SP: prefeitura quer atrair 140 mil moradores para o centro
Proposta deve ser levada à Câmara em 2019, e sugere restrição de estacionamento nas ruas de comércio e obras no entorno da ferrovias
Das fábricas do Belenzinho às repúblicas estudantis de Santa Cecília, passando pela Rua 25 de Março, o Minhocão e a Cracolândia. A área central até pode ser pequena em relação ao território paulistano (2%), mas certamente é uma das mais heterogêneas e com maior oferta de emprego e transporte público.
Diante disso, a Prefeitura pretende levar ao menos mais 140 mil novos moradores para 11 distritos do centro expandido. E as transformações podem ir além: com restrição de estacionamento nas ruas de comércio intenso e novas obras habitacionais no entorno da ferrovia.
A ideia é revisar as diretrizes da Operação Urbana Centro, de 1997, que não contempla parte da legislação atual. O objetivo é claro: aumentar em pelo menos 53,8% o adensamento da região, indo de 130 habitantes por hectare para 200 hab/ha - média que já vale para Santa Cecília.
Para alcançar isso, a gestão Bruno Covas (PSDB) lançou no dia 10 a proposta do Projeto de Intervenção Urbana (PIU) Setor Central, aberta para consulta pública até segunda-feira. Após a fase de consulta e audiências, o projeto de lei será enviado para a Câmara Municipal em 2019. "A infraestrutura já é capaz de abrigar densidade demográfica muito maior, independentemente de investimento", diz Leonardo Castro, diretor de Desenvolvimento da SP Urbanismo, responsável pelo PIU.
Os dados do cálculo são, contudo, referentes ao Censo de 2010, anterior ao atual movimento de jovens de classe média se mudando para apartamentos pequenos em alguns bairros do centro. Nesses casos, o foco majoritário está na Santa Cecília e na República, como o entorno da Praça Dom José Gaspar e do Largo do Arouche. Com o PIU, a ideia é diversificar a faixa etária, o tamanho das famílias e a classe social de quem habita a região.
O plano abrange, em trechos ou na totalidade, Cambuci, Liberdade, Consolação, Santa Cecília, Bom Retiro, República, Sé, Brás, Pari, Belém e Mooca. "A Prefeitura tem o entendimento de que morar no centro não é só morar na Sé e na República, mas também em Campos Elísios, Pari, Barra Funda", diz Castro.
A média é de 2,5 habitantes por domicílio no centro, enquanto a municipal é 3,14. Em 2010, 447,6 mil pessoas viviam na região, mas estimativa de 2014 aponta que há 823 mil empregos formais.
O reflexo disso é trazer vida noturna para os bairros que tem movimentação apenas no horário comercial e de segunda a sexta-feira. "Parte do centro adormece no período noturno, vai ficando vazio, perigoso. Queremos pessoas circulando também no período noturno, consumindo, trabalhando, resgatar essa 'vibração'", aponta Castro.
O objetivo é elevar o número de habitações no entorno da ferrovia e da Marginal do Tietê, além da Baixada do Glicério. A proposta da Prefeitura descreve os locais como de "grandes dimensões subaproveitadas e extensões de terras públicas passíveis de transformação".
Nessas áreas, os moradores seriam compradores de apartamentos classe média e beneficiados por programas habitacionais. Uma das alternativas de fomento é retomar a cobrança de outorga onerosa, instrumento de cobrança pelo uso do solo, nos locais onde foi suspensa com a Operação Urbana Centro. Hoje, em algumas partes, não é preciso pagar para construir até o coeficiente máximo (que pode chegar a quatro vezes a área do terreno). Outra possibilidade é o programa federal Minha Casa, Minha Vida.
Locais vazios
A Prefeitura ainda estima que há 33.149 domicílios vagos no centro, cerca de 14,6% do total disponível. Nesses locais, o adensamento ocorreria, além de construir em lotes dispersos, com o reaproveitamento dos imóveis, por restaurações e reformas.
Dentro disso, está a ideia de fixar Perímetros de Requalificação Integrada de Imóveis Tombados, o que inclui incentivo ao restauro e à reforma. Uma ideia é criar regulações de padrão para reduzir a necessidade de autorizações prévias para intervenções em imóveis tombados.
Uma das ideias é criar regulações padrão para reduzir a necessidade de autorizações prévias para fazer intervenções nas centenas de imóveis tombados. Dessa forma, se propõe a ideia de construir em terrenos de bens protegidos, mantendo o bem original na frente e a nova construção na parte de trás.
