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No Nordeste, rotina de mortes, lembranças e dor

Região concentra alta na violência no País junto com a Região Norte. Famílias lembram perdas e cobram solução de crimes

5 jun 2018 - 22h38
(atualizado às 22h44)
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NATAL E MACEIÓ - Aos 25 anos, no auge da forma física e se preparando para mais uma competição, o lutador de MMA, Luiz de França Sousa Trindade foi assassinado com nove tiros de pistola, em plena luz do dia, em frente à academia na qual dava aulas de jiu-jitsu na zona Sul de Natal. O crime ocorreu no dia 10 de fevereiro de 2014. O Rio Grande do Norte foi onde a violência letal contra os jovens mais cresceu na última década: 382,5%. No País, 33,5 mil jovens foram assassinados em 2016 - e um total de 324 mil na década.

"Eu fui uma vítima direta da violência. Não há mais saída. Estamos entregues à sorte. Como mãe, eu vi meu filho ser morto. Aliás, exterminado. Um psicopata deu nove tiros de pistola. É uma dor que não passa", relembra Auta Maria Pedroza, 51 anos, mãe de Luiz de França. O autor dos disparos, um policial militar afastado dos serviços por problemas psiquiátricos à época, Iranildo Félix de Souza, matou outras duas pessoas no mês seguinte ao assassinato de Luiz de França, incluindo uma ex-companheira. Em 2015, ele foi encontrado morto numa cela do 5º Batalhão da Polícia Militar em Natal.

A morte de Luiz de França, segundo depoimentos de amigos, familiares e alunos que presenciaram o assassinato, teria como causa a expulsão de Iranildo Félix de Souza da academia de jiu-jitsu. O policial militar era aluno de Luiz de França que, inconformado com o descumprimento de regras internas pelo militar, o expulsou da aula. "Uma semana depois, ele (Iranildo) se armou e matou meu filho. E ainda atingiu um amigo que correu quando viu a arma", disse Auta Maria Pedroza. Além de Iranildo Félix, outro policial militar, Moisés Gonçalo do Nascimento, é réu no caso como cúmplice. Ele pilotava a motocicleta na qual Iranildo ia como passageiro e de onde efetuou os disparos ao pararem na frente da academia.

"Não vejo justiça. A justiça não é feita. O outro policial militar que participou do crime está solto. Natal está entregue, a situação é muito difícil. Está insuportável", lamentou a mãe da vítima. Desde o assassinato do filho, ela diz que tenta se espelhar nos amigos de Luiz de França para seguir em frente. "Eu vejo em cada amigo do meu filho, um pedaço dele. Eu tento esconder minha dor. Meu filho era uma homem forte e digno. Um anjo. Eu tento ser o melhor de mim todos os dias. Deus me fez mais forte desde que ele se foi. O que mais ele (Luizinho, como ela chama) queria era me ver feliz", disse emocionada.

Ações

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (Sesed) do RN destacou que, em 2018, a quantidade de crimes violentos letais vem apresentando diminuição. "Nos cinco primeiros meses do ano, houve uma redução de 17,1% dos casos no RN em relação ao mesmo período do ano passado. Na capital do Estado, a queda foi ainda maior, de 24,3%."

A pasta disse ainda que o crescimento nos casos apresentados nos últimos anos tem "relação direta com a disputa entre facções criminosas dentro do Rio Grande do Norte, alimentadas pelo tráfico de drogas". Cerca de 65% desse tipo de crime tem ligação com o tráfico de drogas, estima a secretaria.

Alagoas

Para a socióloga Ana Cláudia Laurindo, a violência que atinge a população negra de Alagoas é consequência da história da formação sócio-política do estado, que ainda repete um modelo ligado à colonização. Co-autora do livro Bastidores da violência (e dos violentos) em Alagoas ao lado do maridoo, o jornalista Odilon Rios, a socióloga sentiu na pele a violência que atinge o negro em Alagoas. Em novembro de 2010, seu filho José Alexystaine, de 17 anos, foi assassinado com dois tiros no município de Matriz do Camaragibe, a 75 km de Maceió, ao tentar apartar uma briga.

O Atlas da Violência destacou a situação em Alagoas: lá foi registrada a terceira maior taxa de assassinatos de negros (69,7 por 100 mil habitantes) e a menor de não negros (4,1). "Em uma aproximação possível, é como se os não negros alagoanos vivessem nos Estados Unidos, que em 2016 registrou taxa de 5,3 homicídios para cada 100 mil habitantes, e os negros alagoanos vivessem em El Salvador, cuja taxa alcançou 60,1 por 100 mil em 2017", ressaltaram os pesquisadores.

Segundo ela, apesar de haver testemunhas que presenciaram o assassinto e identificaram o assassino, nada foi feito, o que acabou provocando o arquivamento do inquérito. "Ser negro pesou em toda a história do meu filho", lamenta Ana Cláudia. "Ser negro assassinado em Alagoas significa morrer duas vezes, porque a segunda morte vem justamente no momento em que se culpa a vítima por sua cor", acrescenta.

Ana Cláudia Laurindo justifica o alto índice de assassinatos de negros em Alagoas pela falta de políticas sociais para os pobres - "que são essencialmente negros". "A sociedade alagoana tem requintes de crueldade de classe", denuncia. "O negro em Alagoas é impedido de mobilidade urbana. Por aqui, olhar para o negro já é se prevenir, ou seja: o negro alagoano é olhado de maneira desumana", completa.

Estadão
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