Prédio que desabou em incêndio teve plano aprovado para virar centro cultural, diz arquiteto
Arquiteto francês Philippe Rizzotti afirma que governo federal concordou em ceder edifício, mas falta de recursos travou projeto.
O prédio que desabou na madrugada de terça-feira no centro de São Paulo esteve perto de se tornar um centro cultural com ateliês, residências artísticas, teatro, biblioteca e casa noturna.
Entre 2007 e 2009, um grupo de arquitetos franceses elaborou um projeto para revitalizar o edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu.
O prédio - ocupado nos últimos anos por famílias de sem-teto - desmoronou após um incêndio se alastrar por vários andares. Os bombeiros dizem ter visto um morador pouco antes do edifício cair, e que buscam por mais 34 moradores desaparecidos, número baseado em cadastros da prefeitura.
À frente do projeto de revitalização, o arquiteto Philippe Rizzotti diz à BBC Brasil que naquela época a estrutura do edifício estava muito boa. "Na primeira fase só pretendíamos reformar os elevadores, parte da fachada e fazer pequenos ajustes para adequá-lo aos padrões atuais de segurança", diz Rizzotti.
Ele afirma que fez muitas visitas ao edifício para avaliar suas condições. Na época, o INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) tinha um escritório no térreo, e os demais andares estavam vazios.
Nos anos 1980, o prédio foi a sede da Polícia Federal em São Paulo.
"Estou surpreso (com a notícia do desabamento), parecia uma construção sólida", diz Rizzotti. "Fico muito triste pelas vítimas, mas também pela perda de uma obra arquitetônica muito importante para São Paulo e o Brasil."
Investigação arquivada
Em março, o Ministério Público do Estado de São Paulo arquivou uma investigação sobre as condições do prédio após um laudo da Defesa Civil atestar que não ele não tinha riscos estruturais.
O laudo, porém, afirmou que a instalação elétrica do prédio estava "em desacordo com as normas aplicáveis, assim como o sistema de combates a incêndio". O prédio desabou após um incêndio se espalhar pela construção.
Especialistas afirmam que o calor das chamas pode amolecer as estruturas e fundações de um edifício, provocando seu colapso - mesmo processo que levou ao desabamento das Torres Gêmeas, em Nova York, em 2001.
Segundo Paulo Helene, professor de engenharia da USP, o edifício Wilton Paes de Almeida tinha pilares metálicos, estruturas pouco resistentes ao fogo, e não contava com elementos de proteção térmica hoje comuns em construções desse tipo.
Bombeiros que tentaram apagar o incêndio no edifício paulistano dizem que o calor das chamas ultrapassou 400 graus Celsius. Eles afirmam que havia muito material inflamável no prédio, o que teria dificultado a contenção do fogo.
Compromisso com o governo
Segundo o arquiteto Philippe Rizzotti, o custo estimado das obras iniciais no Wilton Paes de Almeida era de 1,5 milhão a 2 milhões de euros (entre R$ 4,1 milhão e R$ 5,5 milhões em valores da época).
Segundo Rizzotti, esse montante permitiria reinaugurar o edifício. O resto do prédio seria reformado aos poucos.
O projeto, encabeçado pelos coletivos franceses de arquitetura Coloco e Exyzt, tinha o apoio do Sesc-SP (Serviço Social do Comércio), órgão que administra vários centros culturais na cidade.
O arquiteto afirma que o governo federal, dono do edifício, havia se comprometido a ceder a construção por 99 anos para uma fundação que seria criada para administrá-la.
A obra inicial, segundo Rizzotti, seria custeada por empresas francesas como parte do Ano da França no Brasil, em 2009.
"Participamos de várias reuniões até convencer o governo a abraçar nosso projeto", conta o arquiteto.
Os planos, porém, não foram adiante. Sem conseguir despertar o interesse de financiadores, os arquitetos abandonaram o projeto em 2010. Na época, a França sofria os efeitos da crise financeira global.
O prédio continuou em posse do governo federal. Nos anos seguintes, foi ocupado por sem-teto e começou a se deteriorar.
Marco de São Paulo
Rizzotti diz que o Wilton Paes de Almeida era um "dos marcos da arquitetura de São Paulo". Ele afirma que o edifício foi o primeiro da América do Sul a ter fachada-cortina - sistema em que as paredes externas do edifício não são estruturais. O modelo reduz consideravelmente os custos da construção.
O prédio foi projetado nos anos 1960 para abrigar a sede da Companhia Comercial Vidros do Brasil e era considerado a maior obra do arquiteto Roger Zmekhol (1928-1976). Filho de imigrantes sírios, Zmerkhol, nasceu em Paris, veio para o Brasil ainda criança e foi professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo.
A fachada envidraçada lhe fez ser apelidado de "pele de vidro". Outra inovação do prédio foi seu sistema de ar-condicionado central.
Em 1992, ele foi tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo.