Paraisópolis: escola vira "hospital" e ruas são monitoradas
Favela na zona sul de São Paulo adota uma 'estrutura de guerra' para o combate ao novo coronavírus
As casas de apoio vão abrigar moradores com covid-19 que convivem em suas casas com grupos de risco: idosos e pessoas com doenças crônicas. "Decidimos criar um espaço de acolhimento e isolamento para evitar a contaminação", explica Gilson Rodrigues, líder comunitário de Paraisópolis e coordenador nacional do G10 das favelas.
Os locais que estarão prontos até quinta-feira foram instalados em duas escolas estaduais que funcionam na comunidade e que agora estão com aulas suspensas. Cada centro tem 16 salas e capacidade para acolher 260 pessoas. "Acho que vai faltar lugar", lamenta o líder comunitário.
A intenção é ter mais centros e, com isso, atingir a capacidade para atender mil pessoas. Atualmente Paraisópolis conta com cerca de 100 mil moradores.
Os centros têm cama, banheiros, lavanderia, cozinha e uma ambulância de plantão. Sem revelar quanto foi investido, Rodrigues diz que os centros foram criados a partir de doações, em dinheiro e em produtos. Essas doações partiram especialmente de pessoas físicas e as empresas contribuíram muito pouco. Cerca de 50 cuidadores foram contratados para trabalhar em cada uma das casas por um período de três meses.
"A intenção era criar um hospital, mas não temos logística nem autorização para isso. Estamos cobrando do governo para que ele construa hospital aqui", afirma o líder comunitário. As casas de apoio são mais uma das iniciativas tomadas pelo comitê da favela de Paraisópolis criado para combater a os efeitos da pandemia na comunidade. Rodrigues conta que projeto já foi replicado por 361 comunidades no Brasil inteiro.
Desde o dia 19 de março, os líderes da comunidade passaram a adotar uma nova estratégia para o combate à pandemia. A cada 50 casas, um morador vizinho e voluntário, chamado de presidente de rua, terá quatro atribuições.
A primeira é conscientizar as pessoas para que elas fiquem em casa. Depois, é encarregado de distribuir as doações, de forma que não crie aglomerações nessa tarefa. Ele deve também passar informações corretas e combater as notícias falsas. E, finalmente, a quarta e mais importante função do presidente de rua, é monitorar, por meio de um grupo de WhatsApp, a saúde das 50 famílias. "Se elas tiverem algum problema, ele aciona a ambulância."
A comunidade contratou três ambulâncias, uma delas com equipamentos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), e sete profissionais (dois médicos, três enfermeiros e dois socorristas). Essa estrutura está disponível 24 horas por dia em Paraisópolis para prestar socorro.
"Decidimos contratar as ambulâncias porque o SAMU não vem para cá", explica Rodrigues. O líder comunitário frisa que nenhum membro do governo falou até agora a palavra favela nessa pandemia. "Não dá para deixar a favela à própria sorte: tem política para salvar bancos, shoppings, varejo e favela ninguém falou até agora como vai salvar."
Heliópolis produz máscaras
Desde a semana passada, 64 costureiras passaram a produzir máscaras em Heliópolis, na Zona Sul de São Paulo. Os protetores faciais serão distribuídos aos moradores da favela, em uma ação para evitar a propagação do novo coronavírus.
A Unas (União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região) se juntou ao Movimento Heróis Usam Máscaras, em uma iniciativa dos bancos Bradesco, Itaú e Santander, com apoio do Instituto BEI e do Centro Paula Souza.
Das 64 costureiras, 14 trabalham em uma carreta na Etec Heliópolis, enquanto as outras estão em regime home office. Cada profissional recebe R$ 100 por dia pelo trabalho. A meta de cada uma é produzir 48 máscaras de pano por dia, totalizando mais de 3 mil proteções.
Heliópolis conta com cerca de 200 mil habitantes e é a maior favela de São Paulo. Com o avanço do coronavírus, além da produção das máscaras, outras ações vêm sendo realizadas no local, como a distribuição de marmitas, cestas básicas e kits de higiene. Avisos pelas ruas e carros de som alertam para as pessoas permanecerem em casa.
"O trabalho está intenso, porque tem muita gente sem emprego. Pessoas que vendiam produtos nos semáforos não têm mais cliente e estão em casa. Não tem como as doações atingirem todo mundo, mas estamos organizando para atingir o maior número possível por meio de cadastramento das famílias", disse o presidente da Ação Comunitária Nova Heliópolis, José Marcelo da Silva.
Outra medida adotada em Heliópolis foi o fim dos bailes funk. Um dos mais famosos de São Paulo, o "baile do Helipa" reunia milhares de jovens pelas ruas.
De acordo com José Marcelo da Silva, por enquanto, as medidas adotadas têm surtido efeito. "Teve um caso ou outro aqui de coronavírus", afirmou ele, sem saber precisar o número de infectados. "Pelo que nos passaram até agora, foram duas mortes", acrescentou.
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