O que se sabe até agora sobre prédio que desabou em SP
Bombeiros buscam 44 pessoas desaparecidas; sobreviventes suspeitam que explosão de botijão de gás tenha causado incêndio; estrutura mista de concreto e aço do edifício contribui para desmoronamento.
O Corpo de Bombeiros segue nesta quarta-feira combatendo pequenos focos de incêndio, retirando escombros e buscando possíveis vítimas no Largo do Paissandu, centro de São Paulo, onde um prédio de 24 andares que servia de moradia para 150 famílias pegou fogo e desmoronou na madrugada de terça-feira. Ainda não há confirmação sobre número de mortos.
Dos 317 moradores que estavam cadastrados no prédio, 44 estão desaparecidos, confirmou à BBC Brasil na manhã desta quarta-feira o tenente Guilherme Derrite, porta-voz do Corpo de Bombeiros que está no local. Veículos de imprensa chegaram a noticiar que o número havia caído, para entre 34 e 29 pessoas. Mas, segundo o tenente, essas informações haviam sido repassadas de forma equivocada à corporação por órgãos da prefeitura.
"Com base no cadastro de assistência social da prefeitura, a informação oficial é que há 317 moradores cadastrados e que, desses, 44 ainda não se apresentaram. Não se sabe o paradeiro deles", afirmou Derrite.
Em transmissão ao vivo pelo Facebook, a partir do local, o tenente disse que "os bombeiros estão realizando o processo de resfriamento dos escombros e a retirada manual desses escombros, porque há esperança de que haja pessoas com vida debaixo deles".
O edifício Wilton Paes de Almeida foi inaugurado em 1968 e estava abandonado havia 17 anos. No passado, foi sede da Polícia Federal e abrigou uma agência do INSS.
De lá para cá, foi ocupado irregularmente diversas vezes - atualmente, os moradores pagavam em torno de R$ 200 mensais por um cômodo em algum dos andares. A ocupação estava a cargo do Movimento Luta por Moradia Digna (LMD).
Vítimas
Viviam no prédio cerca de 150 famílias em ocupação irregular, de acordo com o cadastramento feito pela Prefeitura em março deste ano. Como as ocupações de sem-teto têm população flutuante, não se sabe exatamente quantas pessoas estavam no local enquanto as chamas tomavam conta do edifício. Até o começo da noite de terça, uma pessoa era dada como desaparecida - um homem avistado pelos bombeiros quando o prédio ruiu.
Os bombeiros informaram, no entanto, que a contagem de pessoas que saíram do prédio depois do incêndio chegou a um total de 118 famílias, ou 317 pessoas. As pessoas que estavam no cadastro e não nessa contagem, porém, não necessariamente estavam na estrutura durante a tragédia.
Na madrugada desta quarta-feira, o Corpo de Bombeiros informou que aproximadamente 80 homens e 20 viaturas permanecem no combate a pequenos focos no local , "removendo partes menores de escombros de forma técnica e manual, pois trabalha-se com a possibilidade de vítima". Há a expectativa de que os trabalhos no local durem de 7 a 10 dias.
A que horas o fogo começou e quando o prédio caiu?
O incêndio teria começado por volta de 1h30 da madrugada desta terça. O Corpo de Bombeiros divulgou as primeiras informações sobre os esforços para combater o fogo por volta de 1h40. "Incêndio em Apartamento, Largo do Paissandu, 100 - República. Em princípio não há vítimas. 20 viaturas no atendimento, 45 homens. Aguardamos mais informações do local", postou a corporação, no Twitter. Pouco depois, ficou claro que o cenário era dramático.
Novas informações foram postadas na rede social às 2h da madrugada, afirmando que o efetivo no local havia sido reforçado, que havia "muito fogo pelo local e 1 vítima pedindo socorro no último andar".
Pouco depois, o prédio desabou, justamente quando os bombeiros tentavam resgatar um homem que estava no 12º andar e que até o momento não foi localizado. Ele estava pendurado na lateral do prédio, agarrado à antiga estrutura de para-raios. Uma equipe de bombeiros chegou a lançar equipamentos para auxiliá-lo, mas os apoios se romperam quando o edifício desabou.
O que provocou o incêndio e por que ele se espalhou rápido?
As causas ainda não foram divulgadas.
A principal suspeita dos moradores é de que um botijão de gás tenha explodido e dado início ao incêndio, no quinto andar do prédio.
E vários fatores teriam contribuído para as chamas se espalharem rapidamente e o prédio desabar.
De acordo com o porta-voz do Corpo de Bombeiros, Marcos Palumbo, a ausência de elevadores no local e a presença de muito lixo - e de materiais como madeira, papel, papelão - teriam agravado a situação, funcionando como combustível para o fogo.
O professor de engenharia da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Helene, especialista na área há 30 anos, afirmou à BBC Brasil que a falta de sistemas fundamentais para prevenção e combate de incêndios também ajudam a explicar a velocidade das chamas.
"Esse prédio era um grande salão aberto, aparentemente sem paredes internas de alvenaria e sem esses sistemas de proteção suplementares que impediriam que o fogo se espalhasse rapidamente", diz Helene, reforçando a explicação do Corpo de Bombeiros de que os "buracos" deixados pela retirada dos elevadores funcionaram como chaminés, também contribuindo para o fogo passar de um andar para outro.
Por que houve o desabamento?
