No MP, cicloativistas chamam ação anticiclovia de “tosca”
Grupo "invadiu" entrevista coletiva na sede do Ministério Público de São Paulo e cobrou promotora contra ação civil pública que pede suspensão das obras cicloviárias na capital
Uma saraivada de perguntas surpreendeu a promotora de Habitação e Urbanismo de São Paulo, Camila Magalhães da Silveira, em uma entrevista coletiva na manhã desta quinta-feira na sede do Ministério Público paulista. Camila é autora da ação civil pública que, na última terça-feira, pediu à Justiça a suspensão das obras de ciclovias e ciclofaixas na capital paulista, bem como a recomposição asfáltica de onde é construída, há mais de dois meses, a ciclovia da Avenida Paulista. A surpresa veio pelos entrevistadores: um grupo de cicloativistas que rebateu pontos da ação e a classificou como “simplista” e “tosca”.
Para a promotora, o principal argumento para requerer a paralisação das obras em até 24 horas – ou a recomposição do asfalto na Paulista, em até 30 dias – é a falta de estudos técnicos que apontem não apenas a necessidade e a eficiência das obras cicloviárias, como a falta de audiências públicas para discutir o assunto.
Ela não quis citar bairros de onde partiram, ao MP, as críticas de moradores e comerciantes contrários às ciclovias. “Não vou falar isso para a senhora. São pessoas de todas as regiões”, resumiu. Após insistência dos cicloativistas e dos repórteres, afirmou que “pode ser que 80” pessoas teriam reclamado. “Chegou muita reclamação, mas é prerrogativa do MP abrir procedimento se uma única queixa chegasse. Não preciso de 100 ou 1 mil representações para investigar”, alegou a promotora, segundo a qual “o MP não quer que não sejam implantadas ciclovias, mas que se faça a melhor opção”.
Presente à entrevista coletiva, a pesquisadora Carla Moraes, 31 anos, com capacete de ciclista ao colo, reclamou do pedido de fim das obras na Paulista, ao afirmar que vê outros ciclistas, além dela própria, usarem a avenida, e não as paralelas, para lazer e trabalho. Moradora da Saúde, na zona sul, ela trabalha na rua da Consolação e há quatro meses optou pela bicicleta para se deslocar diariamente. “Vejo cada vez mais jovens aderindo, e surpreende uma ação como essa porque essa política pública já entrou na pauta política da cidade”, afirmou Carla.
Diretor da ONG Ciclocidade, Daniel Guth, também no auditório da entrevista, reclamou da iniciativa da promotora e questionou se a preocupação da ação teria, de fato, sido a segurança dos ciclistas. “A ação é toda questionável, porque ela coloca em xeque não só a metodologia usada para as obras cicloviárias, como a política pública implementada”, definiu. Para Guth, a afirmação de que a população não foi ouvida não tem respaldo nas discussões que antecederam as obras.
“Foram vários espaços de participação, não apenas com a Prefeitura, pelo Conselho de Trânsito e Transportes, mas, no caso da Paulista, também junto à Associação Paulista Viva e em duas audiências públicas na Câmara, por exemplo. O próprio prefeito colocou como meta de gestão os 400 km de ciclovias”, defendeu Guth, para quem as falhas “existem, mas são pontuais”. “O que é inconcebível é uma ação simplista, tosca e preconceituosa como essa”, criticou.
Durante a entrevista, Guth reclamou de a promotora citar, na ação, que, da forma como a implementação do sistema cicloviário tem sido implementado, “sem prévio estudo técnico detalhado e sem participação popular”, trará “consideráveis prejuízos ao modal que ainda é o mais importante para a economia de São Paulo”. “Estudo da própria Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que só pelos engarrafamentos, São Paulo perde ao ano cerca de R$ 40 bilhões”, lembrou.
Também cicloativista, o pesquisador da FGV Renê Fernandes, de 30 anos, afirmou que a própria estrutura das ciclovias, hoje, já garante mais segurança ao ciclista que a mera inexistência delas. “E há uma pressão da sociedade na formulação de agendas relativas ao tema – a própria criação do Conselho Municipal de Transportes e Trânsito é resultado disso”, afirmou.
Na avaliação da promotora, porém, a falta de critérios existe e precisa ser sanada antes de as obras, uma vez suspensas, serem retomadas. “O Grajaú, por exemplo (no extremo sul da capital), é onde há a maior demanda por ciclovias, e não foi investido um centavo lá”, citou. “Aqui ninguém é contra a ciclovia, mas precisamos que a Prefeitura indique tecnicamente se isso trará benefícios como um todo à sociedade”, definiu.
A representante do MP disse usar “transporte público” para se deslocar ao trabalho – ela mora nos Jardim Paulista, região dos Jardins, onde há uma ciclorrota implantada ano passado. Na ação civil pública, porém, a representante do MP lamenta o fato de que “São Paulo, ao contrário do que ocorre em Nova Iorque e em Amsterdã, não possui um transporte público de excelência e, por ora, não há alternativa de transporte público coletivo. A bicicleta não é um meio de transporte de massa, de modo que sua eficiência é questionável, pois sua capacidade é ínfima”.
Nos Jardins, a opinião dos moradores e trabalhadores do bairro diverge sobre a ação do MP e o futuro das ciclovias.
“Se as ciclovias e ciclofaixas fossem mais organizadas, seria melhor; hoje, do jeito que estão, mais atrapalham que ajudam. Mas retirá-las não acho que seja a solução”, opinou o estudante Gustavo Godinho dos Santos, de 17 anos. “Sou contra retirar, mas precisa mexer ainda em muita coisa”, reforçou o também estudante Felipe Souza Ramos, de 18 anos.
“Para mim, as ciclovias ajudaram muito – não uso tanto atualmente mais por questões de falta de segurança, pois fui assaltada, mas meu marido só vai para o trabalho pedalando. É uma questão de as pessoas se acostumarem, não tem jeito”, avaliou a atriz Bruna Tomio, de 28 anos. “O projeto é bom, mas, do jeito que está hoje, tem vias em que é absolutamente perigoso ou impossível você pedalar – seja em uma ladeira íngreme, por exemplo, ou em uma rua de faixas muito estreitas. Retirar o projeto é que não é mesmo solução”, considerou o comerciante Bernardo de Souza, 40 anos.
A Justiça ainda não se pronunciou sobre a ação da promotoria, cujos pedidos são liminares e implicam em multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento.