Petrópolis: crise climática desafia técnicas de prever tempo
Eventos extremos, que devem se tornar mais comuns, criam corrida no campo da meteorologia para antecipar fenômenos; previsões podem reduzir danos e salvar vidas
A tragédia em Petrópolis, que deixou mais de cem mortos e dezenas de desaparecidos, expõe o desafio de aprimorar a previsão do tempo para antecipar eventos extremos e estimar quando e onde chuvas torrenciais vão cair. Tempestades severas, com risco de deslizamentos, devem se tornar cada vez mais frequentes, por causa das mudanças climáticas.
Ferramentas de previsão de curto prazo que oferecem alertas pouco antes de fenômenos climáticos - o chamado nowcasting - são comuns em países como Estados Unidos e Reino Unido. O risco de furacões levou os americanos, por exemplo, a criar estratégias para evitar danos e mortes. O país também investe em previsões de curto prazo para tempestades severas.
Por aqui, trabalhos nessa área estão no início, mas devem ser os próximos passos a serem dados pela meteorologia brasileira diante do cenário climático. "Há uma tendência crescente de tempestades severas", diz Gilvan Sampaio, coordenador-geral de Ciências da Terra do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Para ele, se Petrópolis fosse uma cidade nos Estados Unidos, ao menos parte da chuva que arrasou o município poderia ter sido detectada antes.
Apesar disso, meteorologistas afirmam que prever exatamente o volume e local de uma tempestade como a de Petrópolis é tarefa difícil até para tecnologias mais sofisticadas. Foram 260 mm de água em poucas horas - volume que já seria enorme para um dia inteiro. Mas ferramentas como radares sofisticados e supercomputadores podem ajudar a traçar cenários de probabilidades de que um evento assim ocorra.
Tecnologias ainda em teste pelo mundo usam até inteligência artificial para tentar predizer tempestades. Um braço da agência espacial americana (Nasa) voltada para mudanças climáticas testa ferramentas de aprendizado de máquina (machine learning) para prever risco de deslizamento de terra em todo o mundo. Independentemente da tecnologia, a mensagem é a de que são necessárias estratégias de adaptação à vida em um clima em mudança constante.
Mais precisão
No futuro, talvez, seja possível dizer até o minuto em que uma chuva vai começar e parar. Segundo Sampaio, a previsão é de que os primeiros resultados do trabalho de nowcasting no Brasil cheguem em dez anos - um comitê científico sobre o tema está em formação no País.
Fazer esse tipo de projeção é útil para enviar alertas mais precisos aos municípios. Se uma cidade sabe que vai receber uma tempestade forte nas horas seguintes pode remover pessoas das áreas de risco. Quanto mais certeiros os avisos, mais eficientes as estratégias para conter os danos.
Nos EUA, projetos da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) buscam aumentar o tempo entre o aviso e a ocorrência da tempestade para tornar os alertas à população mais eficazes. Em agosto de 2020, por exemplo, ferramentas apontaram com antecedência o risco de inundações em Leesburg, na Virgínia. Moradores receberam avisos como: "vá imediatamente a um lugar mais alto". As previsões se concretizaram.
Tudo muito rápido
No caso de Petrópolis, alertas enviados pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) à cidade subiram de nível moderado para muito alto "em um piscar de olhos", diz o meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operações e Modelagem do Cemaden. "Foi tudo muito rápido. Quando tocaram as sirenes, já tinha enxurrada na rua." O Cemaden recebe previsões do tempo de outros órgãos.
Um radar captou a nuvem sobre a cidade, enquanto chovia, diz Seluchi, mas não conseguiu identificá-la antes para prever com antecedência seu movimento. Segundo o especialista, a meteorologia melhorou para prever o tempo nas próximas 24 ou 48 horas e até para 10 dias. Mas os extremos de previsão - eventos a curtíssimo prazo e para meses adiante - são mais difíceis de antecipar atualmente. Para fazer previsões de curto prazo são necessárias várias estratégias: ter imagens de radar, que detectam o movimento de gotas de chuva, é essencial. O Brasil tem radares - parte deles foi instalada após a tragédia na Região Serrana, em 2011. Mas, segundo Sampaio, em quantidade inferior à de outros países.
Outra estratégia para tornar previsões mais certeiras é fazer muitas delas, ao mesmo tempo, sobre a mesma área. Com isso, é possível ter um mapa de probabilidades, explica o meteorologista Bruno Zanetti, pesquisador da University at Albany (EUA). "Se o conjunto de modelos gera previsão que indica 10% de probabilidade de a precipitação exceder 100 milímetros, o risco é pequeno, mas a defesa civil pode ficar de sobreaviso", exemplifica. "Se detecta que é de 40%, a defesa civil pode pensar em evacuar determinados bairros."
Para fazer esse conjunto de previsões, são necessários computadores potentes: isso porque cada uma das previsões é, na verdade, resultado de fórmulas matemáticas complexas. Em previsões de curto prazo, a demanda computacional cresce já que é preciso "rodar" as fórmulas rapidamente. Todos esses aparatos podem ser inúteis se não houver profissionais para interpretar as informações. E, segundo especialistas, falta mais formação sobre nowcasting aos meteorologistas brasileiros. Soma-se a isso o clima tropical, que torna previsões mais difíceis. "Queremos cada vez mais detalhes e, para isso, é preciso instrumentos e que a ciência se desenvolva", diz Seluchi.
Redução de risco depende de comunicar avisos à população
Até previsões do tempo certeiras podem se tornar inúteis se não houver, na ponta, uma estratégia para lidar com os avisos. Parte dos especialistas em meteorologia defende que é preciso ter centros regionais para receber as previsões e identificar riscos de desastres em cada local - e não apenas um órgão para todo o Brasil, como o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Outro ponto para conter danos é incluir nos planejamentos dos municípios cenário de crise climática. "Precisamos evoluir na metodologia porque estamos vivendo um tempo muito perigoso", diz Fernando Rocha, coordenador do Laboratório de Gestão de Riscos da Universidade Federal do ABC. Os planejamentos devem prever a remoção de famílias em áreas de alto risco, mudanças ambientais e sistemas de alerta.
Não basta só ligar sirenes: a população tem de saber o que fazer com a informação, diz Márcio Andrade, pesquisador do Cemaden. Rotas de fuga, por sua vez, devem ser conhecidas previamente. E é preciso definir abrigos acessíveis. "Não é descobrir na hora (para onde ir)", diz Marcos Barreto, especialista em Geotecnia e professor da Escola Politécnica da UFRJ.
Países como o Japão, sob alerta de terremotos, têm uma cultura de prevenção de desastres que começa na infância. Até nas escolas há treinamentos com as crianças para proteção em caso de tremores e enchentes.