provisórios. Ainda como suporte ao município, o Estado repassou ajuda no valor de R$ 120 mil, incluindo fraldas, colchões e 650 cestas básicas", disse ela, ao destacar que estrangeiros de outras nacionalidades também têm chegado.

"De 2010 até hoje, o Acre recebeu 44.259 imigrantes de 36 nacionalidades. A parceria entre Estado, governo federal e entidades, é fundamental para gerir o fluxo migratório", disse. Os números somam todos que já passaram pela fronteira e se legalizaram, passando pelo crivo das autoridades acreanas, e são atualizados diariamente.

Barrados pela pandemia

Os migrantes que chegaram ao Acre nos últimos dias estão sendo obrigados a permanecer em Assis Brasil por causa da pandemia da covid-19, e estão sem data para seguir viagem. Com as medidas restritivas em razão da crise sanitária, a Polícia Federal suspendeu a emissão de registro de entrada desses estrangeiros.

Os venezuelanos que estão chegando ao Brasil pelo Acre se deslocaram por cerca de 20 dias e passaram pela Colômbia. Apesar de mais longa, a rota é considerada mais barata, mas não mais fácil: é preciso fazer caminhada, atravessar rios de barco e ainda contar com as caronas nas estradas de barro por onde passam. É a tentativa de não ser pego pela polícia.

A psicóloga Ivanete Cunha Alves, que acompanha o êxodo desde o início, avalia como crítica a situação dos migrantes na cidade. Apesar da tentativa de manter essas pessoas em condições adequadas, o número de estrangeiros dificulta a manutenção dos serviços e aumenta a tensão entre os que chegam e os que já estão abrigados.

"Como a fronteira está fechada, a Polícia Federal não deixa eles seguirem viagem. Quando eles chegam na polícia, são deportados porque estão ilegais. Quando eles chegam aqui, a prefeitura dá a alimentação para eles não ficarem com fome. Nós temos aqui pessoas doentes, uma idosa cega, crianças autistas e até um idoso com bolsa de colostomia", revela a psicóloga.

A tentativa diária da equipe multidisciplinar é de controlar os ânimos entre os estrangeiros. A psicóloga diz que apesar de estar com os documentos pessoais em mãos, o impedimento para seguir viagem deixa o ambiente ainda mais instável. "Isso não permite que eles entrem no município. Eles não têm refúgio e nem residência, estão ilegais", destaca.

Ivanete Alves destaca que a justificativa dos estrangeiros para virem ao Brasil é basicamente a mesma, e inclui perseguição política, fome e a falta de emprego na Venezuela. O medo de que o novo coronavírus se espalhe no abrigo é contínuo e tem exigido atenção das autoridades do setor de saúde.

"A gente sempre verifica a temperatura do pessoal que chega aqui na cidade. Quando a equipe médica vai para o abrigo, tendo a suspeita de estar com covid-19, a gente já faz o teste rapidamente e isola essas pessoas se for preciso. Dentro das condições, está sendo dada a assistência para proteger a eles e à população da cidade", afirma a psicóloga.

País vizinho vive crise econômica e êxodo crônico

Há quase duas décadas a Venezuela vive um cenário de crise econômica, social e política. Com o colapso nacional, o cenário humanitário do País foi duramente castigado. Além disso, a inflação passa de 1.000.000%, pressionando milhares de famílias a buscarem uma nova vida em outros países da América Latina.

'Estão enchendo as escolas, e não conseguimos dar conta disso', afirma o prefeito de Assis Brasil, Antônio Zum (PSDB)
'Estão enchendo as escolas, e não conseguimos dar conta disso', afirma o prefeito de Assis Brasil, Antônio Zum (PSDB)
Foto: Prefeitura de Assis Brasil/Divulgação / Estadão

O chamado "êxodo venezuelano" se destacou após os imigrantes fugirem e começarem a entrar no Brasil por Roraima. Com a crise cada dia mais acentuada, as autoridades brasileiras entraram em estado de atenção e manifestaram preocupação com a entrada dos estrangeiros.

O êxodo, que pode atingir até 5 milhões de pessoas, segundo previsão da Organização das Nações Unidas (ONU), fez aumentar a pressão, reforçando os anseios por novas políticas de Estado para receber e dar assistência aos imigrantes que buscam refúgio nas cidades brasileiras. No cenário econômico, o país vizinho sofreu ainda mais após as sanções aplicadas pelo governo dos Estados Unidos. Com isso, aumentou a onda de críticas ao governo e de denúncias de corrupção na gestão Nicolás Maduro.

Estadão
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