Portadores de HIV lutam por volta de metrô gratuito em SP
Bilhetes que valiam para metrô e trem passaram a ser aceitos apenas em ônibus municipais; Secretaria dos Transportes nega alteração
Desde 2013, Sandro Eduardo Vichi, de 41 anos, precisa ir ao hospital pelo menos uma vez a cada 15 dias para fazer tratamento de Aids e hepatite C. Ele mora na região central de São Paulo e frequenta o Centro de Referência e Treinamento (CRT) da Vila Mariana, onde consegue acompanhamento público de clínicos gerais, infectologistas, nutricionistas e psicólogos. Para se locomover, conta ainda com metrô gratuito. Ou melhor, contava.
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O funcionário público disse ao Terra que ele e os amigos que tratam a doença na capital tiveram o benefício cortado – e sem nenhum aviso prévio. O bilhete usado por eles é o mesmo Bilhete Único Especial fornecido a pessoas com deficiência, que deveria ser totalmente gratuito e com integração entre ônibus municipais, metrô e trens. No final de 2014, no entanto, ele passou a ser aceito apenas nos ônibus.
“Esse bilhete tem que ser renovado todo ano com apresentação de laudo médico atualizado. Os portadores do HIV começaram a fazer esse processo em outubro do ano passado e receberam a carteirinha de 2015 válida apenas para ônibus”, disse. Seu novo bilhete foi emitido nesta semana e também chegou com essa modificação.
Em abril, após reclamações dos colegas, Sandro resolveu se mobilizar e criou um abaixo-assinado na internet relatando a situação e pedindo à Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô), à Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e à Secretaria dos Transportes Metropolitanos (STM) que voltem a liberar a gratuidade. Até a manhã desta sexta-feira, o documento contava com aproximadamente de 34,2 mil assinaturas.
“As pessoas não gostam de se expor, até por conta do preconceito, então fui eu que ‘dei a cara a tapa’. Meu quadro está no começo e tenho a facilidade de conseguir todos os especialistas em um lugar só, mas tem gente que precisa se consultar semanalmente e se locomover bastante. Tenho um conhecido, por exemplo, que mora em Campo Limpo Paulista e precisa do trem para vir se tratar em São Paulo”, afirmou. “Para quem precisa de tratamento pesado, a passagem pesa no fim do mês. Muitos nem têm recursos, ou é comida ou é tratamento”.
Simultaneamente, Sandro entrou em contato com a STM, segundo a qual o governo do Estado segue uma lei de 2004 que determina gratuidade aos soropositivos nos ônibus e que Metrô e CPTM são liberados somente aos que possuem outras “doenças oportunistas”, como pneumonia e tuberculose.
“Eu não tenho nenhuma ‘doença oportunista’ que eles listam e mesmo assim consegui o benefício por mais de dois anos. Como? Sem contar que, quando você tem uma doença que pode acarretar outras, tem que evitá-las e não ficar esperando que elas se instalem! Precisa de um acompanhamento para que elas, que podem ser fatais, não apareçam. Não faz sentido essa regra”, declarou.
De metrô, ele leva 20 minutos para ir de sua casa até o CRT. De ônibus, passará a levar cerca de 1h30.
Órgãos negam mudança na concessão
Procurados pelo Terra, o Metrô e a CPTM (vinculados ao governo estadual) responderam mais uma vez que o critério para obtenção do benefício obedece, desde 2004, a Lei Complementar Estadual nº 666, que prevê que a gratuidade no transporte metropolitano só pode ser fornecida às pessoas portadores do vírus HIV com “doença oportunista” constatada por laudo médico.
A SPTrans (responsável pelos ônibus municipais), por sua vez, ressaltou que "continua emitindo o Bilhete Único Especial com base na Portaria Intersecretarial SMT/SMS 001/11, garantindo a gratuidade aos portadores do HIV nos ônibus do sistema municipal".
Nenhum deles soube explicar, no entanto, por que soropositivos sem diagnósticos de outras doenças também receberam o benefício estendido até o ano passado.
Em meio às reclamações, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) entrou com uma ação civil pública no início deste mês contra a STM, a CPTM e o Metrô. No texto, o promotor Francisco Antônio G. Cirillo pediu a “extensão da isenção tarifária do transporte público a todos os portadores de HIV e não somente àqueles que estejam acometidos de doenças secundárias”.
A STM diz já ter apresentado ao MP todas as informações solicitadas.