O professor de Paulo Helene, da USP, afirma que, de acordo com normas nacionais e internacionais de segurança, prédios dessa altura deveriam resistir sem desabar, em caso de incêndio, por pelo menos três horas, ou 180 minutos - tempo estimado para evacuação e para viabilizar as ações de salvamento por parte dos bombeiros. "Mas esse edifício colapsou antes de 1 hora e meia, ou seja, resistiu apenas por cerca de 90 minutos."
A estrutura mista de concreto e aço do edifício, menos resistente ao fogo, teria contribuído para isso, segundo ele.
"O prédio tinha um núcleo central de elevadores e escadas em concreto. Os demais eram pilares metálicos, com resistência bem menor ao fogo. Essa pode ser uma das explicações para ele ter caído tão rápido", diz o professor.
As informações sobre a estrutura são baseadas na tese de doutorado Edifícios de Escritório na Cidade de São Paulo, do pesquisador Roberto Novelli Fialho, publicada em 2007 pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU/USP).
Na época em que o Wilton Paes de Almeida foi construído, nos anos 1960, boa parte dos prédios no Brasil era feito apenas de concreto, que funciona como uma espécie de isolante térmico e, portanto, dificulta a disseminação de focos de incêndio.
Com o tempo - e o desenvolvimento da indústria siderúrgica nacional -, a construção passou a incorporar estruturas metálicas nos edifícios.
O problema, pondera o especialista, é que a estrutura praticamente não tinha elementos de proteção térmica - argamassa com cimento de amianto, revestimento com gesso, pintura intumescente - desenvolvidos justamente para proteger os materiais metálicos, que têm um coeficiente de transmissão térmica bastante superior à do concreto e facilitam a expansão de eventuais incêndios.
"Na época em que o prédio foi construído, não existia proteção térmica como existe hoje - e que sabemos que é importante. Era uma estrutura que não estava protegida adequadamente contra incêndios", acrescenta Helene.
Que outros danos a tragédia causou?
As chamas atingiram dois prédios vizinhos, e o desabamento destruiu parte de uma igreja luterana que fica ao lado do edifício. O templo, chamado Martin Luther, é uma das primeiras paróquias evangélicas luteranas da capital paulista, inaugurada em 1908. O pastor Frederico Ludwig, de 61 anos, disse à BBC Brasil que 80% da igreja foi destruída. "Sobrou praticamente só o altar e a torre", afirmou. Segundo ele, o templo havia passado por uma reforma interna que custou R$ 1,3 milhão e se preparava para uma reforma da parte externa.
Qual a história desse prédio?
O edifício Wilton Paes de Almeida era um dos marcos arquitetônicos da cidade e tombada pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp).
Com 24 andares, além de dois pisos de sobrelojas comerciais, e 11 mil m² de área construída, localizado na rua Antonio de Godoi, foi projetado na década de 1960 para abrigar a sede da empresa Cia. Comercial Vidros do Brasil (CVB).
O prédio era considerado a maior obra do arquiteto Roger Zmekhol (1928-1976). Filho de imigrantes sírios, Zmerkhol, nasceu em Paris e veio para o Brasil ainda criança. Ele era professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo.
Sua característica marcante era a enorme fachada envidraçada, que lhe rendeu o apelido de "pele de vidro". Um artigo de 1965 da extinta revista de arquitetura Acrópole ressaltava outras características do prédio - em construção na época - , como o primeiro da cidade a ter sistema de ar-condicionado central e seu hall de mármore e aço inoxidável.
Uma reportagem da Folha de S. Paulo de janeiro de 2017 dizia que o edifício foi a leilão em 2015, no valor de R$ 21,5 milhões, mas não houve interessados.
O local abrigou durante 23 anos a sede da Polícia Federal em São Paulo e, até 2009, uma agência do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Ainda de acordo com a Folha, em 2012, a Secretaria de Patrimônio da União cedeu o prédio para a Unifesp, que instalaria ali o Instituto de Ciências Jurídicas. Mas o projeto não vingou, assim como outro que pretendia transformar o local em um polo cultural em parceria com o Sesc (Serviço Social do Comércio).
Que apoio as famílias estão recebendo?
Questionado sobre de que forma o governo estadual e a Prefeitura poderiam ajudar as pessoas do prédio que desabou, o governador Márcio França afirmou que serão oferecidos abrigos e auxílio-moradia às famílias.
"Elas têm direito ao aluguel social, se quiserem. A gente paga enquanto não encontra apartamento para elas", disse ele.
Mas o coordenador do movimento Luta por Moradia Digna, Ricardo Luciano, disse que o plano é ocupar outro edifício para acomodar as famílias desabrigadas com o desabamento.
"Vamos atender às famílias, ocupar outro local e remanejá-las para lá. Se o movimento tiver que ocupar outro lugar abandonado e sem função social, vai ocupar, porque, nos albergues, as pessoas ficam de lá para cá", afirmou à BBC Brasil.
Ele também rejeita as ofertas do governo de auxílio-moradia e aluguel social. "Não queremos auxílio-moradia. Não queremos ficar vivendo do dinheiro público. Quantas unidades habitacionais a Prefeitura tem para nos dar? As pessoas esperam 30, 40 anos por uma unidade da Cohab. Quando consegue, já está indo para um jazigo", criticou.
O Departamento de Trânsito do Estado de São Paulo (Detran SP) divulgou que a partir desta quarta-feira receberá doações em sua sede para entregar às vítimas do incêndio. Roupas, sapatos, cobertores, itens de higiene, água e alimentos não perecíveis estão entre os artigos que estimula as pessoas a levarem. O órgão está localizado na Rua João Brícola, 32, ao lado da estação de metrô São Bento. E as doações poderão ser entregues das 8h às 18h.
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