Possibilidades
Mudanças urbanísticas no centro já são discutidas há décadas, segundo Simone Gatti, representante do Instituto de Arquitetos do Brasil na Comissão Executiva da Operação Urbana Centro. Segundo ela, a ideia de "revitalizar" se intensificou principalmente na década de 1990, período em que se investiu na potencialização de espaços culturais, como a Sala São Paulo e a Pinacoteca. "Foi uma medida bem inocente, não conseguiu tratar a questão da precariedade", aponta.
Para ela, o ponto central da discussão precisa ser a qualificação de moradia para a população que vive de forma precária na região - como moradores de cortiços, ocupações, em situação de ruas e até de favelas (como a do Moinho).
Simone afirma que a suspensão da outorga acabou "subsidiando indiretamente" a classe média em vez de ser um recurso de interesse público, para o transporte coletiva e a habitação social, por exemplo. "Apesar do desaquecimento, o mercado imobiliário está dando conta da demanda da população de classe média, e isso está acontecendo naturalmente."
O professor de Urbanismo da Mackenzie Antonio Claudio Fonseca considera que incentivos para adensar o centro são essenciais. "É de uma insustentabilidade uma área com infraestrutura total com pouca gente morando", diz.
No caso do entorno da ferrovia, por exemplo, ele aponta que equipamentos públicos e privados são formas de atrair moradores, tais como shoppings e centros culturais. "Cada vez mais gente está de novo falando em morar nas áreas centrais, coisa que há 10, 15 anos não se ouvia."
Já Eduardo Della Manna, diretor do sindicato do mercado imobiliário Secovi-SP, aponta como "fundamental" a manutenção na outorga gratuita para construir em parte dos bairros do centro (no Bom Retiro, por exemplo, ela é cobrada), podendo ampliá-la para imóveis de uso misto, isto é, que têm comércio e serviços no térreo.
Segundo ele, hoje, a procura é maior por regiões "mais qualificadas" do centro, como o entorno das Praças Dom José Gaspar e da República. Ele defende ainda a ampliação do coeficiente máximo de construção, que, hoje, é de quatro vezes a área do terreno na cidade, especialmente nas áreas mais degradadas, como a Luz. "Poderia se criar uma regra diferente para a região central, para construir 15, 20 vezes a área do terreno."
Prefeitura estuda limitar vagas de estacionamento
No entorno de polos comerciais (como Santa Ifigênia e 25 de Março), a Prefeitura estuda limitar a oferta de vagas de estacionamento, o que pode resultar na criação de bolsões com edifícios-garagem e a redução de vagas junto ao meio-fio. Dentro disso, a ideia também é ampliar as áreas de desembarque e carga e descarga.
Próximo a essas áreas, o estudo propõe as melhorias viárias previstas no "Apoio Urbano Sul" da Lei 16.541/16, que, inclui o alargamento de vias fora do miolo comercial, como as Avenidas do Estado e Celso Garcia.
Para Antonio Claudio Fonseca, professor de Urbanismo da Mackenzie, o pedestre e o transporte público devem ser prioridade. Além disso, possíveis mudanças e restrições podem ser possíveis desde que não exclua quem realmente precisa do transporte por carro, como pessoas com dificuldade de locomoção ou que usam o automóvel na exercício de sua profissão.
Dentre os estudos de transporte público para a área, está um projeto de Linha Circular de bonde, desenvolvido pelo escritório Jaime Lerner e anunciado pelo ex-prefeito João Doria (PSDB) em 2017. O veículo passaria em dois circuitos, que envolvem espaços culturais, polos comerciais e outros pontos atrativos do centro, estando conectados às estações de Metrô e trem, além dos terminais de ônibus, do entorno.
Quais são as próximas etapas?
Após a consulta pública, feita paralelamente com reuniões com entidades associações, a Secretaria Municipal de Licenciamento e Urbanismo, elaborará o PIU Setor Central, que passará por nova consulta popular e, então, será discutido em audiências públicas. A ideia é ter a versão final em dezembro, a qual deve, depois, ser enviada para votação na Câmara Municipal de Vereadores no segundo semestre de 2019.
Além do Setor Central, outros 13 PIUs estão em processo de proposição, andamento ou implantação na cidade, com focos distintos, que vão da Vila Leopoldina, na zona oeste, aos terminais de ônibus Capelinha e Campo Limpo, na zona sul, e Princesa Isabel, no centro.
No caso do PIU Setor Central, até as 12 horas de quinta-feira, 26, apenas três pessoas haviam tido a contribuição aprovada na consulta pública. Dentre os temas comentados, estão a exclusão do Bexiga da área de atuação do projeto, incentivos para restaurar bens tombados, iniciativas para acolher a população em situação de rua e ampliação de ciclovias.